Chapter 1: Prólogo
Chapter Text
“ Não existe nenhum caminho lógico para a descoberta das leis do Universo - o único caminho é o da intuição.”
–Albert Einstein.
Chamas era tudo o que ela conseguia ver.
O incêndio se espalhava como uma tempestade de fúria incandescente. Ela gritou um nome enquanto tentava se mover pelo laboratório, agora em ruínas. O cheiro da fumaça invadia suas narinas, fazendo-a tossir descontroladamente, mas seus olhos permaneciam fixos nos escombros a poucos metros de distância.
Bem escondida, mas ainda visível, estava uma pequena mão, encharcada de sangue.
Como se sua vida dependesse disso (e dependia), ela correu em direção ao monte de entulhos, começando a removê-los, ignorando os cortes que surgiam a cada vez que os segurava da maneira errada. Tempo era algo que ela não tinha — precisavam sair dali antes que os reagentes explodissem e agravassem ainda mais as chamas. Ela engoliu em seco, ignorando a garganta ardente, e enxugou o suor da testa. Não podia desmaiar agora.
Um rangido vindo do teto a fez parar por um segundo. Ela olhou para cima, os olhos fixos em uma viga que estava prestes a colapsar. O som metálico ecoou pelo laboratório, sinalizando que, se não fosse rápida, seriam esmagados pelos escombros. Em um movimento radical e desesperado, empurrou a última placa de metal com todas as forças que nem sabia que possuía — e finalmente viu o corpo respirar.
Estava coberto de sangue. Muito sangue.
O líquido carmesim escorria por todos os lados, como uma torneira quebrada jorrando sem controle. O corpo estava ali, imóvel, mas o leve movimento do peito confirmava: ainda havia vida. Sua mandíbula travou, o pânico subiu pela garganta, e por um segundo, ela esqueceu como era respirar.
Com o coração martelando a mil, ela se forçou a respirar fundo. Um, dois… três. O suficiente para saber que ainda estava viva, mas, mesmo assim, tomada pelo desespero. Marchou lentamente em direção ao corpo, sentindo o peito dele subir e descer com dificuldade. Estava vivo. Eles iam ficar bem.
Engolindo o nó na garganta, ela o colocou sobre os ombros, desviando das chamas crescentes que consumiam o laboratório. Não podia fraquejar agora, não quando a vida dos dois pendia por um fio. Ignorou a explosão dos reagentes e o zumbido estático da invenção, agora em pedaços, mas ainda pulsando com energia instável. Uma onda de culpa correu por suas veias, queimando como ácido, mas ela não podia se distrair. O remorso podia esperar. Primeiro, precisava salvá-los.
Suas pequenas pernas estremeceram com o peso extra. Os alarmes do castelo zumbiam em seus ouvidos, como uma sinfonia que parecia zombar dela a cada passo que ela dava em direção a saída. O cheiro da fumaça preta se misturava ao do sangue, lhe causando uma onda de náuseas, seus olhos ardiam e seus músculos gritavam por descanso, mas continuou seguindo em frente.
A saída estava a poucos passos de distância, emoldurada por labaredas que dançavam famintas ao redor da porta. Ela mordeu o lábio, sentindo o gosto metálico do líquido que se recusava a nomear naquele momento. Era agora ou nunca.
Com passos apressados e desesperados, ela correu, protegendo-o das chamas como se carregasse a própria alma nos braços. Estavam quase livres daquele inferno flamejante — só mais alguns passos, e estariam salvos.
Até que ela tropeçou em um dos escombros.
O impacto lançou ambos ao chão com brutalidade, fazendo-a soltar um suspiro rouco de dor ao sentir seus joelhos colidirem contra o solo. O corpo sobre seus ombros rolou alguns centímetros à frente, inerte. Por um momento, ela achou que tudo havia acabado ali, que eles tinham falhado.
Ela tentou se levantar, mas seus joelhos cederam sob o peso do cansaço e do pânico. As chamas zumbiam em seus ouvidos, e ela sentia o sangue seco entre os dedos enquanto as lágrimas ofuscavam sua visão. A ansiedade revirava seu estômago, e a fumaça começava a sufocar seus pulmões — cada parte do seu corpo gritava para que desistisse.
Até que um leve gemido engasgado soou próximo a ela.
— M-Mina… — Ela quase não ouviu, mas ouviu.
Usando as últimas forças que conseguiu reunir, ela arrastou-se em direção ao som.
— V-vai ficar tudo bem… — sua voz saiu como um engasgo em meio ao desespero. — Vamos sair daqui, eu prometo.
Então, sentiu os dedos tocarem sua mão, fracos, trêmulos, mas ainda quentes ao toque, lhe dando um último resquício de esperança. Ela engoliu um soluço e enxugou as lágrimas. Eles ainda estavam respirando, era isso que importava.
Ela segurou aquela mão, como uma âncora que a mantia ainda naquele mundo. Ignorou o calor, ignorou a dor, ignorou tudo, menos aquela pessoa. Com o último resquício de determinação, ela o colocou novamente sobre seus ombros, cambaleando um pouco, mas ainda esperançosa. Levantou-se, dando um suspiro trêmulo. Eles ainda iriam conseguir.
Um passo. Outro.
As chamas crepitaram atrás deles, como se os chamassem para serem consumidos por elas. A fumaça queimava seus pulmões a cada inspiração.
Outro passo.
O brilho da saída parecia brilhar distante aos seus olhos, junto com as lágrimas dos seus olhos. Mas ela não podia parar. Não agora.
Mais um passo.
Suas pernas tremeram, sua cabeça doía e a náusea continuava a revirar seu estômago. Seus lábios estavam secos e sua garganta queimava, já indicando os sinais de desidratação, mas nada disso importava.
Mais um passo.
Ela apertou os olhos, a saída estava próxima, só mais alguns.
Até que ficou tudo branco.
E preto.
Só escuro.
Apenas silêncio e mais nada.
Chapter 2: O Sussurro entre as Estrelas
Summary:
Mina começa a se preparar para deixar Jammbo, até que ouve um boato sobre um piloto misterioso.
Notes:
Heyooo!!! ~
Decidi que vou postar um capítulo toda sexta feira. Não tem muito o que dizer sobre esse capítulo, além de que é o primeiro, lol.
Enfim, boa leitura! ~
Chapter Text
O universo é vasto, cheio de mistérios que até hoje ninguém desvendou por completo. Mesmo com tantas descobertas já realizadas, ainda não chegamos a entender nem um terço do que o infinito tem a oferecer. Estrelas, planetas, asteroides e muitos outros corpos celestes transitam pacificamente, em uma dança suave rumo ao desconhecido, como se desafiassem os aventureiros a encontrá-los e explorá-los. Em meio a esses corpos, piratas, astronautas e caçadores se entrelaçam, moldando o destino daqueles que têm coragem suficiente para desafiar o desconhecido.
Entre esses corpos, havia um planeta em específico: Jammbo. O planeta era conhecido por ser a origem da música do universo. Bolhas musicais saíam de suas crateras rochosas e vagavam lentamente em direção ao desconhecido, levando sua harmonia a todos os cantos do cosmos. Protegido por uma vasta crosta atmosférica, o planeta era habitado principalmente por pequenas criaturinhas conhecidas como dodos, que trabalhavam incansavelmente para manter em funcionamento a grande fábrica de música do planeta.
Além dessas pequenas criaturas, outros seres também habitavam Jammbo, os jammbonianos: seres multicoloridos e humanóides que viviam em paz com os dodos. Eles compunham a maior parte da população do planeta, mas havia também outras espécies alienígenas, e até mesmo humanos, vivendo ali graças à evolução das viagens espaciais.
Jammbo era regido por uma monarquia. O rei e a rainha zelavam para que tudo funcionasse como deveria. A sabedoria da Rainha de Jammbo ajudou a resolver diversos conflitos entre jammbonianos e forasteiros, que ainda carregavam certa desconfiança mútua devido a desentendimentos do passado, tornando o planeta um refúgio para muitos que se perderam pelo caminho ou não tinham mais para onde ir.
E é nesse pequeno ponto do universo que nossa jornada começa.
Mina levantou-se com um sobressalto, o coração martelando no peito. Seus olhos, ainda se adaptando à escuridão do quarto, piscaram enquanto ela secava algumas das lágrimas que ainda escorriam por seu rosto. Não era a primeira vez que despertava de um pesadelo, e sabia que não seria a última.
Ela observou o quarto ao redor, agora suavemente iluminado pelos primeiros raios de sol do planeta. Respirou fundo, tentando controlar os batimentos cardíacos, e levantou-se da cama. Caminhou até as cortinas, abrindo-as para encarar o nascer do sol.
Aquele seria seu último dia naquele planeta.
Mina esperara por esse momento desde que era pequena, e agora, no dia do seu aniversário de 18 anos, enfim partiria em busca de seu mentor: Eldoro, o grande sábio de Jammbo, conhecido como um dos criadores da fábrica de música do planeta. Seu intelecto e conhecimento em engenharia fizeram com que ela desejasse ser sua aprendiz desde os cinco anos de idade, desejo que a levou a devorar todos os livros da biblioteca real, em busca de sua aprovação.
Até que, há dois anos, ele desapareceu sem deixar nenhum vestígio.
A busca por ele durou alguns meses, até que as forças espaciais encerraram as investigações, declarando Eldoro como desaparecido em missão. Mas Mina sentia, em seus ossos, que ele ainda estava vivo. Algo dentro dela simplesmente não aceitava a ideia de que ele tivesse sumido para sempre.
Desde então, ela passou os últimos anos planejando e construindo uma nave: uma que fosse capaz de resistir a qualquer ambiente hostil, escapar de armadilhas gravitacionais e enfrentar qualquer ameaça, se fosse preciso. Ela a batizou de Hiperba (porque Rita achava que "Invenção n°643-B" era um nome ridículo e pouco chamativo).
Porém, havia uma incógnita: ela não tinha um piloto.
Não que Mina precisasse de um. Ela poderia, sem grandes dificuldades, construir uma IA capaz de pilotar a nave sozinha. Mas a Rainha insistiu que ela levasse alguém com ela, alguém em quem pudesse confiar, para garantir sua segurança. Mina tentou protestar contra a ideia, mas a monarca foi firme em sua decisão e acabou convencendo-a. Ainda contrariada, Mina decidiu entrevistar vários pilotos. No entanto, a maioria não estava disposta a arriscar a vida em uma missão tão perigosa, e os que demonstravam interesse não pareciam exatamente confiáveis.
Foi então, em meio a uma conversa desanimada com um dos últimos candidatos daquela semana, que ela ouviu um nome curioso sendo sussurrado por um deles.
— Dizem que o Trovão Vermelho voltou a competir nas arenas da Floresta Mutante.
— Sério? Pensei que ele tivesse desistido há alguns meses.
— Dúvido muito. Aquele garoto é mais teimoso que uma mula...
Mina interrompeu a conversa na hora.
— Trovão Vermelho? — perguntou. Seus olhos azul-safira se estreitaram para os dois pilotos, que engoliram seco.
— É só um boato, senhorita — começou um deles. — Dizem que há um piloto rebelde que compete em corridas ilegais pelo planeta, mas que sumiu há algum tempo. Alguns dizem que ele é tão destemido que enfrenta qualquer desafio com um sorriso no rosto.
— E onde ele “voltou a aparecer”, exatamente? — A cientista cruzou os braços.
— Na arena do sul, logo depois da Floresta Mutante. Mas não recomendo ir para lá... aquele lugar cheira a encrenca.
Mina não respondeu de imediato, seu cérebro processando a informação. Ela não esperava que teria que contratar um piloto ilegal para essa missão, mas dadas as circunstâncias, ela não tinha mais opções.
— Tudo bem, acho que terminamos por hoje, obrigada pela informação. — Ela os dispensou, seguindo em direção ao seu laboratório pessoal.
Aquela era sua última aposta, ela iria procurar o Trovão Vermelho, custe o que custar.
Naquela noite, Mina se preparou para ir até a Floresta Mutante, um lugar conhecido por suas árvores que mudavam de posição sempre que o vento trocava de direção, por isso, era fácil para viajantes desavisados desaparecerem sem deixar rastros. O lugar também era famoso por sua periculosidade e por abrigar diversas atividades ilegais, desde tráfico de artefatos até corridas clandestinas de veículos experimentais.
Um lugar perfeito para um piloto ilegal aparecer.
Vestindo seu jaleco e ajustando o capacete, Mina fez uma varredura da floresta, analisando possíveis rotas seguras onde não fosse abordada por criminosos nem se perdesse entre as árvores traiçoeiras. Quando terminou, colocou o necessário em sua mochila, a jogou sobre o ombro e se esgueirou sorrateiramente pelos corredores do castelo.
“Droga, pareço uma adolescente fugindo escondida da mãe...” repreendeu-se mentalmente, revirando os olhos.
Ela sabia que, se a rainha a pegasse saindo para a Floresta Mutante àquela hora, receberia uma longa palestra sobre o quão imprudente estava sendo. Mina não era do tipo que quebrava regras, sempre tentava manter-se na linha, mas aquela era uma emergência que não podia esperar até amanhã.
Não quando o Trovão Vermelho poderia desaparecer num piscar de olhos.
Respirando fundo, ela esperou os dodos deixarem os corredores e então correu silenciosamente até a porta do castelo. Mina já estava com a mão na maçaneta, prestes a empurrar a grande porta de madeira, quando uma voz firme, porém suave, cortou o silêncio do corredor:
— Imagino que você tenha permissão para sair sorrateiramente a essa hora da noite.
Mina engoliu em seco, estava tão perto. Girou lentamente até seus olhos encontrarem os da monarca de Jammbo, que a observava com um olhar desapontado e os braços cruzados. A engenheira tentou manter uma expressão neutra, mas a culpa era evidente em sua linguagem corporal.
— Rainha — ela tentou compor-se, mantendo uma postura ereta. — Eu… estava apenas…
— Indo em direção à Floresta Mutante — os olhos cinzentos da rainha se estreitaram sob os óculos de aro. — Pensei que já tivesse superado sua fase de adolescente rebelde, querida.
Mina desviou o olhar para o chão, que de repente parecia mais interessante, incapaz de rebater.
A rainha caminhou silenciosamente até a garota de cabelos azuis, tocando gentilmente seu ombro. Mina sentiu a culpa consumi-la naquele instante, mas ainda assim estava determinada a encontrar seu piloto — mesmo que para isso tivesse que desobedecer.
— Eu preciso sair esta noite — murmurou. — Não sei por quanto tempo o Trovão Vermelho vai continuar por aqui… cada segundo conta.
— Eu sei o quanto você quer encontrar Eldoro, querida — começou a rainha. — Mas se colocar em risco assim, saindo no meio da noite, não é a melhor solução. Pensei que fosse mais prudente.
Mina fechou os olhos por um momento, tentando manter a calma.
— Eu sou prudente — disse, agora mantendo um tom mais confiante. — Estudei tudo: as rotas, os padrões dos ventos, as possibilidades de armadilhas. As chances de dar errado são, no mínimo, 17%. Eu não estou correndo para o perigo sem pensar…
— Querida, nem tudo são cálculos — a monarca a interrompeu. — Você está indo sozinha, sem a companhia de ninguém. E se algo acontecer?
— Eu sei disso! — rebateu. — Mas não posso esperar mais. O Trovão Vermelho pode ser minha única chance de encontrá-lo!
As duas se encararam em silêncio por um momento, com o som do vento assobiando contra as janelas do castelo preenchendo o espaço entre elas. A rainha soltou um suspiro cansado e esfregou as têmporas.
— Você sempre foi teimosa — comentou, um leve sorriso surgindo em seus lábios. — Me lembra a mim quando tinha a sua idade.
— E olha só onde isso te levou — retrucou a cientista, um pequeno sorriso surgindo em seus lábios. — Acho que aprendi com a melhor.
A rainha soltou uma risadinha leve, cruzando os braços enquanto encarava a cientista com um olhar mais suave.
— Rainha de um planeta inteiro, com um marido preguiçoso, um bando de dodos barulhentos e uma engenheira que vive me dando dor de cabeça — disse em tom brincalhão. — Realmente ganhei na loteria.
A jammboniana de cabelos azuis riu baixinho, mas logo retomou a seriedade.
— Eu preciso tentar. Sei que parece arriscado, mas não estou indo por impulso. Se Eldoro está em algum lugar, não posso esperar o tempo passar. Eu construí uma nave com um propósito e encontrar um piloto é o primeiro passo.
A monarca a analisou, como se estudasse cada milímetro de seu rosto. A engenheira parecia firme em sua decisão, e ela sabia que qualquer outra tentativa de impedi-la seria em vão. Finalmente, soltou um suspiro cansado e se aproximou novamente, segurando as mãos azuladas da garota.
— Se Eldoro estiver vivo, ele estaria orgulhoso de você — disse, com um sorriso triste. — Mas não vá sozinha, querida. Aquele lugar não é para qualquer um. Leve alguns dodos com você. Eles te guiarão até lá.
— Obrigada, Rainha. Por tudo. — A cientista não se conteve e logo abraçou a mulher mais velha. — Prometo que isso não será em vão.
— Eu sei que não. E, antes de partir, não se esqueça de vir se despedir de nós. Vamos sentir sua falta.
Com um último aperto de mãos, Mina se separou da rainha e seguiu em direção à porta, ainda sentindo o calor do abraço em seus ombros. Olhou uma última vez para o lugar onde passou anos de sua vida, deixando a nostalgia correr por suas veias. O coração batia acelerado — não de medo, mas de excitação.
“Eu só espero que tudo isso valha a pena.” suspirou em pensamento.
Do lado de fora, três dodos do céu a aguardavam. Suas pequenas asas batiam rapidamente, e os olhos brilhavam com curiosidade e energia.
— Tudo bem — disse, a voz trêmula, mas determinada. — Levem-me até a Floresta Mutante.
Os dodos assentiram em uníssono e começaram a escoltá-la rumo ao desconhecido. Mina respirou fundo, reunindo toda a coragem que lhe restava, e os seguiu com passos firmes. A noite jammboniana os envolveu em tons violeta e azul. À distância, o céu parecia dançar com relâmpagos vermelhos que cruzavam o horizonte como presságios de um destino inevitável.
Chapter 3: O Relâmpago que Dança com as Árvores
Summary:
Depois de cruzar a Floresta Mutante, Mina finalmente chega ao seu destino. Mas ela não esperava encontrar alguém tão "peculiar".
Notes:
Heyooo ~
Mais um capítulo pra vocês, desfrutem! ^^
Chapter Text
A floresta logo se ergueu como um mar de sombras e brilhos misteriosos. Os dodos-vagalumes dançavam ao redor das árvores, servindo como pontos luminosos para Mina e os dodos do céu. O vento soprava suavemente, mas ameaçava ficar mais forte a cada segundo, fazendo as folhas das palmeiras se moverem em um ritmo constante, porém instável. Era como se o próprio lugar estivesse vivo, e observando.
Mina puxou o jaleco com mais força contra si, sentindo o vento gélido da noite soprar entre seus cabelos. Os dodos flutuavam à frente, usando pequenas esferas luminosas para guiar o caminho na escuridão. Um deles soltou um guincho agudo e engraçado, como se tentasse animá-la.
— É, eu sei... — Ela sorriu de leve, nervosa. — Eu também estou nervosa.
Apertando um botão em seu capacete, Mina ativou o mapa holográfico da floresta e começou a seguir o caminho que levava até a arena clandestina.
A trilha se estreitava à medida que o grupo avançava. Os dodos pareciam inquietos, agitando as asas com mais força, como se sentissem o ambiente mudando a cada passo. O visor do capacete piscou em vermelho, e um alarme suave soou dentro do ouvido da cientista.
A floresta estava prestes a mudar.
— Fiquem próximos! — ordenou Mina, em um tom firme. — A floresta está se movendo!
Como se respondessem à sua fala, um estalo profundo ecoou ao longe. As árvores, que antes pareciam firmemente enraizadas, começaram a se deslocar à frente. Mina arregalou os olhos quando uma árvore próxima deslizou alguns metros para a direita, como se fosse puxada por uma força invisível. Arbustos rolaram em várias direções, como se tivessem vida própria, e os dodos-vagalumes se agruparam, colando-se uns aos outros, assustados com a vegetação em movimento.
A floresta, antes estática e familiar, agora parecia um novo e estranho labirinto.
O mapa holográfico começou a tremer e a se distorcer, tentando se adaptar ao novo padrão da floresta. As rotas anteriormente traçadas embaralharam-se, fechando-se em becos sem saída enquanto novos caminhos surgiam conforme as árvores se arrastavam de lugar. A floresta estava se reconfigurando em tempo real.
Quando a vegetação finalmente se estabilizou, Mina soltou um suspiro cansado.
— Agora entendo porque construíram uma arena clandestina nesse lugar. — comentou, sarcasticamente.
A cientista e os dodos seguiram pela nova rota indicada pelo capacete, agora ainda mais cautelosos diante das mudanças imprevisíveis da floresta. A lua e as estrelas brilhavam no céu, sinalizando que a noite avançava e a escuridão se intensificava.
A cada passo, os sons da floresta pareciam se multiplicar: estalos de galhos, zumbidos de insetos e o farfalhar constante das folhas. Mina apertou o passo, os olhos atentos ao mapa que se atualizava em tempo real, revelando um caminho que serpenteava por entre árvores altas e grossas como torres.
Subitamente, a vegetação à frente se abriu, revelando uma clareira oculta envolta em neblina azulada. No centro, erguia-se uma construção circular, parcialmente coberta por vinhas e musgo, mas claramente tecnológica em sua base: a arena clandestina.
As luzes discretas embutidas na estrutura pulsavam em tons de roxo e vermelho, iluminando o ambiente de forma sutil. O chão ao redor era de pedra negra polida, marcado por rachaduras, fuligem e arranhões. Os sons da floresta haviam desaparecido, abafados pelo ronco crescente dos motores das naves dos corredores.
Mina parou na beirada da arena, sentindo um arrepio percorrer sua espinha.
— Então é aqui que ele está… o Trovão Vermelho. — sussurrou para si mesma.
Os dodos pairaram atrás dela, observando em silêncio. A cientista respirou fundo, ajustou o capacete e desceu os degraus que levavam ao centro da arena.
A multidão vibrava ao som dos motores das naves, que faziam os pilares metálicos ao redor da arena tremerem. Criaturas de todas as formas e tamanhos ocupavam arquibancadas ocultas pela escuridão, iluminadas apenas por hologramas vibrantes que anunciavam os nomes dos competidores e exibiam suas vitórias passadas.
Um locutor com voz exageradamente empolgada ecoou pelos alto-falantes invisíveis:
— E agora, chegou a hora que todos esperavam! Ele é o relâmpago entre as estrelas, a lenda sob asas, o campeão invicto das últimas 7 temporadas! Fazendo seu retorno esta noite, com vocês… o inigualável… majestoso… e assombroso: TROVÃÃÃÃOOO VERMELHOOOO!
A multidão vibrou quando os portões da arena se abriram com um chiado metálico, revelando um piloto que caminhava com passos despreocupados sob a luz dos holofotes.
Ele usava um capacete fechado, com um visor espelhado em vermelho. Vestia uma jaqueta vermelha de gola alta, com detalhes amarelos e um relâmpago estampado nas costas. Luvas pretas cobriam suas mãos. A camisa e as calças pretas formavam um conjunto funcional, porém estiloso, complementado por botas longas que reforçavam seu visual descontraído. Alguns cintos pendiam de sua cintura, com pequenos bolsos contendo armas e acessórios.
Mas o que mais se destacava nele era o sorriso arrogante e despreocupado estampado no rosto, acompanhado de um dente saliente que dava ainda mais charme à sua atitude confiante.
— Então esse é o tal Trovão Vermelho? — Mina revirou os olhos. — Uau... bem mais jovem e convencido do que eu esperava.
Ela cruzou os braços sobre o peito, observando o piloto caminhar até o centro da arena com um andar exageradamente confiante, como se estivesse entrando em um palco, e não em uma arena de corrida clandestina e potencialmente perigosa.
Os dodos flutuavam em silêncio atrás dela, parecendo igualmente intrigados. Um deles soltou um guincho curioso, inclinando levemente sua cabecinha azul.
— Eu sei, eu também tô tentando entender o apelo — comentou, sarcasticamente. — Não acredito que estou confiando minha segurança a um adolescente mimado e arrogante.
O piloto continuou caminhando preguiçosamente até o centro da arena e, sem a menor cerimônia, arrancou o microfone das mãos do locutor, que recuou, surpreso e indignado com a ousadia do jovem.
— Agora que já terminamos com as apresentações genéricas... — começou ele, com um leve chiado no microfone que fez a plateia se encolher. — Todo mundo aqui já sabe quem eu sou. E quem não sabe… bom, sintam-se à vontade pra me admirar enquanto estou na minha melhor forma.
Ele lançou um sorriso estilo Cheshire para os outros competidores, que rangeram os dentes de raiva diante da sua audácia. Em resposta, ergueu um dedo enluvado e fez uma pose dramática, como se estivesse prestes a receber aplausos.
— Eu sou o grande, magnífico e incrivelmente belo Trovão Vermelho! O mais rápido deste planeta e, quem sabe, de toda a galáxia! O pesadelo de todo corredor metido a valente, e a lenda viva que vocês terão o privilégio de ver em ação esta noite!
A plateia explodiu em uma mistura caótica de aplausos entusiasmados e vaias indignadas, mas ele parecia se alimentar daquilo. Mina torceu o nariz ao ver os outros pilotos o encarando como se lançassem adagas.
— Então prestem atenção, seus merdinhas — continuou ele, apontando diretamente para os adversários. — Porque esta noite, eu vou deixar vocês comendo poeira dos propulsores da minha nave. E, quando a corrida acabar, podem voltar para as suas mamãezinhas como mocinhas bem comportadas.
Xingamentos foram lançados em sua direção enquanto ele devolvia o microfone ao locutor. Girando nos calcanhares, ele caminhou tranquilamente até sua nave, como se estivesse desfilando em uma passarela.
— Ah, ótimo. — Mina bateu na própria testa. — Além de arrogante, ele é maluco.
Os dodos soltaram um guincho agudo, como se concordassem com ela.
Os outros pilotos trocaram olhares entre si — alguns rindo da coragem do garoto, outros franzindo a testa, claramente ofendidos com a ousadia do tal “Trovão Vermelho”. Um deles cuspiu próximo à nave, murmurando algo ininteligível, mas que podia ser interpretado como palavrões.
— Esse moleque tá pedindo pra ser esmagado — rosnou um dos corredores, um jammboniano lilás. — Como ele ousa nos tratar assim?
— Eu não sei vocês, mas eu senti firmeza — comentou outro, um humano de cabelos crespos. — Vai ser divertido esmagar aquele sorrisinho arrogante dele.
Enquanto os pilotos discutiam e se preparavam para a corrida, Mina continuava na beirada da arena, os olhos voltados para o adolescente de capacete.
— Ele acabou de declarar guerra a uma dúzia de criminosos armados até os dentes, como se estivesse numa loja de doces — disse ela, mais para si mesma do que para os dodos. — Ou ele é muito corajoso... ou é muito burro.
Lá embaixo, o Trovão Vermelho finalmente entrou em sua nave: um modelo antigo, porém eficaz, customizado com peças coloridas, tubos brilhantes e uma pintura vibrante em vermelho e amarelo, fazendo jus à sua alcunha. Ele ligou os motores com um rugido que sacudiu as paredes da arena e acendeu uma trilha de faíscas azuladas no chão.
O locutor retomou o controle do microfone, limpando a garganta e tentando manter a compostura.
— Acho que alguns estão mais empolgados que outros — disse nervosamente, puxando a gola do terno. — Com isso, senhoras e senhores, que comece a Corrida da Floresta Mutante! Três voltas! Quem ficar de pé e cruzar a linha de chegada vence! Que os circuitos estejam a seu favor!
As luzes da arena piscaram, e os portões se fecharam atrás dos competidores. A tensão no ar era palpável.
Mina soltou um suspiro pesado.
— Estou apostando meu pescoço num palhaço de jaqueta vermelha... — resmungou. — Se ele explodir na primeira curva, eu juro que volto pra casa andando.
Os dodos guincharam em uníssono, como se dissessem: Boa sorte com isso.
Chapter 4: Onde a Selva Grita
Summary:
Motores ligados, uma corrida começa. Tudo parecia perfeito para o grande "Trovão Vermelho", até que alguém decide lhe dar um pouco mais de trabalho.
Notes:
Heyooo~
Esse capítulo é um pouco maior do que os outros, e talvez nem esteja tão bom, mas espero que gostem. ^^
Chapter Text
Os motores rugiram em uníssono quando as luzes da largada começaram a piscar em sequência. Mina observou os competidores ficarem tensos, concentrando-se na corrida e atentos ao percurso à frente. O próprio Trovão Vermelho ficou mais sério, seu sorriso vacilando um pouco, porém, o brilho arrogante em seus olhos ainda permanecia.
— Tudo bem, Trovão Vermelho. Mostre o que você tem — murmurou Mina, com os olhos fixos no piloto.
Quando as luzes finalmente ficaram verdes, o estrondo dos motores tomou conta da arena, quando as naves partiram como projéteis. Faíscas e nuvens de poeira e trilhas de fumaça colorida preencheram o ambiente. Mina observou pelos monitores a floresta se rearranjar lentamente, quando os competidores passaram pelas trilhas instáveis, cada um parecia se adaptar a cada nova mudança, mas alguns deles já estavam começando a se perder pelo percurso imprevisível.
Porém, o Trovão Vermelho não parecia nem um pouco afetado com a mudança da floresta.
Sua nave cortava o ar como um dardo preciso, deixando alguns dos competidores para trás. Ele girou o leme apenas com uma mão, como se aquilo fosse apenas um aquecimento, enquanto ele soltava uma gargalhada sarcástica pelo comunicador interno.
— Sério? Só isso que vocês tem a oferecer? Eu esperava mais de uma arena “clandestina e mortal” — O piloto zombou, enquanto desviava de uma das árvores. — Desculpa princesas, essa corrida já é minha!
Um corredor tentou ultrapassá-lo pela lateral, mas ele habilmente girou sua nave de lado no último segundo, bloqueando o caminho com precisão provocativa. O adversário teve que frear para não bater, quase batendo em uma árvore próxima.
Na arquibancada, Mina estreitou os olhos para o telão da arena.
— Aquilo foi extremamente impulsivo e arriscado, mas ele conseguiu manobrar a nave com uma precisão incrivelmente cirúrgica — Ela murmurou, contrariada. — Tenho que admitir, ele é bom.
Os dodos flutuavam ao seu lado, cara um esticando suas patinhas pretas em um gesto dramático, como se estivessem apostando em quem ganharia aquela corrida ou em quem explodiria primeiro.
A primeira volta se completou, e a floresta acelerava seus movimentos, transformando o circuito em um caos ainda maior. As árvores pareciam se fechar ainda mais; arbustos sumiam e ressurgiam do nada; trilhas se fechavam, novas se abriam. Um dos corredores não teve tanta sorte e acabou colidindo com uma árvore, sua nave se despedaçando em uma explosão de peças. A multidão aplaudiu — insanamente.
A nave do piloto de vermelho, em vez de recuar ao ver a catástrofe, acelerou ainda mais os motores. Ela deu piruetas graciosas pelo ar, desviando habilmente dos destroços da explosão. Ele riu ao microfone, sua voz ecoando pelos megafones da arena.
— Uma volta concluída! Cadê o desafio, minha gente?
Mina pressionou a ponte do nariz com dois dedos, soltando um suspiro irritado.
— Ele vai acabar se matando de tanto se ouvir…
A segunda volta continuava ainda mais caótica, com os competidores tentando sobreviver ao caos natural da floresta. Agora com sangue nos olhos, eles tentavam alcançar o piloto de vermelho, recorrendo a todo tipo de truque sujo contra ele.
Um dos corredores lançou uma rede energética, tentando prender a asa da nave a uma árvore próxima, mas ele desviou no último segundo, raspando em um galho. Outro ativou lasers e lançou fogo contra as árvores numa tentativa de bloquear o caminho, mas o piloto passou por elas antes que caíssem sobre sua nave.
A cada novo obstáculo desviado, a multidão urrava em emoção e espanto.
— Vão ter que fazer melhor que isso, mocinhas! — Ele sorriu, suas mãos dançando pelo manche da nave. — Já enfrentei obstáculos piores do que essa dança de salão.
Ele acelerou o motor da nave, levantando uma nuvem de poeira contra os competidores. Sua risada ecoava pelos megafones da arena. A multidão vibrava a cada manobra que ele executava, deixando até Mina com uma expressão perplexa.
— Impressionante, é como se ele conhecesse cada canto dessa floresta! — A cientista levantou a sobrancelha, observando-o desviar de outra nave. — É como se ele já estivesse corrido por aqui antes.
A floresta havia mudado novamente seu padrão, tornando-se agora mais fechada e claustrofóbica, como um túnel vivo de galhos entrelaçados e troncos espremidos uns contra os outros. Era como se a própria natureza conspirasse para transformar a pista em uma armadilha mortal. Luzes piscavam entre as folhagens densas, e os dodos-vagalumes voavam em desespero, espalhando clarões por entre os ramos.
O Trovão Vermelho puxou o manche com precisão, e o nariz da nave inclinou-se levemente para cima, permitindo-lhe desviar de uma formação rochosa que surgira do nada como uma mandíbula prestes a se fechar. Seus reflexos estavam afiados, e suas mãos dançavam pelo painel de controle com uma confiança quase insolente.
Um dos corredores, impaciente, tentou aproveitar uma brecha pela direita. Era uma jogada arriscada, mas ele apostou tudo. Lasers cortaram o ar, atingindo de raspão a lateral da nave vermelha. O impacto fez faíscas saltarem, mas o Trovão Vermelho apenas riu.
— Sério? Isso é o melhor que você tem? — zombou, virando a nave com um giro ágil.
O competidor puxou os controles bruscamente para evitar uma árvore, mas era tarde demais. Sua nave girou em espiral, derrapando no ar como uma folha no vento, até se chocar de frente com um tronco colossal. A explosão foi abafada pelas camadas densas da floresta, e apenas um clarão alaranjado iluminou por um segundo o túnel vegetal.
A plateia reagiu em uníssono, tão ensandecida que Mina se viu obrigada a tampar os ouvidos. A multidão parecia mais excitada com a destruição e o caos desenfreado do que com a corrida em si. Cada explosão, colisão ou manobra arriscada era recebida com gritos e aplausos selvagens.
— Impressionante! — exclamou o locutor, sua voz eletrificada ecoando pelos alto-falantes. — Ele continua abrindo vantagem, mesmo sendo atacado sem parar pelos outros corredores! É como se nada o afetasse!
O Trovão Vermelho apenas sorriu, passando a língua pelos lábios com um desprezo confiante, como se estivesse se divertindo com o desafio. Seus olhos brilhavam de empolgação quando outro piloto tentou encurralá-lo entre os troncos. Ele desviou por um triz, jogando a nave levemente para o lado e colidindo propositalmente com a lateral do oponente, empurrando-o com força até que a nave rival derrapasse e fosse arremessada para dentro de um riacho próximo, desaparecendo em um jato de água e faíscas.
Restavam apenas três corredores quando a segunda volta foi completada.
— Agora, na terceira e última volta, apenas três corredores seguem firmes e fortes! — exclamou o locutor. — O Trovão Vermelho continua na liderança, mas quem será o sortudo a tentar tirar-lhe o título de piloto mais rápido de Jammbo!?
Uma nave maior se aproximou do pequeno jato vermelho, zumbindo perigosamente ao lado dele. O ronco grave dos motores ecoava entre as árvores, denunciando a potência da máquina. Os olhos negros do piloto rival, ocultos sob uma viseira opaca, encontraram os de Trovão Vermelho através da tela lateral. Havia uma tensão silenciosa entre eles, como dois predadores avaliando quem faria o primeiro movimento.
Ambos desviaram ao mesmo tempo de um tronco que surgiu do chão com um estalo seco, seus reflexos quase idênticos. A multidão prendeu a respiração diante da proximidade.
O Trovão Vermelho sorriu de lado dentro do capacete, um brilho divertido nos olhos. Ele arqueou a sobrancelha, apoiando o cotovelo no painel de controle e encostando a cabeça na mão, em uma pose provocadoramente relaxada.
— Que foi? Se perdeu nos meus lindos olhos? — disse com desdém. — Desculpa, mas caras como você não fazem o meu tipo.
— Você fala demais pra alguém tão inconsequente — rosnou o piloto da nave negra, rangendo os dentes. — Cuidado, garoto. Essa sua língua grande vai ser sua ruína.
— Ruína? — Ele girou a nave para desviar de um galho que desabou no meio da pista. — Ninguém arruina algo que já nasceu como desastre ambulante.
Enquanto os dois disputavam pela liderança, o terceiro piloto aproveitou a distração para ultrapassá-los, sua nave cortando o ar, como uma navalha afiada. Os olhos de ambos se arregalaram por um instante, tentando processar o que havia acabado de acontecer. O Trovão Vermelho foi o primeiro a reagir, seu sorriso sumindo por um breve momento, substituído por um olhar ofendido.
— O quê!? Ele nos ultrapassou? — exclamou o piloto de vermelho, endireitando o corpo e firmando as mãos no manche. — Que cretino! Vai ultrapassar a sua mãe!
Com um movimento ágil, ele apertou os controles e ativou os propulsores laterais. A nave disparou à frente, rasgando folhas e fazendo os galhos das árvores balançarem violentamente com a turbulência. A nave negra continuava colada em sua traseira, esbarrando ocasionalmente contra ela em tentativas agressivas de desestabilizá-lo. O Trovão Vermelho rangeu os dentes e soltou um suspiro irritado.
— Ô, Casanova! — zombou o piloto da nave negra, com sarcasmo. — O problema é comigo, não com ele!
— Cala a boca! — rosnou o Trovão Vermelho, desviando de um tronco que surgiu repentinamente. — Ninguém rouba minha vitória e ainda sai bonito na foto!
O piloto da nave negra soltou uma risada seca, claramente se divertindo com a frustração do jovem adversário. Em um movimento agressivo, forçou sua nave contra a lateral da do Trovão Vermelho, fazendo-a perder velocidade e estabilidade momentaneamente.
— Sai do meu pé, chulé! — o Trovão Vermelho resmungou, já perdendo a paciência. — Tô tentando ganhar essa corrida!
— E eu tô tentando me livrar de um verme. — retrucou o piloto da nave negra, com a voz carregada de ameaça.
As naves se chocavam levemente em pleno voo, com faíscas saltando a cada contato. O embate agora era tão pessoal quanto a corrida. A nave negra continuava pressionando com brutalidade, como um gato se divertindo com a presa antes de abatê-la. Pela primeira vez, o olhar do Trovão Vermelho se tornou tenso — ele lutava para manter o controle da nave, os músculos rígidos e os dedos apertando o manche com força.
Com um movimento rápido, puxou o controle para a esquerda, desviando por um triz de outro impacto violento da nave maior. O ronco dos motores se misturava com os gritos da plateia, enquanto o céu da floresta parecia se fechar ainda mais ao redor deles.
— Cara, você é doente! — Exclamou o Trovão Vermelho, agora forçando-se a pilotar com mais cautela. — É só uma corrida, não precisa levar isso pro lado pessoal!
— Ah garoto… — O rival riu, os olhos ébanos, brilhando com uma mistura de sadismo e prazer. — Isso é só o começo!
Em um movimento rápido, ele apertou um botão no painel de controle. Um bip estridente soou, e os compartimentos laterais da nave negra se abriram, revelando dois mísseis pequenos, mas letais.
— Vamos ver como você lida com isso, príncipezinho — rosnou o piloto da nave negra, com um sorriso sádico nos lábios.
Os mísseis foram lançados com um silvo agudo, riscando o ar como serpentes de fogo. O Trovão Vermelho puxou o manche com força, fazendo sua nave subir bruscamente acima da copa das árvores. Um dos projéteis explodiu contra uma árvore logo abaixo, abrindo um clarão incandescente na floresta.
O segundo míssil passou raspando pela nave vermelha e, apesar da manobra ousada, o Trovão Vermelho mal conseguiu evitá-lo. O projétil seguiu em linha reta, atingindo em cheio a traseira da nave do piloto que liderava naquele momento.
A explosão foi imediata, lançando destroços incandescentes pelo ar. A nave atingida girou descontroladamente, colidindo com os galhos em alta velocidade antes de desaparecer em meio às árvores, engolida por uma nuvem espessa de fumaça e chamas.
— Ops, erro de cálculo — o piloto da nave negra disse com um sorriso de escárnio. — Agora somos só você e eu, “Trovão Vermelho”.
O piloto de vermelho rangeu os dentes, os dedos apertando com força o manche da nave. Seus olhos vermelhos ardiam de raiva sob o visor espelhado.
— Você é um pé no saco, sabia? — ele grunhiu. — Justo quando achei que ia ganhar uma grana fácil… agora tenho que lidar com um sádico poser de vilão.
— Você é interessante, garoto — respondeu o piloto com uma risada baixa. — Nunca vi alguém tão habilidoso e tão arrogante ao mesmo tempo… mas tá na hora de alguém te colocar no seu devido lugar.
O Trovão Vermelho revirou os olhos dentro do capacete, os dedos se movendo com precisão sobre os controles da nave.
— E você leva essa pose de vilão de filme barato a sério demais. Relaxa aí, Darth Emo.
Da arquibancada, Mina observava o embate entre os dois pilotos com um olhar ansioso. As naves cortavam a floresta em alta velocidade, lutando ferozmente pela liderança, enquanto a linha de chegada se aproximava a cada segundo.
Ela apertava o encosto da cadeira com força, os olhos fixos na projeção holográfica da corrida. Os espectadores ao redor gritavam, vibravam e torciam, mas tudo parecia um borrão para ela. Sua atenção estava totalmente voltada para o piloto de vermelho, que agora fazia manobras ousadas para despistar o adversário.
— Vamos lá, garoto — ela murmurou entre os dentes. — Preciso de você inteiro. Não me faça pensar que apostei no piloto errado.
Na pista, a batalha atingia o auge. O Trovão Vermelho puxou sua nave bruscamente para a direita, desviando de um projétil que explodiu logo atrás, sacudindo sua nave com a onda de choque. Embora o suor escorresse por sua testa e seus músculos estivessem tensos, ele ainda mantinha o mesmo sorriso provocador nos lábios.
— Desculpa, Edgelord. — zombou pelo comunicador, a voz carregada de sarcasmo. — Mas essa corrida já é minha!
— Tsc... Brinque o quanto quiser, pirralho. No final, ainda sou eu quem vai te derrubar. — rosnou o piloto rival, a fúria fervendo em sua voz.
As duas naves avançaram em velocidade máxima, cortando o túnel final de árvores como lâminas afiadas. A linha de chegada já era visível ao longe, marcada por um clarão de luz entre as copas. O som dos motores era ensurdecedor, misturando-se aos gritos enlouquecidos da multidão. O piloto da nave negra ativou os propulsores finais, avançando como uma sombra ameaçadora ao lado do Trovão Vermelho. Suas naves voavam tão próximas que faíscas saltavam entre os cascos, e qualquer desvio mal calculado poderia significar a destruição de ambos.
O Trovão sorriu, agora com os dentes cerrados, os olhos fixos na linha de chegada.
— Foi divertido. — Ele sorriu, malicioso. — Vamos ver se você consegue lidar com essa!
Com um movimento ágil e impulsivo, ele inclinou a nave para baixo por um segundo, posicionando-se logo abaixo da nave rival. Esperou o momento certo — quando uma árvore começou a surgir no caminho, fruto de mais uma mudança repentina no padrão da floresta, e então puxou o manche para cima. Sua nave subiu abruptamente, obrigando o oponente a recuar por alguns segundos para evitar o obstáculo, o que o desestabilizou completamente.
— O quê—!? — gritou o piloto da nave negra, as mãos se movendo freneticamente enquanto tentava retomar o controle da nave.
Era tudo o que o Trovão Vermelho precisava.
— Sayonara, perdedor! — disse com um sorriso debochado, mostrando a língua pelo comunicador.
Com um rugido metálico dos propulsores, o Trovão Vermelho disparou adiante, sua nave cortando o túnel de árvores com precisão milimétrica. Faíscas saltavam ao seu redor, galhos estalavam, e o som da multidão parecia distante — tudo que importava agora era aquela linha de chegada à frente.
O piloto rival recuperou o controle segundos depois, mas era tarde demais. Ele tentou acelerar, empurrando sua nave até o limite, mas o espaço era estreito demais e o danos da corrida já estavam começando a comprometer o motor.
O Trovão Vermelho apertou os olhos, o foco total no ponto luminoso que marcava o fim da corrida. Cada segundo era eterno. Cada batida do coração, uma explosão.
E então...
Boom!
A pequena nave vermelha cruzou a linha de chegada em uma explosão sônica, apenas meio segundo à frente da rival danificada. A plateia irrompeu em aplausos, vaias e gritos, uma tempestade de euforia sonora que sacudiu as arquibancadas. Até Mina, ainda desconfiada, deixou escapar um leve sorriso, impressionada com o desempenho do garoto. Os dodos do céu rodopiavam entre si, soltando guinchos animados que se misturavam à vibração do público.
Dentro do cockpit, o Trovão Vermelho arfava, suado, mas com um sorriso vitorioso estampado no rosto.
— E é isso... — murmurou, ofegante, olhando para o céu pela escotilha. — Ainda sou o mais rápido.
A vibração da corrida ainda pulsava no peito dele, como se a adrenalina se recusasse a ir embora. O som abafado da multidão lá fora chegava como um eco distante. Ele tirou o capacete devagar, revelando os cabelos ruivos bagunçados pelo calor da cabine, e passou a mão pela testa suada.
— Nada mal pra um desastre ambulante, hein? — resmungou, sorrindo para si mesmo.
Da arquibancada, Mina o observava, admirada com a habilidade do piloto. Ele parecia um pouco jovem demais para estar ali, mas voava com a maestria de um veterano. Seu estilo era impulsivo, quase irresponsável, mas havia algo de fascinante naquela ousadia, como se dançasse no limite entre genialidade e desastre.
Ele ainda acenava para a plateia, adorando a atenção que recebia, até seus olhos se encontrarem com os dela, por um breve momento. Ela não sorriu, nem desviou o olhar, apenas o observou, curiosa. Ele, por sua vez, não diminui o sorriso, mas arqueou a sobrancelha levemente, como se reconhecesse um desafio, ou talvez só tivesse gostado da atenção.
E então, como se nada tivesse acontecido, ambos olharam para lados opostos.
Mas aquele breve instante havia deixado algo no ar.
Chapter 5: Silêncio Antes do Salto
Summary:
Mina finalmente conhece seu piloto. Apesar de sua relutância inicial, Ela decide contrata-lo, mesmo que tenha que usar chantagem como um dos meios para isso.
Notes:
Desculpa, eu devia ter postado Sexta, mas eu acabei esquecendo e eu não confio muito no método de postagem programada do AO3.
Enfim, boa leitura!!!
Chapter Text
Mina permaneceu parada por alguns segundos, tentando entender por que aquele olhar a havia afetado tanto. Não era exatamente charme, embora ele parecesse ter de sobra, mas algo mais instintivo, com uma faísca de familiaridade, mesmo ela tendo certeza de que nunca o havia visto antes na vida. Balançou a cabeça, afastando esses pensamentos. Precisava focar no motivo de ter vindo até ali.
Ela iria contratá-lo como seu piloto.
Com isso decidido, virou-se para sair da arquibancada e abordá-lo diretamente, tentando não ser atropelada pela multidão eufórica. Não tinha certeza se ele aceitaria ir com ela por vontade própria, então precisava pensar em algo para convencê-lo. Dinheiro não era um problema para ela, mas algo em seu íntimo dizia que ele não aceitaria qualquer oferta.
Mordendo o lábio inferior, seguiu em direção ao piloto narcisista, torcendo para que seu plano improvisado desse certo.
Lá embaixo, o Trovão Vermelho ainda segurava o capacete debaixo do braço, observando o público se dispersar aos poucos. Seu olhar, por um momento, se perdeu na arquibancada agora vazia, como se esperasse ver a garota misteriosa novamente. Quando não a encontrou, soltou um suspiro leve e frustrado, sem entender por que aquilo o incomodava tanto.
— Hm… que sensação estranha — murmurou. — Bah, deve ser só coisa da minha cabeça.
Ele caminhou até o lugar do pódio, observando os pilotos perdedores que haviam sobrevivido à corrida. Muitos ainda o encaravam com desdém, mas ele não se importava. Havia vencido com habilidade e dentro das regras, bom, quase. Notou também que o piloto misterioso da nave negra havia desaparecido. Deu de ombros. Talvez estivesse envergonhado por ter perdido para alguém como ele.
Luzes coloridas começaram a girar, e uma fanfarra animada ecoou pela arena. O pódio se ergueu lentamente, e o Trovão Vermelho subiu os degraus com passos relaxados, mesmo ofegante e coberto de suor. Ele ergueu os braços ao ouvir seu nome, ou melhor, sua alcunha, anunciado como campeão da corrida.
— E com isso, o Trovão Vermelho mantém o título de piloto mais rápido de Jammbo! — bradou o locutor.
A plateia respondeu com uma mistura de aplausos, gritos e algumas vaias.
— Obrigado, eu tento. — Ele exibiu mais um de seus sorrisos arrogantes. — Agora vamos à melhor parte: o meu prêmio!
O locutor revirou os olhos, mas obedeceu. Em suas mãos, ele entregou um pequeno troféu dourado, com uma nave estilizada no topo, e um cheque enorme, com tantos zeros que ele nem se deu ao trabalho de calcular.
— Uau! Hoje eu durmo como um rei! — ele riu para si mesmo, girando o troféu no pulso como se fosse um brinquedo de criança. — Ou pelo menos como um príncipe com uma nave foda.
Foi então que avistou novamente um traço de cabelo azul entre a multidão, aproximando-se cada vez mais do pódio. Ele arqueou a sobrancelha, curioso, porém mais alerta. O cabelo dançava entre as pessoas, prendendo sua atenção a cada movimento, como se o mundo tivesse abaixado o volume e aquele pedaço azul fosse tudo o que importava no momento.
Quando ela apareceu por completo, ele teve certeza: era a mesma garota que o havia encarado. Cabelo azul, capacete e um jaleco de laboratório cobrindo parcialmente o macacão de engenheira. Uma visão inusitada naquele ambiente barulhento e sujo de corrida, como se tivesse saído de outro mundo, e, de certo modo, talvez tivesse mesmo.
Ela subiu os últimos degraus do pódio com passos decididos. Ele não se mexeu, apenas observou, curioso, enquanto girava o troféu nos dedos.
— Veio buscar um souvenir, doutora? — Ele sorriu maliciosamente. — Ou tá interessada em mim?
Ela não sorriu. Parou a poucos passos dele, com um olhar sério, mas determinado.
— Eu preciso falar com você. Em particular.
Ele analisou a garota por um instante. Havia algo nela que ia além da aparência chamativa. Um tipo de urgência contida. Desviou o olhar para o troféu e, em seguida, voltou a encará-la.
— Desculpa, mas só dou autógrafos depois da entrevista. Tenho que agradar todos os meus fãs, sabe como é — disse com um sorriso preguiçoso.
Ela estreitou os olhos perigosamente, quase como se pudesse derretê-lo apenas com o olhar.
— Eu não vim aqui pra brincadeiras, garoto. Eu sei que você não tem licença pra pilotar uma nave. Então engula esse seu orgulho e venha comigo... ou faço questão de denunciar você às autoridades reais.
Ele arqueou uma sobrancelha, o sorriso desaparecendo por um breve instante. Por trás da pose relaxada, os olhos brilharam com um misto de surpresa e irritação.
— Uau... ameaças agora? — disse, dando um passo em direção a ela, a voz mais baixa, mais firme. — Sabe, você até parecia interessante. Agora tá começando a parecer só mandona.
— E você tá começando a parecer alguém com um passe direto pra cadeia, ou para um reformatório.
Por um momento, os dois ficaram frente a frente, numa disputa silenciosa de vontades, os olhos azuis se mantendo firmes contra os dele. Até que ele riu, balançando a cabeça com um suspiro resignado.
— Tudo bem, doutora, você venceu. Mas só porque tô curioso pra ver onde isso vai dar.
— Ótimo. — Ela virou-se, indo em direção à saída da arena. — Me acompanhe, temos muito a discutir.
Logo chegaram a um pequeno hotel nas redondezas. Não era um lugar de luxo, mas confortável o suficiente para garantir uma boa noite de sono aos hóspedes. As luzes amareladas davam um ar acolhedor ao ambiente, e a brisa suave da noite tornava o pátio externo ainda mais convidativo.
Eles se sentaram em uma das mesas ao ar livre, um pouco afastadas do movimento principal. Ele jogou o troféu sobre a cadeira ao lado, relaxando como se estivesse em casa, enquanto ela permanecia ereta, séria, como alguém prestes a apresentar um projeto importante.
— Então... — ele começou, recostando-se ainda mais na cadeira. — O que você quer de mim?
— Eu vou ser direta: preciso de um piloto e você se demonstrou habilidoso o suficiente para atender aos meus requisitos.
Ele a analisou por um momento, como se ela tivesse crescido uma segunda cabeça.
— Deixa eu ver se entendi: primeiro você aparece e me encara do nada, depois me ameaça com prisão e agora quer que eu seja seu piloto? E essa história de "você não tem licença para pilotar uma nave", hein?
Ela não se mexeu, mas seu olhar ainda era firme.
— Isso é um problema a ser resolvido depois. O que importa agora é a sua habilidade, e você provou que tem isso de sobra.
O piloto ruivo a encarou silenciosamente por alguns segundos, até que soltou uma risada curta, sem humor.
— Habilidade? O que você acha que eu sou? Algum tipo de motorista particular? Se for, você deu viagem perdida, doutora. Eu faço isso por diversão, não por necessidade.
— Não estou pedindo para você ser meu motorista. — Ela respondeu, firme. — Estou pedindo para você ser meu piloto. Eu não tenho tempo a perder, e aparentemente, você também não.
Ele mordeu o lábio inferior, sua mente trabalhando para sair daquela situação. Aquela garota já estava começando a encher a paciência dele. Podia ver que ela não estava brincando quando disse que poderia colocá-lo na prisão, mas o tom autoritário sobre ele ainda o incomodava.
— Suponhamos que eu talvez aceite, o que eu ganho com isso? — perguntou, ainda desconfiado — não tô vendo benefício em me envolver nesse seu rolo.
Ele a viu cruzar os braços e soltar um suspiro, como se já estivesse esperando aquela pergunta.
— Eu não sou ingênua. Sei que você quer mais do que uma simples corrida. E, considerando suas habilidades, posso garantir que vai ter mais do que o suficiente para motivá-lo.
Aquilo atiçou seu interesse. Era verdade, ele queria mais emoção do que apenas competir em corridas clandestinas. Imitou os movimentos dela, cruzando os braços sobre o peito e arqueando uma sobrancelha, como se a desafiasse com o olhar.
— E se eu disser que não tô interessado em pilotar pra você?
— Bem, então eu arrumo outro piloto — ela respondeu com calma, enquanto examinava as unhas. — E você provavelmente passa o resto da sua adolescência na cadeia. Que azar, hein?
Ele soltou uma risada pelo nariz, balançando a cabeça como se estivesse se divertindo com a audácia dela.
— Você é impiedosa, doutora. Gosta mesmo de viver no limite, hein?
— Só gosto de resultados — ela rebateu, sem levantar o olhar.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, observando-a. O jeito como ela falava, como mantinha o controle da conversa… aquilo era diferente. Intrigante. E, de certa forma, provocador.
— Tudo bem doutora, você venceu — o piloto ruivo disse, enfim, descruzando os braços. — Quando partimos?
— Depois de amanhã. Precisamos passar no castelo para pegar algumas coisas e verificar alguns documentos seus. Você ainda é um piloto sem licença, e eu quero manter minha ficha limpa.
— Ok, justo. — Ele apoiou a cabeça nos braços, com um sorriso preguiçoso. — Tenho que admitir… você é a primeira garota a me colocar contra a parede desse jeito. Gosto disso.
A doutora não respondeu de imediato, mas seus olhos se estreitaram levemente, como se a provocação dele a estivesse avaliando. Ela então soltou um suspiro, sem perder a compostura.
— É bom que você goste, porque você vai passar a maior parte da viagem tentando me impressionar — ela disse, com um tom sarcástico — Mas, para ser honesta, duvido que você consiga me surpreender muito.
— Você vai ver, doutora. Eu sou cheio de surpresas. — Ele sorriu, era claro que adorava desafios. — A propósito, qual é o seu nome mesmo? Se for pra trabalhar pra uma belezinha como você, eu preciso saber o nome da minha chefinha.
— Mina. — Ela respondeu, revirando os olhos para o flerte barato dele. — Apenas Mina.
— Nome bonito como a dona, mas prefiro doutora mesmo. Meu nome é Bello, a propósito.
— Me chame do que quiser, eu não ligo. — Ela bufou — Só descanse, sairemos ao amanhecer. Espero que esteja à altura do que promete.
— Ah, pode apostar, doutora. Você vai se perguntar como sobreviveu por tanto tempo sem mim por perto. — Ele respondeu, dando-lhe uma piscadela.
Mina apenas revirou os olhos e virou-se, indo em direção a gerência para alugar os quartos. Bello ficou parado, observando-a sumir pelos corredores do hotel, um leve sorriso surgindo em seu rosto.
— Mina, hein… — murmurou para si mesmo. — isso vai ser interessante.
Com as mãos nos bolsos e o troféu agora embaixo do seu braço, ele seguiu em direção aonde a jammboniana azulada havia ido, já pensando em como seria aquela tal missão. Ele não sabia exatamente no que estava se metendo… mas, por algum motivo, estava ansioso.
Chapter 6: Dizendo Sim ao Desconhecido
Summary:
Uma visita ao castelo antes da aventura. Mina tenta lidar com seu novo "companheiro" e uma face conhecida aparece.
Notes:
Mais um capítulo e finalmente poderemos começar o próximo arco.
Eu tinha feito uma arte pra esse capítulo, mas não sei ainda como mexer no AO3 (quando eu descobrir como adiciona essa nossa, eu coloco).
Enfim, aproveitem.
Chapter Text
O céu ainda estava escuro quando eles partiram.
Mina ouviu Bello resmungar enquanto pilotava em direção ao castelo. Presumiu que o piloto pimposo não era uma pessoa matinal como ela, já que, a cada sacudida da nave, ele soltava um palavrão baixinho. A cientista digitava tranquilamente em seu tablet enquanto o instruía sobre a direção a seguir, ao que o ruivo respondeu apenas com um:“Eu sei pra onde tô indo.” Ela soltou apenas um suspiro irritado, e a viagem seguiu em silêncio
Até que ele decidiu quebrá-lo.
— Então... por que você precisa de um piloto mesmo? — ele coçou uma das bochechas enquanto a outra mão segurava o manche. — Acho que você não chegou a mencionar isso quando me ameaçou me botar na cadeia.
Mina suspirou, desligando a tela do tablet.
— Meu mentor, Eldoro. — ela fez uma pausa. — Ele desapareceu há alguns anos. Quero descobrir o motivo.
O piloto arqueou uma sobrancelha, curioso.
— Eldoro... nunca ouvi falar. Então é uma missão de resgate? — ele lançou um olhar rápido para a azulada antes de voltar os olhos para o visor. — E eu achando que você era só uma cientista certinha querendo estudar uns grãos de poeira debaixo da cama.
— Eu sou uma “cientista certinha” — respondeu ela, cruzando os braços. — mas isso não me impede de procurar respostas. Ele foi a coisa mais próxima de uma família que eu tive. E simplesmente desapareceu sem deixar nenhum rastro. Isso não combina com ele.
O piloto ruivo desviou de alguns dodos do céu, enquanto ainda tinha os olhos no visor, ainda atento ao que ela dizia.
— Tá, entendi. Um cara importante, sumido misteriosamente, e você quer as respostas. — ele fez uma pausa. — Só não entendi por que você precisa de mim. Por que não pilotar sozinha?
— A Rainha me convenceu a levar alguém comigo. — ela revirou os olhos. — No começo, eu protestei, mas ela é bastante insistente quando o assunto é segurança. Além disso, nem sempre podemos contar com a tecnologia… e você demonstrou ser mais habilidoso do que qualquer máquina que eu pudesse inventar.
Bello abriu um sorriso convencido, inclinando a cabeça levemente para o lado.
— Olha só… então a doutora super séria admite que eu sou melhor que qualquer IA de navegação?
— Eu disse que demonstrou ser, não se empolga.
— Já é o suficiente pra alimentar o meu ego por uma semana inteira. — ele piscou para ela, o que a fez revirar os olhos. — Sabe, tô começando a achar que essa missão vai ser divertida.
— Não estamos indo em uma excursão, Bello. — a cientista bufou. — Vamos entrar em território perigoso, em busca de alguém que talvez nem esteja mais lá.
— É, mas se for tão sério assim, melhor ir com alguém que saiba pilotar com estilo. — ele jogou o cabelo para o lado. — E que saiba lidar com garotinhas rabugentas.
— Cientistas realistas. — corrigiu, estreitando os olhos para ele.
— Tá, tanto faz. — o ruivo riu. — Nossa, você devia rir mais, toda essa seriedade vai te dar rugas.
Mina não respondeu, apenas resmungou algo e ligou novamente o tablet. Um breve silêncio se formou entre eles, preenchido apenas pelo zumbido dos propulsores e os bipes do painel. O castelo de Jammbo já estava a vista no horizonte, com as bolhas músicais da fábrica de música saindo pela chaminé e refletindo os primeiros raios de sol.
— Estamos chegando — disse ela, mais para si mesma.
— Ótimo! — exclamou Bello, ajustando o rumo da nave. — Espero que tenha café. Toda essa correria me deu uma fome.
A nave pousou suavemente em frente ao Jardim Real. Assim que a escotilha se abriu, Mina sentiu o vento da manhã soprar em sua testa, trazendo o aroma doce das flores musicais. Observou o castelo à frente, imponente sob a luz dourada do amanhecer, e suspirou, pensando que aquela seria sua última noite ali.
Logo atrás dela, Bello desceu da nave, espreguiçando-se como um gato preguiçoso. Seus olhos vermelhos-rubi admiravam a arquitetura do lugar com um olhar curioso e impressionado.
— Ah… cheirinho de luxo. — comentou Bello, inspirando fundo. — O castelo de Jammbo é ainda mais incrível visto de perto.
— Guarde os elogios para depois, temos que falar com a Rainha. — resmungou Mina, já caminhando com passos apressados. — Ela provavelmente já está nos esperando.
— Tá bom, tá bom… — murmurou ele, ajustando sua jaqueta. — Mas se tiver um banquete de despedida, quero três pedaços de torta. Só pra constar.
A cientista apenas resmungou algo inaudível e o guiou até a sala do trono. Caminharam pelos corredores enquanto Bello tentava puxar conversa, mas Mina o ignorava, mais concentrada em digitar algo em seu tablet do que em conversar com o ruivo hiperativo.
— Nossa, você podia ao menos fingir que gosta da minha companhia. — comentou ele, com um meio sorriso. — Se vamos passar tanto tempo juntos no espaço, eu devia ao menos saber o que você gosta de tomar no café da manhã.
Mina não desviou os olhos da tela.
— Quando você conseguir passar cinco minutos sem fazer piada, talvez eu considere.
— Então nunca. Entendi. — ele deu de ombros. — Mas falando sério, esses corredores são enormes. Vocês correm maratonas por aqui?
— É um castelo, Bello. Não um ginásio. — respondeu Mina, em um tom desinteressado. — E sim, ele é grande. Assim dá tempo de pensar antes de falar bobagens.
— Engraçadinha. Você ensaiou essa?
A cientista abriu a boca para responder, quando um vulto rosado surgiu do nada e pulou em seu colo, quase derrubando-a no chão. Mina deu um passo para trás, tentando manter o equilíbrio, mas foi envolvida por um abraço apertado e inesperado.
— MIIINAAAAA!!! — gritou a voz animada da garota. — Você sumiu por uma semana inteira! Eu quase morri de saudade!
A jovem era pequena, com cabelos curtos e rosa-bebê, vestida com uma saia branca plissada e uma camiseta rosa da mesma cor de seus cabelos. Em seus braços, segurava firmemente uma boneca com uma coroa e um vestido verde, que parecia estar participando do reencontro tanto quanto ela.
Mina soltou um suspiro resignado, mas um leve sorriso surgiu em seu rosto.
— Não exagere Rita, você me viu no jantar dois dias atrás.
— Mas parece que foi há anos! — a menor retrucou, ainda agarrada no pescoço da cientista — Uma eternidade no tempo das amizades verdadeiras!
Bello, que vinha acompanhando tudo em silêncio, apenas observava a cena com um sorriso crescente e os braços cruzados, se divertindo com o contraste de personalidade entre as duas garotas. Foi então que Rita, ainda abraçada à amiga, desviou o olhar e finalmente notou o jammboniano ruivo parado ali. Seus olhos se arregalaram com curiosidade súbita, e ela soltou Mina como se tivesse descoberto algo importante.
— Quem é esse, Mina? — perguntou Rita, com um brilho malicioso no olhar. — Não me diga que o seu sumiço foi porque você finalmente arrumou um namorado!
Mina arregalou os olhos, pega de surpresa pela insinuação da garotinha rosa. Balançou as mãos rapidamente, tentando desfazer o mal-entendido.
— R-Rita, claro que não! Ele não é meu namorado! Ele é meu piloto! — tossiu, tentando se manter profissional. — Eu o contratei apenas para negócios.
Bello apenas sorriu de forma atrevida, colocando os braços atrás da cabeça.
— Ainda não, né? — provocou o ruivo, piscando para Rita com cumplicidade. — Mas se depender da sua torcida, quem sabe?
— Bello! — sibilou Mina, semicerrando os olhos. O jammboniano ruivo apenas gargalhou.
Rita não perdeu a chance de alimentar ainda mais a confusão, e o constrangimento da cientista azulada.
— Uau! Então é sério mesmo! — comentou, levantando as mãos em um gesto teatral. — Mina, você tem bom gosto pra pilotos! Ele é engraçado e tem um cabelo incrível!
— Ele é irritante e vive falando idiotices — resmungou Mina, cruzando os braços. — A propósito, você viu a Rainha? Preciso conversar com ela sobre uma licença provisória para ele.
— Ela ainda deve estar terminando o chá da manhã — respondeu a rosada com um aceno despreocupado. — Eu posso levar vocês até lá!
— Agradeço — disse a cientista, forçando um sorriso. Bello apenas a olhou com um sorriso vitorioso, como se tivesse finalmente conseguido quebrar a pose séria de Mina.
— Então, senhor Piloto-não-namorado, seu nome é Bello mesmo? — perguntou Rita, caminhando ao lado dele com a boneca nos braços.
— Sim, com dois Ls — respondeu ele, fazendo pose. — Significa "bonito" em algumas línguas.
— Combina! — disse ela, e então cochichou para a boneca — Viu, Princesa? Até a Mina tem esperanças...
— Eu posso te ouvir, Rita! — Mina revirou os olhos e apressou o passo. — Vamos logo, antes que eu me arrependa de ter voltado.
Com Rita guiando-os com passos saltitantes, o trio seguiu pelos corredores do castelo. Logo chegaram ao salão real, onde o Rei e a Rainha de Jammbo tomavam seu café da manhã. Assim que notou a presença deles, a Rainha interrompeu o gesto de levar a xícara aos lábios, e seus olhos se iluminaram de alívio ao ver que Mina estava bem. Ela se levantou com elegância e os saudou.
— Minha querida — disse a monarca, abrindo os braços e envolvendo a cientista em um abraço caloroso. — Fico imensamente aliviada em vê-la em segurança. Estávamos todos preocupados.
Mina correspondeu ao gesto com respeito e afeto, embora ainda mantivesse a postura firme.
— Estou bem, Rainha. E já encontrei um piloto. — Ela lançou um olhar de canto para Bello, que fez uma reverência exagerada, colocando a mão no peito.
— Bello, ao seu serviço, Majestade. — O piloto sorriu, com charme. — Piloto de confiança e ocasional gerador de sorrisos.
O Rei, que observava a cena com uma sobrancelha arqueada, soltou um leve riso.
— Hmmm… pelo menos ele parece ter personalidade.
— Você não faz ideia. — resmungou Mina entre os dentes. — Rainha, preciso de uma licença provisória de piloto. O casanova aqui ainda não tem uma.
A Rainha arqueou uma sobrancelha, intrigada com a solicitação da cientista.
— Contratou um piloto clandestino? Isso não soa como algo que você faria normalmente.
— Eu sei. Eu mesma estranhei ter tomado essa decisão… mas ele provou ser habilidoso. Nenhuma IA ou piloto treinado que analisei teve reflexos tão rápidos quanto os dele.
A Rainha a observou por um instante, como se estivesse medindo cada palavra da jammboniana azulada. Mina se enrijeceu sob o olhar da monarca, mas sua postura permanecia firme. Seus olhos cinzentos voltaram-se então para Bello, que continuava sorrindo com confiança, ou talvez insolência. Era difícil dizer.
— E você, meu jovem. Está disposto a aceitar a responsabilidade? — perguntou a monarca, com um tom gentil, mas firme. — Esta não será uma simples viagem.
— Não é como se eu tivesse escolha, de qualquer forma. — Ele respondeu, descontraído. — Além disso, eu não recuso um desafio.
A Rainha trocou um olhar breve com o Rei, que apenas assentiu com a cabeça, desinteressado, enquanto mastigava tranquilamente um biscoito em formato de estrela. Ela suspirou com a falta de interesse do marido e voltou seus olhos para Mina e Bello.
— Muito bem. — disse a monarca. — Farei com que providenciem a licença provisória ainda hoje. Ela terá validade limitada, mas será o suficiente para que possam deixar o planeta e iniciar sua busca.
— Obrigada, Rainha. — respondeu Mina, inclinando levemente a cabeça em sinal de respeito.
— Espero que saiba o que está fazendo, minha querida — disse a Rainha, com um sorriso suave. — Você cresceu muito, e confio em seu julgamento. Só peço que tome cuidado. Eldoro era alguém precioso para todos nós... mas você também é.
Mina hesitou por um momento, surpresa com a ternura nas palavras da monarca. Depois, assentiu com seriedade.
— Eu vou encontrá-lo. E vou voltar.
Bello se aproximou, passando o braço sobre os ombros dela, em parte solidário, em parte casual demais para o gosto de Mina.
— E com um piloto como eu, essa nave nem vai arranhar o casco.
— Não torne a missão mais difícil do que já é… — ela resmungou, retirando o braço dele dos ombros.
Rita, que até então estava em silêncio, ergueu a mão animada com a possibilidade de entrar em uma aventura.
— E eu posso ir junto?
— Não — responderam Mina, Bello e a Rainha em uníssono.
— Tsc… era só uma pergunta — a rosada resmungou, emburrada, abraçando sua boneca com mais força.
— Muito bem. Enquanto esperam, que tal passarem o resto do dia no castelo? — sugeriu a Rainha, em um tom maternal. — Vocês parecem exaustos depois da viagem. Sintam-se à vontade para descansar e se preparar para amanhã.
— Não preciso de muito, um banho quente e comida decente já me deixam novo. — disse Bello, estalando os ombros como se já se sentisse mais relaxado só com a ideia.
Mina apenas resmungou baixinho diante da insolência do piloto, os olhos semicerrados em advertência. Mas, em vez de iniciar uma discussão, limitou-se a suspirar e assentir levemente com a cabeça. Optou por aceitar o convite da Rainha, não apenas por educação, mas porque sabia que, a partir do dia seguinte, não teria mais o conforto e a segurança daqueles corredores familiares.
E pela primeira vez em anos, Mina se sentia incerta do que a aguardava no futuro.
Chapter 7: O Que Eu Procuro
Summary:
Finalmente o dia da partida chegou, embora Mina ainda tenha alguns conflitos em mente.
Notes:
O último capítulo do primeiro arco está feito! Agora podemos seguir com a parte interessante da história (eu acho).
Chapter Text
O restante do dia seguiu com Mina, contra sua vontade, mostrando o castelo a Bello, enquanto ele e Rita mantinham uma conversa calorosa sobre todos os tipos de dodos existentes em Jammbo. Mina revirava os olhos a cada flerte barato que o ruivo lançava em sua direção e aos olhares maliciosos de Rita, mantendo uma expressão de tédio estampada no rosto — embora por dentro lutasse para ignorar a presença constante e tagarela dos dois.
Enquanto guiava a dupla pelos corredores em direção aos aposentos designados para a noite, ela deixou sua mente se distanciar. Seus passos se tornaram mais lentos, e sua atenção se desviou por um instante para as grandes janelas circulares, que exibiam o céu colorido e sereno de Jammbo. As bolhas dançantes lá fora contrastavam com o turbilhão silencioso que tomava conta do seu peito.
Apesar das provocações de Bello e da tagarelice incansável de Rita, um canto da sua mente se voltava sempre ao mesmo pensamento.
Eldoro. A missão. Os riscos.
Ela sabia que poderia acabar voltando de mãos vazias, mas precisava tentar. Precisava entender. Eldoro não era apenas seu mentor. Para Mina, ele era o exemplo mais próximo de um verdadeiro gênio — alguém que a guiou, que acreditou nela quando ninguém mais o fez, que ajudou a moldar quem ela era. Ele era a razão de muitas das suas invenções, da sua sede por conhecimento e, acima de tudo, da sua coragem para explorar o universo.
Eldoro era sua referência. Seu norte. E o vazio deixado por sua ausência parecia ter rompido algo que Mina nem sabia que existia dentro dela.
Soltando um suspiro trêmulo, a cientista tentou focar na viagem que teria que fazer no dia seguinte e, assim, finalmente ver com seus próprios olhos o que realmente havia acontecido. Não iria parar agora — não quando, pela primeira vez, tinha tudo o que precisava para partir de Jammbo.
O coração acelerava só de pensar. A nave estava pronta. Ela tinha um piloto, questionável, mas habilidoso. Tinha autorização, e acima de tudo, tinha um ponto de partida.
Cid.
Um nome que ecoava em sua memória como uma sombra persistente. Cid fora um dos poucos colegas que Eldoro tratava como igual: um cientista excêntrico, recluso, com ideias grandiosas e uma ética... flexível. Mina se lembrava de tê-los visto juntos algumas vezes quando era mais nova, sempre em discussões animadas, rabiscando fórmulas no ar com os dedos, como se competissem para ver quem pensava mais rápido.Desde o desaparecimento de Eldoro, porém, Cid sumira dos radares, tanto quanto o próprio mestre.
Mas ela sabia por onde começar. Havia registros antigos das últimas pesquisas de Cid nos arquivos centrais de Jammbo, registros que ela vasculhara em segredo por meses. E uma delas apontava para um laboratório desativado em um cinturão de asteroides próximo ao planeta Mambo. Era um lugar perigoso, instável e ignorado pelas rotas comerciais.
E por isso mesmo, o esconderijo perfeito.
Mina parou em frente à porta dos aposentos que havia preparado para Bello. Ele ainda estava tagarelando sobre ganhar uma corrida com os olhos vendados enquanto comia uma torta de maçã-jelly, mas ao notar o silêncio dela, ergueu uma sobrancelha.
— Tudo bem aí, chefa?
Ela hesitou, depois respirou fundo.
— Amanhã seguiremos ao planeta Mambo, prepare-se. — disse, sem olhar para ele. — E tenta não bagunçar tudo, os dodos da rainha odeiam bagunça.
— Pode deixar, doutora. Nenhum asteroide vai nos deter, docinho.
— Se me chamar assim de novo, eu te jogo no primeiro que eu ver. — Ela resmungou, antes de se virar para ir embora.
Ela colocou a mão no peito. Seu coração batendo com mais força. Não pelo apelido. Mas porque, finalmente, ela estava prestes a sair de Jammbo. E talvez, só talvez, encontrar as respostas que tanto precisava.
A noite finalmente chegou ao pequeno planeta Jammbo.
No silêncio de seu quarto, Mina permanecia sentada à beira da cama, ainda com a roupa do dia, os cotovelos apoiados nos joelhos e os dedos entrelaçados em frente à boca. O quarto era simples, decorado com objetos que ela mesma projetara — luminárias que imitavam galáxias, um pequeno projetor de constelações e ferramentas organizadas em gavetas rentes à parede. O céu de Jammbo tingia o ambiente com um tom lilás suave através da janela circular.
Ela tentava não pensar demais. Mas a ansiedade pulsava. Cada vez que fechava os olhos, via o rosto de Eldoro — às vezes sorrindo, às vezes virando o rosto e desaparecendo na névoa das memórias.
Um leve toc toc na porta quebrou o silêncio. Antes que Mina pudesse responder, a porta se abriu com um rangido e uma voz doce soou:
— Mina, posso entrar?
Rita apareceu na porta, agora de pijama e segurando a Princesa como se a boneca também precisasse de permissão. Seus olhos rosados estavam voltados para a amiga mais velha, cheios de uma preocupação incomum para sua idade.
— Entra logo, já entrou mesmo. — Mina suspirou, tentando disfarçar sua insegurança com seu habitual tom prático.
Rita fechou a porta e se aproximou da cama da cientista, sentando-se com leveza ao seu lado. Por um momento, ficou balançando as perninhas no ar, pensativa, procurando uma forma de começar a conversa.
— Tá preocupada com o Eldoro, não é? — A menor disse com cuidado. Finalmente quebrando o silêncio.
Mina engoliu seco, surpresa com a precisão da pergunta. Ela demorou para responder.
— É… É mais complicado do que isso. — murmurou. — Ele era... importante. E ele desapareceu. Sem deixar rastros, sem se despedir. E agora, tudo que eu tenho são teorias, suposições e uma sensação de que ele… talvez nem esteja mais vivo.
Rita ficou em silêncio por um tempo. Depois, encostou a cabeça no ombro da cientista.
— Eu não lembro muito bem dele. Mas lembro de você sorrindo quando falava dele. Tipo quando a gente fala de dodos fofinhos.
Mina deu um riso fraco, quase involuntário. Rita podia ser jovem, mas ainda sim, tinha uma maturidade emocional muito maior que a dela.
— Ele foi o primeiro adulto que me levou a sério. Que achou que eu era mais do que uma criança brincando de inventar coisas. Ele dizia que eu via o universo com olhos que a maioria das pessoas não tinha. — Mina falou, a voz mais suave, quase se perdendo no silêncio do quarto.
Rita a encarou com um sorriso pequeno, mas cheio de sinceridade.
— Então ele ainda tá aí… em você, né?
Mina olhou para a pequena, surpresa com a maturidade naquelas palavras. Depois desviou o olhar, os olhos marejando discretamente.
— Talvez esteja. Mas, mesmo assim… eu preciso entender por que ele desapareceu. Se ele ainda… se importa.
A jammboniana rosa assentiu, com uma sabedoria rara para a idade.
— E você vai. Eu sei que vai. Eu e a Princesa estamos torcendo por você. E pelo seu piloto-não-namorado!
Mina apenas resmungou algo inaudível, mas um pequeno sorriso sincero surgiu em seu rosto. Rita tinha essa tendência de ser irritantemente reconfortante, como uma bolha rosa que te envolvia mesmo quando você não pedia.
— Obrigada, Rita. — disse ela, quase num sussurro.
A menor se levantou animada, como se tivesse cumprido uma missão importante.
— Agora tenta dormir, tá? Vocês vão precisar de toda a energia amanhã. Até mesmo o Bello. — disse com uma piscadela marota, antes de sair do quarto saltitando.
Mina ficou ali por alguns instantes, encarando a porta fechada. Depois olhou pela janela novamente, onde as bolhas músicais de Jammbo pareciam pulsar em silêncio, como um coração distante.
Ela ainda não tinha todas as respostas. Mas tinha um começo. E, agora, não estava mais sozinha.
O som suave de sinos distantes ecoava pelos corredores do castelo enquanto a primeira luz da manhã tingia o céu de Jammbo em tons de laranja e lilás. Bolhas flutuavam lentamente a partir do grande jardim central, subindo pelas janelas circulares como se acompanhassem o nascer do sol com reverência. Ao longe, os dodos já iniciavam seu trabalho matinal, mantendo a fábrica de música em pleno funcionamento.
Mina já estava de pé, ajustando o capacete sobre a cabeça, finalmente pronta para deixar o planeta. Parou diante do espelho, alisou cuidadosamente uma dobra teimosa no jaleco e apertou as correias do macacão azul. Seu olhar era firme, mas carregava o peso da partida iminente.
Hoje é o dia.
Com tudo pronto, seguiu pelos corredores do castelo até o salão principal, onde o café da manhã havia sido servido com elegância. Frutas esféricas e coloridas, torradas crocantes, pequenos sanduíches e chá fumegante de hortelã compunham a mesa. Mina se sentou em uma das cadeiras e começou a tomar seu café da manhã em silêncio.
— Bom dia, nerd mal-humorada — disse uma voz familiar e atrevida atrás dela.
Mina suspirou antes mesmo de se virar. Bello estava ali, com suas roupas habituais, ainda um pouco amassadas, como se tivesse dormido com elas. Os cabelos ruivos bagunçados como sempre, e os olhos brilhando de entusiasmo.
— Dormiu bem ou ficou sonhando comigo? — provocou ele, com um sorriso preguiçoso.
— Sonhei que você se perdia num buraco negro. Foi ótimo — respondeu Mina, pegando sua xícara de chá.
Rita apareceu em seguida, abraçando sua inseparável Princesa e bocejando, vestida com um casaco rosa por cima do pijama.
— Vocês dois já estão brigando antes mesmo de comer? Isso é um novo recorde?
Mina lançou um olhar cansado para os dois, mas não pôde evitar um leve sorriso no canto dos lábios. Era o dia da partida. E, apesar das incertezas, havia uma centelha de empolgação dentro dela — uma expectativa silenciosa pela jornada que estava prestes a começar.
Enquanto os três terminavam o café da manhã, um dodô da floresta entrou no salão, carregando na boca um pequeno sininho que tilintava suavemente a cada passo. Mina interpretou aquilo como um sinal da Rainha para que partissem em direção ao hangar do castelo. Ela assentiu em silêncio, deixando a xícara de chá de lado. Seu olhar percorreu por um instante a mesa ainda farta, as janelas circulares que mostravam o céu pastel de Jammbo… e, por fim, pousou em Bello e Rita.
— Vamos. — disse, erguendo-se.
No caminho até o hangar, nenhum dos três falou muito. Havia uma tensão leve no ar — não hostil, mas carregada de significado. Rita caminhava entre os dois, com sua Princesa apertada contra o peito, como se também sentisse a importância daquele momento.
No hangar real, a Rainha os aguardava diante da nave de Mina, já preparada e reluzente sob a forte luz do sol. O vento soprava suavemente, e algumas bolhas dançavam ao redor, colorindo o ar com reflexos cintilantes.
A Rainha sorriu ao vê-los se aproximar. Havia em seus olhos um brilho carinhoso, mas também um traço de melancolia discreta. Com sua postura serena, ela estendeu as mãos, como uma mãe prestes a se despedir dos filhos que partem para algo maior.
— Tudo está pronto — disse ela, em seu tom sempre suave. — A nave foi abastecida, e os coordenadores de voo já liberaram o espaço aéreo da cúpula. Vocês têm um céu limpo pela frente… e um universo a explorar.
Mina se aproximou da monarca e curvou levemente a cabeça, num gesto respeitoso.
— Obrigada, Majestade. Por tudo — disse, sua voz firme, mas carregada de gratidão genuína.
A Rainha tocou de leve o ombro da cientista e sorriu.
— Que você encontre o que procura, Mina. E que nunca se esqueça de onde veio.
Rita correu e abraçou a amiga com força. A cientista sorriu com o gesto da garotinha e retribuiu o abraço.
— Tem certeza de que eu não posso ir? Quem vai te defender das cantadas baratas do Bello?
— Ei! Achei que você tava do meu lado! — resmungou Bello, cruzando os braços e fingindo indignação.
— Eu tô do lado da Mina. Mas isso não quer dizer que eu não goste de você, seu bobo. — disse Rita, rindo, antes de mostrar a língua pra ele, como provocação.
Bello gemeu de brincadeira, inclinando-se até a altura dela.
— Essa pirralha é uma tirana em miniatura, sabia?
Mina apenas observava a cena com um sorriso contido. Era raro sentir esse tipo de leveza antes de uma missão. Mas ali, diante da Rainha, de Rita e de um Bello menos insuportável que o habitual, ela se permitiu um raro momento de tranquilidade.
— Cuidem bem dela, Majestade. — disse Mina, dirigindo-se à Rainha com um último olhar à menina.
— Sempre. E vocês… cuidem uns dos outros.
Com um último aceno e corações apertados, Mina e Bello embarcaram na nave. A escotilha se fechou suavemente, abafando os sons do lado de fora. Lá dentro, os sistemas zumbiam com vida.
— Pronta, doutora? — perguntou Bello, ocupando o assento do copiloto com um sorriso mais sereno que o habitual.
Mina respirou fundo, os olhos fixos nos painéis de controle.
— Pronta.
E então, com um leve tremor, a Hiperba ergueu voo, deixando para trás as bolhas flutuantes, a atmosfera multi-craterada de Jammbo… e os laços que os fariam querer voltar.
Chapter 8: Um Grão de Areia no Infinito
Summary:
A viagem começa, mas parece que alguém entra nela sem ser convidado.
Chapter Text
A nave cortava o espaço como uma flecha serena. As estrelas pareciam borrões, enquanto a Hiperba deslizava pelo hiperespaço. Do cockpit, Mina observava o planeta se afastar rapidamente — agora parecia tão pequeno quanto um grão de arroz. As bolhas, a fábrica de música, os jardins harmônicos... tudo diminuía em tamanho, mas não em importância. Ela apertou o tablet com mais força por um instante, sentindo o peso silencioso da decisão.
Agora, não havia mais como voltar.
— Primeira vez deixando o lar, hein? — comentou Bello, quebrando o silêncio que pairava entre os dois desde a decolagem.
Mina não respondeu de imediato. Seus olhos ainda estavam fixos na projeção diante dela, onde o planeta Jammbo agora não passava de um ponto luminoso no meio da vastidão. Respirou fundo.
— É. — murmurou, por fim. — De verdade, sim.
Bello se recostou na cadeira do piloto, com as mãos atrás na cabeça. Os olhos vermelhos-rubi, estudando-a com uma curiosidade mais quieta do que o habitual.
— Dá uma pontada esquisita, né? — disse ele, desta vez num tom quase compreensivo. — Como se o peito ficasse meio oco... mas também cheio demais.
Mina ergueu uma sobrancelha, surpresa com a sinceridade incomum do comentário. Ela virou-se em sua direção, desconfiada.
— Isso foi... poeticamente específico vindo de você.
— Pois é, às vezes eu tenho meus momentos de profundidade. — respondeu ele, sorrindo de lado. — Eles duram uns cinco minutos e depois evaporam. Aproveita.
A cientista soltou um suspiro, que quase soou como uma risada. Não era bem humor, mas um alívio tênue, como se por um segundo não precisasse manter a fachada estóica e rígida que ela tinha.
— A verdade é que eu não faço ideia do que vou encontrar. — Mina admitiu, olhando para as luzes que passavam pela nave como traços de tinta em uma tela. — Só tenho perguntas... e um velho nome na memória.
— O velho Cid, né? — Bello se ajeitou. — Você acha que ele sabe o que aconteceu com o tal Eldoro?
— Se alguém souber... é ele. — Mina ficou em silêncio por um momento. — Eles eram próximos. Trabalharam juntos por um tempo, e eu lembro de vê-los discutindo teorias até tarde. Sempre achei que ele não gostava de mim, mas o Eldoro dizia que era só o jeito dele.
— Talvez ele esteja só esperando a chance de te ver de novo... pra te dizer algo importante.
Mina virou o rosto para ele, encarando-o por um momento.
— Você tá esquisito hoje. Comeu alguma coisa estragada?
O jammboniano ruivo deu de ombros.
— Talvez porque sei que essa viagem não vai ser simples. E... sei lá. Você parece precisar disso agora. Eu só tô tentando ser legal.
Ela desviou o olhar novamente, mas o silêncio que se seguiu não foi desconfortável. Mina ainda estava desconfiada quanto ao piloto narcisista, mas vê-lo ser tão honesto e respeitoso a fazia pensar que, talvez, ele não fosse uma pessoa tão ruim assim.
— Mas não se acostuma, tá? — Bello completou, com um sorriso de canto. — Minha cota de sensibilidade foi gasta pelos próximos dois meses.
Mina soltou um suspiro e apoiou o rosto em uma das mãos, voltando a encarar os controles da nave com um olhar exausto.
— Por que eu não tô impressionada? — murmurou, sem esconder a ironia na voz.
— Ué, você tava começando a sentir minha falta, confessa! — ele provocou, reclinando a cadeira como se estivesse na sala de casa.
— Senti falta do silêncio. Ele tinha personalidade. — ela rebateu, seca.
— Bom, agora ele vai ter que dividir espaço comigo. E com meu charme natural, claro.
Mina apenas resmungou algo ininteligível, mas, no fundo, havia uma pequena parte dela que se sentia levemente aliviada por ele continuar sendo... ele. Mesmo que irritante.
Foi então que ela ouviu uma risada baixa, mas não vinha de Bello.
Ela franziu o cenho e se levantou da cadeira do copiloto. A risada era infantil demais para ser um invasor ou um dodo. Quase como se ela fosse familiar.
— Você ouviu isso? — A cientista perguntou, já se aproximando de um dos compartimentos de carga.
— Se for um dos seus protótipos, eu juro que foi sem querer. — O piloto respondeu, erguendo as mãos em rendição.
Mas antes que ela pudesse responder, uma vozinha ecoou de dentro de um armário de suprimentos, abafada por um tecido.
— Ai... Princesa, acho que a turbulência bagunçou meu penteado.
Mina arregalou os olhos.
— Rita?!
A porta do compartimento se abriu com um rangido, e lá estava a garotinha rosa, encolhida entre cobertores — com uma mochila nas costas e a boneca Princesa nos braços. Ela sorriu, envergonhada, mas cheia de determinação.
— Surpresa! Hehe…
— Você enlouqueceu??? — exclamou Mina, a voz oscilando entre choque e frustração. — Como entrou aqui?!
— Bem… eu usei uma das saídas de emergência enquanto vocês estavam distraídos entrando na nave. — respondeu Rita, como se fosse óbvio. — Na minha cabeça parecia bem mais complicado… mas acabou sendo fácil! Ninguém percebeu até agora.
Bello soltou uma risada alta, claramente se divertindo com o caos.
— A pirralha tem estilo. Isso foi impressionante… e um pouquinho assustador.
— Não encoraja ela, Bello! — Mina o repreendeu, dando um tapa no braço dele.
Rita apenas sorriu inocentemente, enquanto tirava alguns fiapos da boneca de pano. Mina gemeu, agora lidando com mais um problema inesperado na viagem.
— Rita, você não podia... isso é perigoso! — disse, colocando as mãos nos quadris, claramente desapontada. — Você devia ter ficado com a Rainha e o Rei!
— Eu sei. Mas você precisa de mim. E da Princesa. — murmurou a jammboniana rosa, abraçando a boneca com força. — E eu... também iria sentir sua falta.
Mina passou a mão no rosto, respirando fundo. Ela sabia o quanto Rita era apegada a ela. Praticamente a via como uma irmã mais velha, e, por muito tempo, sua única amiga. Desde que saíra do orfanato e passara a viver no castelo, Mina era tudo o que Rita conhecia de estabilidade. A cientista permaneceu em silêncio por alguns segundos, olhando para a menina encolhida entre os cobertores. Podia ver o esforço que Rita fizera para estar ali, e também o medo escondido atrás daquele sorriso corajoso. Ela suspirou, sentando-se devagar em um dos bancos alí perto.
— Você entende que isso não é uma aventura qualquer, certo? — disse, com um tom mais calmo. — A gente vai entrar em territórios desconhecidos. Não vai ter bolhas musicais nem chá da tarde para onde estamos indo.
Rita assentiu devagar.
— Eu sei. Mas se for com você… eu dou um jeito. Eu sou forte. E a Princesa também.
— Qual é, doutora, a pirralha tem atitude! — Bello se intrometeu na conversa. — Conseguiu entrar aqui sem que ninguém percebesse. Bem mais útil do que aqueles seus protótipos que, obviamente, eu não mexi.
— Ainda tô considerando te jogar em um horizonte de eventos de algum buraco negro… — a cientista ameaçou.
— É por isso que eu durmo com um olho aberto. — o piloto piscou.
Mina suspirou de novo, longa e pesadamente, olhando de Rita para o painel da nave. O certo, o mais lógico, o mais responsável, seria dar meia-volta e deixá-la com os reis em Jammbo. Estaria segura, longe de problemas. Mas... perder dias preciosos de viagem, correr o risco de chamar atenção ou, pior ainda, traumatizar de vez a garota, arrancando-a à força da da nave?
Ela sabia que convencer Rita a ficar em Jammbo teria sido mais difícil que construir uma nave sozinha com creme dental e sucata. A menina agora estava decidida e quando Rita decidia algo, nem um exército inteiro de dodos seria capaz de fazê-la mudar de ideia.
A jammboniana rosa a encarava com olhos arregalados e brilhantes, como um filhote de cachorro esquecido na mudança, abraçada à sua boneca Princesa como se fosse um escudo emocional. E pra piorar, Bello se juntou à cena, do jeito mais dramático possível, encostando-se na lateral do armário, com aquele olhar teatral de galã de novela barata.
— Ela prometeu que vai ser útil! — disse ele, como se fosse um advogado de defesa. — E olha essa carinha! Você quer mesmo dizer "não" pra isso?
Mina bufou, cruzando os braços. Era uma engenheira de renome, construtora de naves, cientista e estrategista. Mas naquele momento, estava sendo derrotada por um olhar de cachorrinho triste... em dose dupla.
— Tudo bem… — Ela disse, finalmente. — mas vai ter regras, muitas.
Rita sorriu como se tivesse acabado de ganhar um prêmio, jogando os braços para o alto com a boneca junto. Ela e Bello se cumprimentaram com um hi-five, cúmplices de um crime bem-sucedido.
— Sim! A Princesa prometeu se comportar!
— Ela, talvez. Você, duvido. — Mina murmurou, cruzando os braços.
— Já que tá decidido… — Bello se virou, indo em direção às cabines. — vou preparar mais uma cama no compartimento de descanso. E esconder a chave da geladeira, por via das dúvidas.
Enquanto ele saía, rindo, Mina olhou mais uma vez para Rita, que já se ajeitava como se estivesse em casa.
O universo podia ser vasto e incerto, mas, com aqueles dois a bordo... ela sabia que teria uma enxaqueca daquelas, mas também sabia que não estaria sozinha.
Horas se passaram… ou talvez não, já que a percepção de tempo no espaço é relativa.
Mina respirou fundo, ajustando os controles enquanto Rita tagarelava animadamente sobre como a Princesa queria decorar seu compartimento com estrelas falsas e adesivos brilhantes. A cientista apenas balançou a cabeça com um meio sorriso, puxando o painel holográfico à sua frente.
— Tá bom, Mina. Hora de fazer algo útil. Vamos traçar uma rota até Mambo. — disse, digitando rapidamente as coordenadas no sistema de navegação. — Se a gente sair agora da corrente principal do hiperespaço, pode pegar o fluxo 8B direto para a galáxia de Grunmor. Não é o caminho mais rápido, mas é mais seguro com três a bordo…
Foi então que um alerta suave, mas insistente, soou no painel. Um feixe de luz vermelha piscou no canto da tela, destacando algo fora do curso planejado.
— Anomalia gravitacional detectada… hmmm? — Mina leu em voz baixa, arqueando as sobrancelhas.
Ela ampliou a visualização. No mapa estelar, um pequeno planetóide girava lentamente, envolto por uma assinatura energética incomum. Não fazia parte de nenhuma rota conhecida, nem aparecia nos registros da federação estelar. Apenas... estava ali. Solitário, mas emitindo impulsos eletromagnéticos em padrões irregulares, como um chamado.
Era quase como se tivesse surgido ali, naquele exato instante.
— Estranho… esse planetóide não deveria estar ali — murmurou Mina, apertando os olhos para a tela.
Ela digitou alguns comandos em seu tablet, conectando-se ao sistema da Hiperba. Logo, os scanners iniciaram uma varredura rápida do pequeno corpo celeste. Linhas de dados se formaram na tela, revelando composições minerais incomuns e flutuações de energia que os sensores não conseguiam identificar com precisão.
— Sem registros cartográficos… gravidade instável... e tem um campo eletromagnético pulsante ao redor. — ela disse, mais para si mesma. — Isso definitivamente não é natural.
Bello se inclinou por cima do ombro dela, mastigando a maçã com um ar curioso.
— Parece amaldiçoado. A gente vai pousar, né?
— Eu não disse isso ainda.
— Mas você está com essa cara de “sou muito esperta e vou investigar mesmo sabendo que é uma péssima ideia”. — O piloto brincou, imitando a voz dela enquanto falava.
Mina ignorou o comentário, analisando os pulsos na tela. Havia um padrão nos sinais — não aleatórios, mas ritmados, como um código... ou uma mensagem.
— Tem algo lá dentro. — ela disse, se levantando. — Talvez uma instalação antiga... talvez alguém pedindo ajuda. Não sei. Mas eu preciso descobrir.
Rita arregalou os olhos, ainda abraçada à boneca.
— A gente vai mesmo? E se for uma armadilha? Ou pior… fantasmas espaciais!
— Prefiro fantasmas espaciais do que ouvir mais uma cantada do Bello. — retrucou Mina. — Segurem-se. Vamos sair do hiperespaço.
A Hiperba desacelerou suavemente, e as estrelas voltaram a se posicionar como pontos fixos ao redor da escuridão. À frente deles, o planetóide girava devagar, envolto por um halo esverdeado e pulsante que parecia... observar.
— Bem-vindos ao inesperado! — Mina saudou, com os olhos fixos na tela. — Vamos ver o que esse lugar está escondendo.
Chapter 9: Ruína no Vazio
Summary:
Mina e Bello decidem explorar o corpo celeste misterioso, apenas para desenterrar algo que não devia ser encontrado.
Chapter Text
A Hiperba se aproximou cautelosamente do planetóide elíptico, que ocupava boa parte da visão frontal. A superfície era irregular, coberta por crateras rasas e minerais metálicos que reluziam sob a luz distante de uma estrela próxima. Não havia sinais de atmosfera respirável, apenas o silêncio absoluto do vácuo e uma gravidade fraca e instável que fazia o corpo celeste oscilar levemente em sua rotação.
— Parece que não há nenhum registro de atmosfera detectada. — confirmou Mina. — Gravidade variável… isso não é normal. Alguma coisa está mantendo esse planetóide coeso por pura força de vontade.
Bello olhou para o monitor, franzindo a testa.
— Parece um lugar ótimo pra morrer congelado, despressurizado e esmagado por uma rocha flutuante. Qual parte a gente vai visitar primeiro?
— Guarde o seu sarcasmo pra depois. — rebateu Mina, ativando os protocolos de pouso. — Não dá pra aterrissar com segurança, então vamos usar os trajes e pairar com os propulsores magnéticos.
— Ah, ótimo, uma caminhada flutuante no inferno. Adoro.
— Você ainda pode ficar na nave. — disse a cientista, apertando um botão e logo olhou para Rita. — E você fica aqui. É sério. Isso não é seguro pra você.
Rita, sentada numa cadeira com a Princesa no colo, pareceu prestes a protestar, mas a expressão no rosto de Mina a fez recuar.
— Tá bom… mas vou vigiar vocês pelo visor da nave. E se algo acontecer, vou chamar reforços! Ou… sei lá, jogar uma corda no espaço.
— Boa garota. — disse Mina com um leve sorriso. — E você, palhação? Vai vir ou vai ficar aqui, com medo de algum vento estelar?
Bello bufou e estalou os dedos, como se estivesse se preparando para um grande espetáculo.
— Medo? Eu? Por favor. O espaço que devia ter medo de mim.
— Ótimo. Então se apresse antes que eu mude de ideia e te deixe amarrado na cadeira com a Rita. — respondeu Mina, já ajustando o capacete do traje espacial.
— Ei! Eu ouvi isso! — gritou Rita do fundo, erguendo a Princesa como se ela também estivesse indignada.
A cientista respirou fundo e esperou Bello terminar de resmungar enquanto colocava o traje espacial. Minutos depois, ambos estavam devidamente equipados: capacetes translúcidos, trajes selados com reservas de oxigênio, propulsores nas costas e pequenos estabilizadores nos braços e nas pernas.
— Abrindo a escotilha em 3… 2…
— Você não precisa ficar falando isso toda vez que a gente sair da nave… — resmungou Bello, revirando os olhos.
— É coisa de cientista, você não entenderia!
A escotilha se abriu com um leve chiado, liberando os dois para o vácuo do espaço. Uma fina camada de poeira metálica flutuava ao redor do planetóide, cintilando como purpurina cósmica.
— Ativando propulsores... — disse Mina, enquanto seus pés deixavam o chão da Hiperba. — mantenha formação comigo. E sem acrobacias.
— Ah, mas aí perde toda a graça... — respondeu Bello, mas obedeceu, flutuando logo atrás dela, braços e pernas ligeiramente abertos para manter o equilíbrio.
Com um impulso suave, Mina saiu primeiro, pairando levemente no espaço entre a Hiperba e o planetóide abaixo. A gravidade ali era como uma maré inconstante, puxando-os em direções erráticas, exigindo correções constantes dos propulsores. Cada movimento precisava ser calculado, mesmo os mais simples. O cenário ao redor era silencioso e assombroso. Blocos rochosos flutuavam lentamente ao redor do planetóide, como detritos congelados no tempo.
— Ali! — disse Mina, apontando para uma estrutura parcialmente enterrada entre duas formações rochosas curvas, como mandíbulas abertas. — Aquilo parece… uma entrada?
Bello se aproximou com cuidado, os propulsores chiando suavemente enquanto ele lutava para manter o equilíbrio em meio às variações do campo gravitacional. Seu traje tilintava com ajustes automáticos de pressão e orientação.
— Se for uma armadilha, pelo menos o cenário é bonito. — resmungou, observando a estrutura.
Parecia a entrada de um bunker, com poeira cósmica cobrindo a maior parte, mas ainda assim exibindo contornos geométricos precisos, como se tivesse sido talhada com máquinas de alta precisão. As bordas estavam desgastadas pelo tempo, ou talvez por impacto, mas o formato retangular da entrada permanecia reconhecível, meio enterrado entre duas placas de rocha metálica.
— É definitivamente artificial. — murmurou Mina, escaneando as bordas da entrada com seu scanner de bolso. — Há material composto aqui… algo entre liga de titânio e silício escuro. Antigo, mas resistente. Quase como as construções de nave-colônias da Segunda Era de Expansão Espacial.
— Então alguém passou por aqui antes de nós. — disse Bello. — Provavelmente com o mesmo mau gosto pra esconder portas.
Mina apertou alguns botões do scanner e começou uma varredura mais profunda.
Enquanto isso, Bello, visivelmente menos paciente, batia o pé ritmicamente contra o solo rochoso do planetóide. Cada impacto levantava pequenas nuvens de poeira metálica que pairavam no ar rarefeito, girando lentamente sob a influência da gravidade instável.
— Isso vai demorar muito? — perguntou, o tom meio impaciente, meio entediado.
Mina não respondeu de imediato. Estava concentrada em um pico de energia que aparecia e desaparecia nos gráficos, como uma pulsação fraca tentando ganhar força.
— Parece que tem algum tipo de energia ali dentro. — a jammboniana azulada finalmente disse, guardando o scanner no pulsol. — Talvez um centro de pesquisas abandonado, ou algum observatório. Mas tenho certeza de que já estiveram aqui antes de nós.
— Ótimo, porque um centro de pesquisa abandonado no meio do nada é algo que totalmente está na minha lista de “lugares que eu provavelmente quero passar férias”. — indagou Bello, sarcasticamente.
A jammboniana azulada revirou os olhos e começou a girar a válvula da escotilha. Em poucos minutos, a porta se abriu silenciosamente, liberando uma nuvem de poeira antiga para o espaço ao redor.
— Pronto. — disse ela, ajustando uma pequena lanterna de bolso. — Mas deixa que eu vou na frente. Se houver armadilhas, prefiro ser eu a lidar com elas.
— Olha, que gentil da sua parte querer ser a primeira desintegrada. — murmurou Bello, ganhando um olhar atravessado da cientista.
Logo, ambos pularam no bunker e desceram as escadas metálicas e enferrujadas. Mina iluminou o caminho, observando a estrutura ao redor. Parecia abandonado, mas ainda surpreendentemente conservado. As paredes eram reforçadas com o que ela presumiu ser alguma liga metálica avançada, talvez projetada para resistir a impactos ou à passagem do tempo. Canos grossos atravessavam o teto, pingando algum tipo de líquido verde e viscoso que ela não conseguiu identificar. O ar tinha um cheiro metálico, mas o sistema de oxigênio do lugar parecia funcionar o suficiente para que ambos abrissem o capacete do traje espacial sem problemas.
— Incrível! Esse lugar parece ter sido construído pra durar séculos. — exclamou Mina, animada com a tecnologia robusta, mas ainda funcional. — Mesmo com a ferrugem, a estrutura parece estar firme o suficiente para não colapsar com a rotação irregular desse planetoide.
— Doutora, eu não tô afim de ouvir suas nerdices agora. — reclamou Bello, os olhos vermelhos em estado de alerta. — Esse lugar fede a encrenca. Literalmente.
Mina ignorou o comentário do ruivo e continuou seguindo pelos corredores do bunker. Logo, eles chegaram a uma sala maior, onde as mesas de trabalho estavam parcialmente cobertas de poeira, papéis deteriorados pelo tempo e caixas lacradas com símbolos de advertência. Havia algumas telas nas paredes, a maioria desligadas, mas uma delas piscava fracamente, como se tentasse reiniciar sem sucesso.
— Essa sala parece um antigo centro de comando. — comentou a cientista, aproximando-se da tela ativa. Ela conectou seu scanner ao painel e aguardou uma resposta do sistema.
O scanner de Mina emitiu um estalo suave ao estabelecer conexão com o sistema. Várias linhas de código embaralhado surgiram na tela, seguidas por um breve zumbido. Depois de alguns segundos, revelando o nome de um projeto arquivado que aquele centro de pesquisas abandonado estava estudando:
Projeto P: Acesso restrito.
— Bingo! — Mina sorriu, os olhos fixos na interface antiga. — Parece que encontramos algo importante.
— Projeto P? Tipo P de “Perigo Mortal”? Ou talvez “Por que ainda estamos aqui mesmo? — Bello comentou, totalmente desinteressado com que a cientista havia encontrado.
Mina revirou os olhos, mas manteve a atenção nos dados que começavam a se desenrolar. Ela tocou na tela e uma nova janela se abriu, revelando o título completo do projeto:
Projeto P: Fenômenos de Ruptura Espacial — Fendas Interdimensionais Controladas.
— Isso é... inacreditável… — sussurrou Mina. — Eles estavam tentando abrir portais entre dimensões paralelas.
— Claro que estavam… — resmungou Bello, brincando com um béquer vazio. — porque brincar de Deus sempre acaba super bem em histórias antigas de terror espacial.
— Eu posso viver sem o seu sarcasmo, sabia? — bufou Mina, abrindo outra pasta de arquivos.
Uma nova lista de registros surgiu na tela: Alguns arquivos de vídeos, relatórios técnicos, transcrições de experimentos e algumas mensagens internas. Mina percorreu rapidamente entre os títulos, até encontrar um chamado “Registro de ativação – Teste 07”.
— Esse parece ser o último teste antes da evacuação desse lugar. — A jammboniana azulada comentou, clicando para abrir o video. — Talvez agora saberemos o que realmente aconteceu aqui.
A tela piscou por alguns segundos, até que o vídeo finalmente foi carregado, revelando uma sala muito semelhante àquela em que estavam, só que ainda intacta. Um grupo de cientistas circulava uma máquina que Mina presumiu ser uma espécie de acelerador de partículas, coberta por cabos e emissores de energia.
A gravação mostrava o momento da ativação: a esfera central do acelerador girava lentamente, emitindo um zumbido agudo, até que uma fenda azulada se abriu no ar, como se rasgasse a própria realidade.
— Estabilizando... estabilizando... — dizia uma voz com urgência. — oscilação dentro dos parâmetros, mas há interferência no campo de contenção!
A imagem tremeu. No vídeo, as luzes da sala começaram a piscar, alarmes soaram, e a fenda começou a pulsar de maneira violenta e instável.
— Corte a energia! Agora! — gritou alguém fora do quadro.
Mas era tarde demais.
Uma onda de choque atravessou o holograma, lançando os cientistas ao chão. Em seguida, a imagem congelou por um instante e se desfez em estática, como se o próprio sistema recusasse mostrar o que vinha depois.
Mina e Bello ficaram imóveis, petrificados diante da tela.
— Uau, isso foi… intenso. — Bello finalmente disse, quebrando o silêncio que pairava pesado no ar.
Mas Mina mal o ouviu.
Seus olhos estavam fixos na imagem congelada que piscava por um segundo antes de desaparecer por completo. Porque, entre os cientistas derrubados pela onda de choque, havia um rosto que ela reconheceu de imediato.
Eldoro.
Mesmo em meio à confusão do vídeo, mesmo com a qualidade degradada da gravação, não havia dúvida. O jeito como ele se movia, os traços do rosto, a forma como analisava a fenda com um misto de fascínio e medo, era ele.
— Mina? — Bello a chamou, percebendo a expressão dela mudar. — O que foi?
— Era o Eldoro... — ela sussurrou, sem conseguir tirar os olhos da tela escura. — Ele estave aqui. Ele fazia parte do projeto.
— Espera, então você tá me dizendo que o velho esteve aqui? — disse o piloto, incrédulo. — Então toda essa viagem é uma perda de tempo? A gente tá indo atrás de um cara que já pode estar morto?
— Não… — Mina o corrigiu, com firmeza. — Os vídeos tem data de 12 anos atrás. Não bate com a data do desaparecimento de Eldoro.
— Então ele mentiu pra você esse tempo todo… — murmurou Bello, franzindo o cenho. — Ou estava tentando te proteger de alguma coisa.
Mina desviou o olhar, pensativa.
— Seja como for… agora eu preciso saber a verdade.
O piloto observou a expressão dela por um instante, com um olhar que Mina não conseguiu decifrar de imediato. Parecia algo entre compreensão e uma preocupação silenciosa, como se ele soubesse exatamente o que ela estava sentindo, mas não tivesse certeza de como confortá-la.
Bello não era do tipo que se aprofundava em conversas emocionais. Ela só o conhecia há alguns dias, e, nesse curto tempo, ele já havia provado ser impulsivo, sarcástico e exageradamente confiante. Mas também tinha algo nele, uma lealdade silenciosa, uma coragem genuína, que fazia Mina hesitar antes de descartá-lo como apenas mais um piloto convencido.
— Tá bom, vamos encontrar esse tal Cid, ele deve saber de algo sobre esse velho maluco. — disse o jammboniano ruivo, finalmente, dando um tapinha no ombro da cientista. — Mas já vou avisando: vou querer um aumento no meu salário.
— Você nem é pago. — Mina revirou os olhos, mas não conteve um pequeno sorriso nos lábios. — Mas obrigada… por entender.
— Nah, faz parte do meu manual de piloto ajudar moças cientistas em missões quase suicidas. — Bello respondeu com um sorriso maroto, levantando uma sobrancelha.
— Isso existe mesmo ou você acabou de inventar? — ela perguntou, arqueando uma sobrancelha.
— Existe sim. Capítulo 7: "Como parecer corajoso mesmo tremendo por dentro". — Ele deu uma piscadela, e Mina soltou uma risadinha contida, apesar do clima tenso.
Eles voltaram a focar na tela, vasculhando os arquivos antigos do bunker. As linhas de código e relatórios técnicos se misturavam com vídeos e registros que revelavam experiências cada vez mais arriscadas sobre as fendas dimensionais.
De repente, Mina parou, franzindo o cenho.
— Espera… — disse ela, os dedos deslizando rapidamente pelo painel — algo está se movendo ali, perto do corredor oeste.
Bello se virou imediatamente, os olhos vermelhos voltando para onde Mina havia apontado. A tela agora exibia um mapa digital do bunker, mostrando dois pontos próximos — que ele presumiu serem ele e Mina, e um terceiro ponto, isolado, que agora se movia livremente pelos corredores.
— Eu pensei que só a gente tinha descido aqui. — murmurou ele, a voz mais baixa do que o normal.
— Eu também. — A cientista respondeu, apertando o scanner com mais força. Ela ampliou mapa, tentando rastrear o caminho do intruso. — Mas seja o que for…não entrou aqui com a gente, já estava aqui dentro.
O ponto estranho continuava se movendo lentamente, como se estivesse explorando… ou pior: procurando algo.
— Pode ter sido a pirralha. — sugeriu Bello, apontando para a tela. — Ela não entrou de penetra na nave? Vai ver tá tentando pregar uma peça na gente.
— Eu conheço a Rita. — Mina respondeu, desligando o scanner do painel. — Ela nunca desceria aqui sozinha. E definitivamente não me desobedeceria só pra fazer uma pegadinha.
De repente, o ponto anômalo na tela parou de se mover, bem diante da porta do Setor 3, exatamente onde eles estavam.
— Seja o que for… acabou de nós encontrar. — sussurrou ela.
Nesse instante, as luzes do setor 3 piscaram bruscamente. Um som agudo, semelhante a um lamento metálico, ecoou pelo bunker, reverberando pelas paredes como se algo estivesse raspando garras contra o aço enferrujado.
Bello colocou a mão no coldre. Mina segurou a respiração.
A porta do Setor 3 rangeu.
E então… começou a se abrir.
Chapter 10: Dentro do Bunker
Summary:
Mina e Bello tentam escapar de uma criatura que eles não sabem de onde veio.
Chapter Text
A porta se abriu devagar, com um rangido prolongado que parecia arranhar cada nervo do corpo de ambos. O breu do corredor à frente era quase total, exceto por uma luz fraca que piscava no fundo, revelando formas distorcidas por sombras que dançavam pelas paredes.
Mina ergueu o scanner, na esperança de identificar quem, ou o que, estava naquele corredor escuro. O feixe infravermelho do aparelho fez uma breve varredura por alguns segundos, emitindo um zumbido baixo.
Então, a leitura surgiu na tela… e gelou o sangue da cientista.
Forma de vida não catalogada.
— Isso não é um bom sinal… — sussurrou Mina, dando um passo para trás sem desviar os olhos do visor.
— O que foi? — perguntou Bello, com a mão firme na empunhadura do blaster, os olhos semicerrados em direção à escuridão.
— O scanner não reconhece. Não está em nenhum banco de dados conhecido. Não é animal. Não é robô. Não é… nada que eu já tenha visto.
Bello não esperou por mais nenhuma palavra. Assim que viu a sombra se mover novamente no fundo do corredor, agarrou o braço de Mina com firmeza.
— Chega de ficar parada! Vem comigo!
— Espera, o scanner ainda está–
— Esquece essa merda de scanner e vem logo! — ele gritou, puxando-a com força.
Ele a arrastou em direção em direção a lateral da sala, perto dos monitores desligados, onde uma tampa circular enferrujada marcava o início de um dos antigos túneis de ventilação. Com a bota do traje espacial, o piloto forçou a tampa, que cedeu com um estalo alto e metálico.
A criatura emitiu um som gutural, algo entre um estalo e um rosnado abafado, amplificado pelas paredes metálicas do bunker. Um dos monitores explodiu em faíscas. A coisa estava perto.
— Anda, anda! — disse Bello, empurrando Mina pela abertura.
Ela engatinhou para dentro com dificuldade, o scanner pendurado no pulso. Ele veio logo atrás, puxando a tampa de volta assim que passou, abafando a luz e mergulhando ambos na escuridão abafada do túnel.
O som da respiração de ambos preenchia o espaço apertado.
— Você acha que “aquilo” nos viu? — o piloto sussurrou.
— Se não viu… ouviu. — Mina respondeu, tentando controlar o próprio fôlego. — A criatura se moveu direto pro Setor 3. Sabia onde estávamos.
— Ah, ótimo… — murmurou sarcasticamente o jammboniano ruivo. — porque enfrentar criaturas lovecraftianas não tá exatamente no meu currículo.
Eles continuaram se arrastando pelo túnel estreito, com Bello resmungando entre dentes sobre nunca mais pousar em outro planetoide tão cedo. Cada centímetro parecia mais difícil de atravessar, como se o ar ficasse mais pesado e denso quanto mais longe iam.
De repente, uma vibração leve percorreu o chão do duto.
Ambos congelaram.
— Sentiu isso? — murmurou Mina.
— Como se alguém, ou alguma coisa, estivesse andando bem atrás da gente? — Bello perguntou, os olhos vermelhos arregalados na penumbra. — Então sim, eu senti.
O som voltou, agora como batidas fortes e ritmadas contra o metal rígido da porta do túnel de ventilação, reverberando por todo o duto como tambores de um ritual sombrio.
BUM.
BUM.
BUM.
Mina parou por um segundo, olhando para trás com o rosto pálido e os olhos arregalados.
— Está tentando forçar a porta do túnel… — sussurrou.
— Isso é só um monstro tentando invadir um espaço minúsculo onde a gente mal consegue respirar. Tranquilo. — Bello murmurou de volta, tentando soar calmo, mas a voz falhou no final.
— O que quer que seja… não está só tentando entrar. — sussurrou Mina, o coração acelerado. — Está brincando conosco.
Bello soltou um palavrão baixinho e acelerou ainda mais.
À frente, avistaram uma pequena grade de saída, com parafusos enferrujados e a luz fraca de emergência piscando do outro lado.
— Ali! — apontou Mina, tirando uma espécie de canivete suíço do bolso do traje espacial. — Vou precisar de um tempinho pra desparafusar tudo.
— Doutora, tempo é o que a gente não tem! — ele guinchou, quando mais um impacto da criatura sacudiu o túnel.
Mina franziu a testa, mãos ágeis começando a trabalhar nos parafusos. O barulho do metal rangendo sob a força da criatura aumentava, e o som de algo pesado se arrastando pelo corredor parecia se aproximar a passos largos.
— Rápido, doutora! — Bello alertou, olhando para trás, os olhos vermelhos brilhando na penumbra.
De repente, um estrondo maior soou atrás deles, a grade do outro lado do túnel tremeu como se estivesse prestes a ceder.
— Quase lá! — Mina murmurou, com os dedos tremendo, enquanto um último parafuso soltava com um clique.
A grade cedeu. Eles se lançaram para fora, ofegantes, para encontrar-se em um corredor mal iluminado, mas, por enquanto, seguro.
— Corre! — Bello gritou, puxando Mina pelo braço, enquanto atrás deles o som de algo enorme e impiedoso reverberava pelo túnel.
Eles correram pelo corredor, as luzes de emergência lançando sombras tremeluzentes nas paredes gastas. O som pesado da criatura ainda ecoava atrás deles, misturado com o rangido de metal retorcido.
— Para onde a gente vai agora? — Mina perguntou, tentando recuperar o fôlego, mas sem desacelerar.
— Pra qualquer lugar longe daquele buraco! — Bello respondeu, com as mãos firmes no blaster.
De repente, uma porta lateral se abriu à sua frente, iluminada parcialmente pela luz fraca e amarelada do corredor.
— Vamos! — Bello puxou Mina para dentro do compartimento, fechando a porta com um estrondo metálico.
O compartimento era apertado, mal cabendo os dois juntos. As paredes metálicas estavam frias ao toque, e o ar tinha um cheiro pesado de óleo e mofo. Mina tentou se afastar um pouco, mas o espaço limitado a deixou praticamente encostada em Bello.
Por um instante, ficou um silêncio estranho entre eles, quebrado apenas pela respiração pesada dos dois.
— Espero que essa coisa seja alérgica à gelatina. — Bello sussurrou, tentando aliviar o clima tenso. — Porque não acho que carne jammboniana seja algo “fitness”.
Mina o encarou com uma sobrancelha arqueada, o rosto sério e sem esboçar um sorriso.
— Sério mesmo? — disse ela, em um tom tão seco que parecia derreter qualquer humor no ar.
— Que foi? Eu tô tentando não surtar aqui. Não é todo dia que eu sou perseguido por um bicho que parece ter vindo de alguma ficção de terror barata.
O silêncio voltou a tomar conta do compartimento apertado. O espaço entre eles parecia encolher a cada segundo, o ar ficando cada vez mais pesado, como se a pressão da criatura do lado de fora penetrasse pelas paredes metálicas.
Mina respirou fundo, tentando focar.
— Bello, precisamos pensar rápido. Se essa coisa nos achar, nossa sorte acaba aqui.
— Tá? E o que quer que eu faça? Um show de striptease para aquele bicho? — ele respondeu com sarcasmo, tentando aliviar o pânico que sentia.
— Não é hora das suas piadas idiotas! — Mina retrucou, a voz firme. — Precisamos encontrar uma forma de sair desse bunker sem sermos pegos, ou pelo menos atrasar ele.
— Ah, claro, porque eu sou o gênio da fuga aqui, né? — Bello cruzou os braços, puxando uma careta. — Talvez eu devesse começar a praticar meus passos de dança enquanto você opera esse seu troço de luzinha colorida.
— É um scanner da última geração! — Mina quase gritou, indignada.
— Scanner, luzinha, sei lá. Parece brinquedo de criança! — Bello zombou, cruzando os braços com ar de desafio.
— Pelo menos ele foi mais útil que a sua reclamação enquanto estávamos aqui!
— E eu tava certo! Olha aonde a gente veio parar agora? Sendo perseguidos por um... por um monstro saído direto de um pesadelo! — Bello exclamou, jogando as mãos para o alto, o máximo que o espaço apertado permitia.
— Se você tivesse me deixado terminar de escanear antes de sair correndo feito uma galinha sem cabeça, talvez soubéssemos o que ele é! — Mina retrucou, os olhos faiscando.
— Ah, me desculpa por te salvar de virar geleia em conserva, doutora. — O ruivo retrucou, sarcasticamente. — Talvez eu deixasse um pote de pasta de amendoim pra acompanhar!
— Seu babaca insuportável! — Mina resmungou, cruzando os braços com força.
— E você é uma mandona controladora! — Bello rebateu, abrindo um sorriso torto de provocação.
— Ah é? Pelo menos eu não sou um galãzinho idiota com complexo de herói que acha que é o centro do universo!
— E pelo menos eu não sou uma nerd chata que acha que tem doutorado em tudo, até em dar ordens!
— Nerd chata? Você devia é usar esse seu dente saliente pra roer os cabos da nave, seu castor estúpido de meia tigela!
— Castor!? — ele ofegou, ofendido. — Pelo menos meu senso de moda não parece o de uma velha! Quem escolhe suas roupas, hein? Algum C.AI. programado por uma vovozinha com catarata?
— Eu não fico penteando o cabelo com graxa achando que é gel de cabelo, seu tomate ambulante!
— Ah, que ótimo! Agora sou um legume! Falou a tábua de passar roupa com cheiro de solvente!
— Repete, vai! Repete se você tiver coragem! — ela ameaçou.
Ele ficou em silêncio por um momento dramático, antes de se inclinar para frente, com o rosto a poucos centímetros do dela.
— Tábua de passar roupa... — O piloto murmurou lentamente, um sorriso sádico se formando no rosto. — com cheiro de solvente.
Mina arregalou os olhos, completamente indignada.
— VOCÊ VAI VER QUEM É A TÁBUA DE PASSAR ROUPA AGORA! — rosnou, avançando em cima dele com as mãos na direção do pescoço, tentando esganá-lo no pouco espaço que tinham.
— AHHHHH! TÁ MALUCA? — Bello se encolheu, tentando se proteger, rindo nervosamente. — EU SOU DELICADO!
— Delicado é o cacete! Seu filho da–
Mas então, como se o próprio bunker quisesse lembrá-los de que não estavam sozinhos, um arranhado metálico cortou o ar, longo, lento… e muito, muito perto.
Ambos congelaram.
O som se repetiu. Algo estava se arrastando do lado de fora, bem próximo. Uma sombra cruzou a luz fraca que escapava por uma das frestas.
Sem pensar, os dois se entreolharam, e, por puro instinto, se abraçaram com força, como se o contato físico pudesse protegê-los do que quer que estivesse lá fora.
O silêncio se instalou, pesado e absoluto, quebrado apenas pelo som de suas respirações rápidas e trêmulas.
— Se a gente sair dessa… — sussurrou Bello, com o rosto encostado no dela. — ...você promete não me matar?
— Sem promessas… — respondeu Mina, tensa, mas sem soltá-lo.
O som do arranhado metálico cessou. Por um segundo, tudo ficou em um silêncio tão profundo que até o som dos batimentos cardíacos deles parecia ensurdecedor. Dentro do compartimento apertado, mal havia espaço para se mover. O calor do corpo um do outro era a única coisa que os impedia de congelar de medo.
Bello engoliu em seco, tentando não fazer nenhum som. A mão dele, que antes estava em torno da cintura de Mina, apertou com mais força, num reflexo involuntário.
Um tic-tic-tic começou. Como garras tamborilando o metal. Primeiro ritmadas. Depois, mais rápidas. Nervosas.
Mina fechou os olhos por um instante. O scanner ainda preso ao pulso dela emitiu um bip tão fraco quanto um sussurro, mas o suficiente para fazê-los prender o fôlego de novo.
Forma de vida não catalogada: proximidade crítica.
A sombra passou de novo. Mais próxima.
— Está tentando nos encontrar. — sussurrou Mina, quase sem mover os lábios. — Nossos gritos devem ter atraído aquilo pra cá.
— Tipo… como um predador? — Bello respondeu, tão baixo quanto um pensamento.
Mina não respondeu. Lentamente, ela soltou o piloto e se virou na direção da fresta da porta. O corredor ainda estava mal iluminado pela luz intermitente do teto, mergulhado em tons esverdeados e sombras densas, mas algo chamava sua atenção.
Havia uma movimentação sutil, quase imperceptível, no fim do corredor. Como se uma silhueta se arrastasse contra a parede, fundindo-se à escuridão como uma mancha viva.
Ela estreitou os olhos, tentando focar. Por um breve momento, viu algo refletir a luz fraca… dois pontos vermelhos. Como olhos. Observando. Parado.
Seu coração quase parou.
— Tem algo ali. — ela sussurrou, sem desviar o olhar. — Parado. Olhando pra cá.
Bello, que tentava se manter calmo apesar do aperto no peito, se inclinou devagar.
— Você tem certeza?
— Tenho. E não está se mexendo. Como se estivesse... esperando.
Eles se entreolharam. O silêncio que se seguiu foi mais aterrorizante do que qualquer som anterior.
E então, lentamente, a luz do corredor apagou. Por completo.
Tudo mergulhou em trevas.
O som da respiração voltou.
Muito mais próxima.
Chapter 11: Respire em Silêncio
Summary:
Algo se move no escuro, nossos heróis passam por uma situação apertada e Rita sendo Rita.
Chapter Text
O corredor mergulhou na escuridão total, e o silêncio foi quebrado apenas pelo som abafado da respiração de Mina e Bello, cada vez mais acelerada.
Então, um som arrastado, pesado e lento começou a se aproximar. A criatura caminhava bem em frente à porta onde estavam escondidos, mexendo o que Bello presumiu ser a cabeça, numa tentativa de descobrir exatamente onde eles estavam.
O piloto podia sentir o coração martelando no peito, as veias pulsando no pescoço, o suor frio escorrendo pelas têmporas. Em toda a sua vida e carreira como o “Trovão Vermelho”, nunca sentira tanta aflição e medo juntos, nem nas curvas mais mortais das corridas, nem quando o Vovô Dodo ficava zangado por causa da plantação de trevos musicais que ele destruiu por acidente.
Agora, preso naquele compartimento apertado, a adrenalina não ajudava a aliviar o pânico que apertava sua garganta.
Ele trocou um olhar com Mina, que permanecia imóvel, mas com os olhos fixos na fresta da porta, tensa como uma flecha pronta para disparar.
Cada som parecia amplificado, cada passo da criatura ecoava como um martelo contra seu peito.
Bello sentia a respiração falhar, as mãos começando a suar ainda mais, enquanto o silêncio entre eles era pesado demais para suportar. A sombra da criatura finalmente cruzou a frente da fresta da porta… e então, um bico curvo, escuro e reluzente passou lentamente pelo vão de visão.
O Jammboniano ruivo engoliu em seco, os olhos arregalados. Um som começou a escapar de sua garganta, uma mistura de susto e pânico que subia descontrolado, prestes a virar um grito.
Antes que escapasse, a mão de Mina se lançou rapidamente até a boca dele e o tapou com firmeza.
— Shhhhhh… — ela sussurrou, quase sem emitir som, seu rosto colado ao dele, a respiração trêmula.
Bello congelou.
A poucos centímetros de onde estavam, a sombra parou. O som do bico tocando o chão cessou. A criatura parecia… escutando.
O tempo se esticou como um elástico prestes a arrebentar. O piloto sentia seu próprio pulso latejar contra a mão de Mina. O calor do toque dela contrastava com o frio do pavor que o envolvia. Ele sentiu as bochechas corarem, não pelo contato, mas pela vergonha de quase entregar suas cabeças àquela besta interdimensional.
A criatura continuava parada diante da porta. O silêncio era tão absoluto que dava para ouvir o zumbido dos circuitos das luzes de emergência.
Mina mal respirava. O scanner pendurado no pulso tremia levemente com seu braço. A criatura pareceu farejar o ar, como se pudesse sentir o medo flutuando no ambiente abafado.
Um passo.
Outro.
Arrastado. Pesado. O som do metal rangendo sob suas garras voltou, cada batida ecoando direto nos ossos dos dois jovens.
Então... o som se afastou. Lentamente. Como uma tormenta recuando para o horizonte.
Eles não ousaram se mover por vários minutos. O suor escorria pelos rostos. Mina finalmente tirou a mão da boca de Bello, soltando um suspiro que nem percebeu que estava prendendo. Bello escorregou lentamente pela parede do compartimento, as pernas fraquejando sob o peso do medo e da adrenalina.
— Caralho… essa foi por pouco. — ele murmurou, ainda ofegante, os olhos fixos na porta como se ela pudesse explodir a qualquer momento.
Ele viu Mina abrir a porta lentamente, com a tensão visível nos ombros. Os olhos azuis dela vasculhavam o corredor à frente, atentos a qualquer sombra ou som fora do lugar. Quando percebeu que estava tudo limpo, ao menos por enquanto, ela soltou o ar com cuidado e se virou para ele.
— Vem. — disse em voz baixa, estendendo a mão.
Bello a segurou, e Mina o puxou com força controlada, ajudando-o a sair do compartimento estreito. Suas botas tocaram o chão metálico com um eco abafado. O corredor estava silencioso, agora iluminado apenas pela lanterna de bolso da cientista.
Eles caminharam colados à parede, com passos cuidadosos. Cada som, um estalo distante, o zumbido da eletricidade instável, fazia os dois se enrijecerem. O bunker, antes abandonado, agora parecia vivo... ou pior, assombrado.
— A gente precisa voltar pra nave. — sussurrou Mina.
— E deixar essa coisa solta por aí? — Bello retrucou, engolindo seco.
— Ou deixamos ela solta… ou a gente vira o jantar dela. Escolhe.
Bello não respondeu. Ele só apertou os punhos e continuou seguindo ao lado dela, como se cada passo os levasse direto para o próximo pesadelo.
Depois de mais alguns corredores sufocantes e curvas tomadas com o coração na garganta, finalmente avistaram o que tanto buscavam: a escotilha de saída.
Mina foi a primeira a ver, e apontou com os olhos arregalados.
— Ali! — sussurrou com urgência, acelerando os passos.
— Finalmente! — ele exclamou, aliviado, fazendo o mesmo que a cientista.
Ambos ativaram os capacetes de seus trajes e começaram a subir pela escada enferrujada, degrau por degrau, com os músculos tremendo de cansaço e adrenalina. A cada passo, deixavam para trás o cheiro de ferrugem, suor e medo preso naquele corredor metálico.
Bello foi o primeiro a sair por completo. Cambaleou um pouco e então se jogou no solo empoeirado, os braços abertos, como se quisesse abraçar a liberdade. A poeira fina se ergueu ao redor dele como uma pequena nuvem.
— Nunca mais. — murmurou ele, ainda deitado. — Nunca mais eu vou visitar uma pedra suspeita no espaço sem, no mínimo, três quilos de dinamite.
Mina subiu logo atrás e, sem perder tempo, puxou a escotilha com força, fazendo-a se fechar com um baque surdo. Depois disso, ela soltou um longo suspiro, sentando-se ao lado dele.
— É, talvez vir a um planetóide não catalogado não tenha sido uma boa ideia… — admitiu Mina, ainda ofegante.
— Ah, não diga!? — Bello revirou os olhos, o sarcasmo pingando da voz. — Eu disse que esse lugar cheirava a encrenca! Mas não, você com seu “vamos investigar, pode ser uma descoberta científica revolucionária”…
— E poderia ter sido! — ela rebateu, limpando a poeira do visor. — Se não tivesse um pesadelo ambulante morando nos porões!
— Pois da próxima vez que ouvir “forma de vida não catalogada”, eu vou catalogar isso como “vaza imediatamente”!
Eles se encararam por um instante, ofegantes, tensos… até que ambos caíram na gargalhada, um riso nervoso, meio trêmulo, que deixava escapar o alívio de estarem vivos.
— A gente precisa voltar pra nave. — disse Mina, finalmente.
— Concordo. E tomar um banho, com sais de banho, pra tirar o cheiro de ferrugem e desespero da minha pele. E talvez, só talvez, dormir por uma semana.
Os dois se levantaram do solo empoeirado do planetóide e, com o impulso dos trajes, flutuaram lentamente em direção à nave. O céu acima era apenas o vácuo do espaço, salpicado de estrelas distantes, silencioso demais para o que haviam acabado de viver.
Bello lançou um último olhar por cima do ombro, os olhos estreitados em direção à escotilha recém-fechada, como se ainda esperasse ver a criatura surgir das sombras.
— Você acha que… aquela coisa saiu de onde aqueles cientistas estavam mexendo? — ele perguntou, a voz abafada pelo comunicador. — Antes da máquina explodir?
Mina hesitou antes de responder, os olhos fixos na rampa da nave que se abria lentamente.
— Faz sentido. Se aquilo era algum tipo de portal, ou reator interdimensional... eles podem ter trazido algo de outro lugar. Algo que não deveria estar aqui.
— Parabéns pra eles. Libertaram o pesadelo e viraram ração de monstro. — resmungou Bello. — E a gente quase foi o prato principal.
— Só quase. — Mina o encarou com um sorriso cansado. — Graças ao seu “instinto de galinha sem cabeça”.
— Ei! Esse instinto salvou nossas vidas, lembra? — ele rebateu com orgulho fingido.
Ambos subiram a rampa da nave, que se fechou com um estalo firme atrás deles. Do lado de dentro, o silêncio era reconfortante, nenhum som metálico, nenhum bicho indescritível, apenas o zumbido suave dos sistemas internos e o cheiro familiar da nave.
— Vamos seguir viagem e encontrar o Cid. — Mina comentou, a determinação voltando à voz, mesmo depois do susto no bunker. — Ele tem muita coisa pra me responder.
Bello assentiu silenciosamente, e ambos seguiram até a ala central da nave de Mina. Ao entrarem, ele notou que Rita os esperava ali, sentada no sofá com a Princesa no colo e uma expressão de tédio estampada no rosto, até que olhou para eles. Seus olhos se arregalaram, e a careta que fez beirava o nojo.
— Vocês estão horríveis! — exclamou. — Parecem que foram atropelados por um ônibus espacial… duas vezes!
— Acredite. — resmungou Bello, desabando ao lado dela no sofá. — Ser atropelado por um ônibus teria sido uma experiência bem mais agradável do que aquele bunker.
Rita olhou de um para o outro com uma sobrancelha arqueada.
— Vocês pelo menos pegaram alguma coisa útil lá? Ou foi só passeio em parque de horrores?
— Descobrimos que abrir portais interdimensionais sem saber o que tem do outro lado ainda é uma péssima ideia. — respondeu Mina, tirando o capacete e ajeitando os cabelos suados.
— E que algumas criaturas deviam continuar trancadas pra sempre. — completou Bello, dramático, apoiando o braço na testa como se desmaiando.
— E eu achando que tava entediada por não ter sinal pra assistir meus desenhos... — ela disse, cruzando os braços. — Vocês podiam ter me levado! Princesa ia dar um jeito nesse bicho aí rapidinho, né Princesa?
Ela balançou a boneca, que sorria eternamente com a mesma expressão feliz de sempre.
— Ótimo. A gente quase virou almoço de uma criatura lorecraftiana, e a solução era uma boneca assassina. — Bello murmurou, sarcasticamente. — Tô salvo.
— Vocês dois são dramáticos. — Rita disse, revirando os olhos. — Aposto que era só um rato de laboratório feioso.
Mina apenas lançou um olhar cansado por cima do ombro.
— Era um monstro interdimensional que nem a ciência contemporânea saberia como descrever, Rita.
— Tá, tá… Mas ainda acho que Princesa teria dado um jeito.
A nave seguiu seu curso silenciosamente pelo vazio do espaço, com os três ocupando a área principal da Hiperba: uma engenheira exausta, um piloto traumatizado e uma menina de doze anos que acreditava que sua boneca era invencível.
Mas o que eles não perceberam foi que, assim que a nave entrou no hiperespaço e sumiu entre os brilhos distorcidos das estrelas, o planetoide atrás deles oscilou levemente, como se estivesse vibrando em silêncio, envolto por uma onda invisível de estática.
Então, sem aviso, ele simplesmente desapareceu.
Não houve explosão. Não houve som. Só o vazio.
Como se jamais tivesse existido. Como se o espaço em si tivesse apagado sua presença, engolindo o que quer que estivesse escondido em suas profundezas.
E, nas camadas esquecidas da realidade, algo... despertava…
Chapter 12: O Sorriso que Esconde o Peso
Summary:
Apenas mais um dia comum na Hiperba, antes de finalmente chegarem ao seu destino.
Chapter Text
Alguns dias jammbonianos se passaram desde o incidente no bunker.
O clima era agradável e silencioso (às vezes interrompido por uma das brigas diárias entre Bello e Mina sobre quem deveria limpar a sala de máquinas). A Hiperba navegava tranquila pelo espaço, envolta por um brilho suave vindo de uma nebulosa próxima. Dentro da nave, o cotidiano seguia seu curso peculiar.
— Eu já limpei ontem! — reclamou Belo, esticando os pés em cima da mesa de controle como se estivesse de férias. — Nem ferrando vou sujar minha jaqueta de graxa. Você tem ideia de como é difícil tirar esse troço do tecido?
— Você só varreu o chão e ficou se olhando na lataria por duas horas! — retrucou Mina, com a expressão exausta de quem já viu demais.
— Não tenho culpa se o reflexo me deixava gostoso.
— Autoestima de um meteoro em chamas, parabéns. — disse Mina, empurrando um balde em direção a ele com o pé.
— Eu tenho mãos de piloto! Delicadas, sensíveis, praticamente obras de arte.
— Mãos de preguiçoso, isso sim.
Bello fez uma careta ofendida, como se tivesse levado uma facada nas costas.
— Você sabe o que essas mãos já fizeram? Já pilotei por entre labaredas de plasma, domei um dodo azul gigante com elas amarradas nas costas... e... uma vez peguei uma mosca no ar com hashis!
— Uau, você tem um currículo impressionante… — ironizou a cientista, cruzando os braços. — E ainda assim não consegue pegar uma vassoura.
Rita observava os dois com uma expressão entediada, deitada de barriga para baixo no sofá da sala principal, enquanto mexia no seu smartphone rosa com glitter. Já estava completamente acostumada com a briga diária de Bello e Mina, tanto que tinha criado um placar virtual de vitórias imaginárias entre os dois. Até agora, Mina liderava com folga.
— Vocês podiam pelo menos variar a discussão. — disse ela sem tirar os olhos da tela. — Ontem foi sobre quem sujou a cozinha. Antes de ontem, quem usou a última cápsula de banho de bolhas. Amanhã, vai ser o quê? Guerra pelo último biscoito?
— Eu marquei aquele biscoito com meu nome! — rebateu Bello, indignado.
— Você literalmente escreveu "Bello" com glacê vermelho em cima. — respondeu Mina. — E ainda ficou feio.
— Oh, sinto muito se minha caligrafia não lhe agrada, doutora. — retrucou o piloto com sarcasmo, fazendo uma reverência teatral.
— Sua letra parece que um verme com jetpack teve um colapso nervoso em cima do biscoito. — disse Mina, colocando uma flanela no ombro.
Rita suspirou, com a serenidade de quem já tinha aceitado o caos como estilo de vida.
— A Princesa deu nota 3.5 pro biscoito. Dois pela cobertura, mais um e meio pela tentativa de assinatura artística. — disse, mostrando a boneca como se ela tivesse participado da avaliação.
— Pelo menos alguém me respeita nessa nave! — Bello apontou dramaticamente para a boneca.
— A Princesa também achou que tava um pouco seco. — completou Rita, séria. — Mas ela não queria ferir seus sentimentos.
— Isso é porque ela é uma verdadeira dama. Ao contrário de certas engenheiras. — respondeu Bello, lançando um olhar de canto para Mina.
— E ainda assim ela tem mais noção do que você. — disse Mina, já com uma chave inglesa na mão, sem nem olhar pra ele.
Rita soltou outro suspiro, vendo que os dois estavam prestes a recomeçar. Ela já sabia o padrão: troca de farpas, provocações e, no fim, algum desastre menor causado por um dos dois.
Apesar das brigas constantes, Rita sabia que eles já se consideravam amigos. Amigos do tipo que discutem mais do que concordam, mas que se jogariam num buraco negro um pelo outro se precisasse, embora provavelmente reclamassem disso o caminho inteiro.
Ela olhou para sua boneca.
— Aposto um pacote de marshmallows que em menos de cinco minutos eles derrubam alguma coisa — murmurou para a Princesa.
A boneca, como sempre, manteve seu olhar fixo e julgado.
De repente, um barulho metálico ecoou pelo corredor.
CLANG!
— ...Você chutou minha caixa de ferramentas?! — gritou Mina, correndo em direção ao som.
— Ela tava no meio do caminho! Podia ter causado um acidente! — retrucou Bello do outro lado, com a voz de quem claramente era o causador do acidente.
— A SUA CARA é um acidente! — gritou Mina, já apontando a chave inglesa para ele, com intenções nada pacíficas.
Rita então desligou calmamente a tela do smartphone e saiu do sofá devagar, com a expressão serena de quem já assistiu esse episódio mil vezes.
— Vou pegar o kit de primeiros socorros. Só por precaução.
A próxima coisa que ela ouviu foi um barulho seco de algo sendo arremessado no chão, seguido de um gemido dramático do piloto.
— AI, O MEU BAÇO!
— VOCÊ NEM SABE ONDE ELE FICA! — retrucou Mina, furiosa.
— Sei sim! Fica... em algum lugar da barriga! Perto do pâncreas ou... do umbigo? Não importa! Estou ferido!
“Pelo visto, vou precisar de mais um kit”, pensou Rita, já indo em direção à enfermaria da Hiperba com um suspiro arrastado.
Depois do “Show de violência gratuita” que Mina deu em Bello, os três estavam sentados na sala principal. O piloto estava largado no sofá, com um curativo colorido na bochecha e uma almofada cobrindo a barriga "ferida". Mina bebia um chá, sentada em uma poltrona reclinável. Rita, no chão, jogava um jogo de ritmo no smartphone com a boneca Princesa apoiada no ombro.
— Acho que esse foi o recorde da semana. — disse Mina, soprando o chá. — Você aguentou quase doze minutos antes de virar um desastre.
— Doze minutos de pura glória! — respondeu Bello, colocando a mão sobre o peito. — O universo nunca viu um piloto tão elegante ser tão injustamente atacado.
— Eu ainda tô tentando entender como ela bateu na sua cara com sua própria perna… — a jammboniana rosada comentou, sem tirar os olhos da tela do telefone.
— Técnica avançada de defesa jammboniana. — explicou Mina, casualmente. — Se chama "chute giratório do basta". Altamente eficaz contra folgados.
— Eu acharia atraente... se eu não tivesse sido a vítima. — murmurou Bello, massageando a bochecha dolorida. — Ainda tô sentindo a chave inglesa na minha–
Mina se virou lentamente o rosto na direção do piloto, com um olhar tão afiado que fez o sangue dele gelar.
— ...na minha autoestima! — completou ele, rápido. — Isso, autoestima. Completamente machucada. Frágil. Em ruínas.
Mina estreitou os olhos por um segundo, ainda o fuzilando com os olhos.
— Boa escolha de palavras. Você pode ter aprendido algo hoje.
— Eu aprendi que eu não quero aumentar a classificação dessa fanfic com você ainda na sala. — retrucou ele, encolhido no sofá.
Rita e Mina o encararam como se ele tivesse acabado de crescer uma segunda cabeça. O silêncio durou um instante desconfortável.
Então, ambas deram de ombros ao mesmo tempo, como quem já esperava esse tipo de comentário vindo dele.
— E ele diz que é maduro. — murmurou Mina, pegando de volta sua xícara de chá.
— A Princesa deu nota 2 pra essa piada. — disse Rita, levantando a boneca e balançando a cabeça dela em reprovação.
— Uau, rebaixado pela crítica mais rigorosa da galáxia... — lamentou Bello, dramático. — Isso vai direto pro meu diário de traumas.
Mina revirou os olhos para o drama do piloto, mas logo desviou o olhar para a tela do tablet. Desde que viu aquela gravação no bunker, sua mente não parava de rodar. Ela nunca esperava que Eldoro estivesse envolvido em um projeto sobre fendas dimensionais, muito menos que ele havia causado a morte de várias pessoas inocentes — ainda que de forma acidental.
O peso daquela informação ainda apertava seu peito, criando um nó que ela não conseguia desfazer. Se Eldoro esteve envolvido em um projeto tão perigoso, por que ele nunca comentou sobre isso? Por que esconder algo tão grave, algo que colocou vidas em risco e tirou tantas delas?
Mina fechou os olhos por um instante, tentando organizar os pensamentos. O Eldoro que ela conhecia era excêntrico, sim, mas também sábio, protetor... quase como um segundo pai. Pensar nele como alguém capaz de tamanha irresponsabilidade, ou pior, intenção, era como tentar encaixar uma peça errada num quebra-cabeça que ela achava que já conhecia.
Ela abriu os olhos, o olhar fixo na tela escura do tablet à sua frente. Precisava de respostas, precisava entender o que estava acontecendo. A sensação de incerteza era como uma corrente fria deslizando por sua espinha, apertando-lhe o peito com mãos invisíveis. Com um leve toque, ligou o dispositivo e abriu novamente os documentos que havia coletado com seu Scanner. Era a vigésima vez que revia aqueles arquivos, e ainda assim, nada. Nenhuma explicação concreta sobre o real propósito das pesquisas. Talvez parte das informações tenha se perdido na explosão. Ou talvez... tivessem sido apagadas de propósito.
E o mais inquietante: não havia uma única linha sobre a criatura que encontraram no bunker.
Ao lado dela, o som abafado de uma almofada atingindo o chão a tirou momentaneamente da concentração. Bello jogava a almofada para o alto, tentando pegá-la com os pés — e falhando espetacularmente. A cada erro, deixava escapar uma exclamação dramática como “Quase!” ou “Essa foi por pouco!”. Rita, sentada no sofá com o smartphone em mãos, tirava fotos das tentativas e, vez ou outra, soltava um risinho abafado.
Mina se virou e observou os dois por alguns segundos. Aquela bagunça... aquela rotina de caos bobo e risadas espontâneas... era o que a mantinha sã. O calor da convivência com eles, por mais cheia de brigas e implicâncias que fosse, era um lembrete de que ela não estava sozinha. De que, por mais que o universo fosse incerto e revelando segredos perigosos, ainda havia beleza nos pequenos momentos.
Seu peito apertou, mas de outro jeito agora, como se uma chama silenciosa queimasse dentro dela. Uma promessa. Uma decisão.
Ela sabia que precisava protegê-los do que quer que estivesse vindo.
— Estamos quase chegando em Mambo. — ela disse, a determinação queimando em sua voz.
Bello e Rita se entreolharam com expressões misturadas de surpresa e expectativa. A leveza da brincadeira anterior deu lugar a um silêncio atento.
— Ótimo. — Bello deu o seu típico sorriso preguiçoso. — Já não aguentava mais ficar preso nessa nave. Preciso esticar as pernas.
Rita deu um sorriso maroto e respondeu:
— Acho que você tá mais pra “preciso fugir antes que a Mina me mande limpar tudo de novo”.
— Isso não anula meu ponto, pirralha. — Bello cruzou os braços e fez um beicinho exagerado. — Eu preciso estar em forma pra sobreviver à fúria da doutora por mais um dia. Você já viu o braço dela? Aquilo não é de quem só aperta parafusos.
Mina ergueu uma sobrancelha, sem desviar os olhos dos controles da nave.
— Continue falando assim e vai descobrir o que mais esse braço consegue apertar.
— Ai, meu baço de novo... — murmurou Bello, já se encolhendo no sofá por instinto.
Mina revirou os olhos, como sempre, mas no fundo ela estava sorrindo. Não por fora, seu rosto ainda tinha sua expressão estóica e profissional, mas por dentro, havia uma fagulha de conforto que aquecia o seu peito. Sem dizer uma palavra, ela esticou o braço, agarrou o colarinho de Bello e o puxou do sofá com a firmeza de quem já estava cansada das desculpas dele. Ele deu um meio grito surpreso enquanto era arrastado pelo corredor metálico da nave.
— Ei! Dá pra avisar? Eu sou delicado! — resmungou, tropeçando atrás dela.
— Você é meu piloto. Gostando ou não. — ela rebateu sem sequer olhar pra trás.
Mina o arrastou até o cockpit da Hiperba, onde as luzes do painel piscavam em tons dourados, refletindo o brilho da nebulosa que agora desaparecia no retrovisor da nave. À frente, o planeta Mambo se erguia, colossal, como uma promessa e uma ameaça ao mesmo tempo.
Ela estava determinada a saber a verdade, mesmo que isso a machucasse por dentro.
Chapter 13: À Deriva no Cosmos
Summary:
Novos rostos aparecem e um deles quer vingança. Enquanto isso, nossos heróis finalmente chegam a Mambo e encontram o velho cientista, Cid.
Chapter Text
Enquanto isso, em algum lugar no espaço…
Uma nave escura flutuava pela vastidão silenciosa do universo, como uma sombra esquecida entre as estrelas. Suas placas externas estavam desgastadas, cobertas por cicatrizes de batalhas passadas, e nenhuma luz indicava a movimentação de uma tripulação muito vasta.
Lá dentro, o ambiente era mais gélido e ofensivo. Cabos pendiam do teto como teias metálicas, e o som das máquinas era abafado por um silêncio pesado. Ao centro, uma câmara iluminada por uma única lâmpada pulsava com uma energia estranha. Dentro dela, um tanque cilíndrico preenchido por um líquido esverdeado borbulhava levemente.
Diante do tanque, uma figura alta estava sentada à mesa, com um copo de uísque ainda fresco nas mãos. Seus cabelos e sua pele eram cinzentos, e uma cicatriz marcava seu olho esquerdo. Vestia uma jaqueta de couro, calças jeans e coturnos pesados. Mantinha uma expressão entediada enquanto mexia o líquido no copo, os olhos semicerrados refletindo a luz pálida.
O som suave do uísque se misturava ao zumbido dos sistemas da nave. Seus dedos tamborilavam contra o vidro, enquanto ele revia uma gravação holográfica: o final da corrida na floresta mutante.
Ele pausou em um ponto específico, ampliando a imagem com um gesto. A imagem congelada revelava o Trovão Vermelho cruzando a linha de chegada, em meio ao caos da arena destruída.
Derek encarou o rosto do piloto por alguns segundos. Seus olhos escureceram.
— Ainda se acha um herói, não é, trovãozinho? — murmurou, mais para si mesmo do que para qualquer audiência.
Ele tomou um último gole do uísque e jogou o copo vazio para o lado, onde ele se espatifou contra o chão metálico da nave com um som seco. O olhar de Derek continuava fixo na imagem congelada do piloto em sua glória, iluminado por chamas e destroços. O sorriso presunçoso estampado no rosto de Bello fazia seu sangue ferver.
— Metido, arrogante, sortudo de merda… — rosnou entre os dentes, com um toque de desprezo.
Ele avançou até o visor, os olhos queimando com uma fúria contida. Apertou um botão e a imagem deu zoom no rosto de Bello, ofegante, vitorioso, triunfante.
— Você me envergonhou. Me fez parecer fraco. — disse entre dentes cerrados, como se cada palavra arrancasse algo de dentro dele. — Aquelas câmeras... aquele público... e você, rindo, como se nada tivesse acontecido.
Um soco seco contra o console fez as luzes ao redor piscarem brevemente.
— Eu devia ter acabado com você ali mesmo. — murmurou, os dedos trêmulos de ódio.
Ele se levantou lentamente, os músculos do maxilar pulsando enquanto caminhava até o painel de metal ao lado do tanque. Tentou controlar a raiva crescente em seu peito, mas a imagem congelada no monitor ainda piscava, como se estivesse zombando dele. O sorriso de Bello, congelado no momento exato da vitória, parecia uma afronta pessoal, uma cicatriz que nunca cicatrizava.
— Maldito... — sussurrou, com os dedos pairando sobre a tela, resistindo ao impulso de socá-la também.
Nesse instante, as portas automáticas se abriram com um chiado suave.
— Está falando sozinho, Derek? — soou uma voz fria e suave como névoa.
Era uma jammboniana alta de pele roxa, envolta em uma túnica roxa de tecido pesado. Um chapéu de veludo escuro, pontudo e elegante, repousava sobre sua cabeça, projetando uma sombra enigmática sobre seu rosto. Uma franja espessa cobria um de seus olhos, enquanto o outro brilhava com um tom vívido e hipnotizante. No pescoço, ela usava um colar de rubis incrustados em ouro, que reluziam suavemente à luz da sala.
Derek não respondeu de imediato, os olhos ainda cravados na imagem congelada do monitor. Lacey soltou um suspiro cansado, como se já estivesse acostumada com a fúria do parceiro sempre que as coisas não saíam como ele queria.
— Ainda remoendo essa perda? — perguntou Lacey, com desdém. — Normalmente, você supera suas derrotas mais rápido.
— Aquilo não foi uma derrota. — Ele rosnou entre os dentes. — Aquilo foi uma humilhação. Ele me desafiou. Me humilhou. Aquilo… foi pessoal.
Lacey se aproximou lentamente, seus saltos ecoando no chão metálico da nave. Parou ao lado de Derek e encarou a imagem congelada no monitor , o instante capturado do Trovão Vermelho cruzando a linha de chegada, cercado por destroços e fumaça. Já ouvira falar dele: um jovem imprudente, destemido, que não conhecia o significado de recuar. Um herói aos olhos de muitos, um problema aos olhos dos mais perigosos.
Lacey deu um sorriso malicioso.
— Suponho que a próxima missão vá te agradar. — disse ela, jogando um tablet na direção do homem.
Derek agarrou o aparelho com um movimento seco, seus olhos brilhando com desdém. Ele leu as informações da missão com uma expressão cansada, quase tediosa. O contratante era anômalo, exatamente o que ele esperava.
— Como sequestrar uma engenheirazinha de merda vai me agradar, Lacey? — perguntou, apertando o tablet com força. — Por acaso você tá brincando com a minha cara?
Lacey cruzou os braços, mantendo o sorriso frio.
— Essa "engenheirazinha de merda" é nada mais, nada menos do que a engenheira-chefe de Jammbo. O contratante está oferecendo milhões de créditos espaciais pela cabeça dela. — Ela inclinou levemente a cabeça, como quem provoca um animal enjaulado. — E, pelo visto, você não leu direito as informações sobre ela, meu querido.
Derek franziu a testa e olhou de novo para o tablet. Seus olhos percorreram a ficha técnica com mais atenção desta vez, até que seu maxilar travou ao ver um nome específico.
Piloto registrado: Bello — codinome: Trovão Vermelho.
O silêncio que se seguiu foi denso. Derek apertou os dentes com tanta força que o som pôde ser ouvido por Lacey.
— Ele está com ela? — perguntou, a voz baixa e carregada de veneno.
— Está, sim. — Lacey respondeu com naturalidade, tirando um fio de cabelo do rosto. — Parece que o destino gosta de provocar.
Derek apertou o tablet com tanta força que seus dedos ficaram brancos. Um sorriso cruel surgiu em seu rosto, lento e distorcido, como se tivesse acabado de ganhar na loteria — uma loteria sangrenta, pessoal.
Ele finalmente poderia ter sua vingança.
Girou sobre os calcanhares, o casaco de couro acompanhando o movimento com um estalar seco, e começou a andar em direção à porta com passos determinados.
— Vamos fazer isso direito. — disse, a voz carregada de uma excitação perversa. — Quero localização exata da nave dela em tempo real, rotas de fuga, aliados conhecidos... tudo.
Lacey acompanhou os passos dele com os olhos, o brilho enigmático ainda dançando nos dela.
— Já estou um passo à frente. Nossa pequena aranha está tecendo a teia em Mambo. Assim que eles chegarem, não terão para onde correr.
Derek parou por um instante, de perfil, a luz esverdeada do tanque refletindo em sua cicatriz.
— E o que fazemos com o piloto... e a pirralha? — Sua voz cortou o ar como uma lâmina afiada. Ele já sabia a resposta, mas queria ouvi-la. Queria saborear.
Lacey se aproximou com a tranquilidade de uma serpente, os olhos semicerrados e um sorrisinho curvando os lábios.
— A cientista deve ser mantida intacta — disse, quase em tom de brincadeira. — O resto? Faça o que quiser. Ninguém vai lamentar duas cinzas a mais no espaço.
Derek virou o rosto apenas o suficiente para encará-la por cima do ombro, um riso rouco e sem alma escapando de sua garganta.
— Ótimo. Vai ser divertido... ver o "trovãozinho" implodir. Quero que ele sinta cada rachadura... até que tudo o que ele tenta proteger desmorone nos braços dele.
Ele então seguiu em direção às portas, que se abriram com um sibilo metálico.
— Prepare a equipe. Vamos à caça.
A porta se fechou com um som seco, e o tanque atrás deles continuou borbulhando, como se antecipasse o caos que viria.
A Hiperba atravessou as nuvens rosadas da atmosfera com com um leve tremor, descendo lentamente até a superfície do planeta Mambo. Vista de cima, a paisagem era um oceano de tons pastéis e formas arredondadas. Nada ali parecia ter arestas, tudo era macio, elástico, como se o próprio planeta tivesse sido moldado por mãos brincalhonas.
Assim que a escotilha se abriu, um cheiro adocicado invadiu a cabine. Rita foi a primeira a descer, os olhos brilhando como se tivesse entrado num sonho.
— É tudo... mochi?! — exclamou ela, agachando-se para tocar o chão esbranquiçado, que cedeu sob seus dedos com uma textura morna e flexível. — Isso é melhor do que eu imaginei!
— Só falta a estrada gritar de dor quando a gente pisa. — murmurou Bello, descendo logo atrás, o pé afundando até o tornozelo no solo fofo. — Mas... tá. Tenho que admitir... é gostoso de andar.
Mina foi a última a sair, mais cautelosa. Seus olhos escaneavam o ambiente com atenção analítica, embora o chão macio dificultasse manter a compostura séria.
À frente deles, torres feitas de mochi empilhado se erguiam como prédios tortos, e pontes elásticas ligavam as construções entre si. As árvores tinham troncos cor-de-rosa e folhas como marshmallows esverdeados, exalando um aroma doce no ar. Um grupo de criaturas locais, humanoides coloridos, semelhantes aos jammbonianos, mas ainda mais vibrantes e elásticos, acenava alegremente para os viajantes. Seus corpos pareciam feitos da mesma massa saltitante e açucarada que cobria boa parte do planeta.
— Precisamos descobrir onde o Cid mora. — disse Mina, ajustando o jaleco enquanto observava um dos mapas holográficos que projetava do tablet.
Antes que alguém respondesse, Bello deu um passo à frente, passando a mão pelos cabelos ruivos e estufando o peito com confiança.
— Deixa comigo. Esse planeta é doce... e eu sou irresistível. — disse, piscando um olho.
Mina ergueu uma sobrancelha, cética.
— Você vai flertar com um povo feito de mochi? — perguntou Mina, cruzando os braços, incrédula.
— Bem, tecnicamente eles têm semelhanças com os jammbonianos, então ainda é dentro. — respondeu Bello, exibindo seu sorriso confiante de sempre.
Mina lançou um olhar de puro julgamento, aquele clássico que dizia “nem adianta argumentar”.
Rita revirou os olhos e se aproximou de Mina, cochichando:
— Dez créditos espaciais que ele leva um tapa e tem a carteira roubada.
— Você tá sendo generosa… — suspirou Mina, massageando a têmpora.
Enquanto isso, Bello caminhava com confiança até um grupo de mamboneses. Ele se inclinou levemente, apoiando um cotovelo em uma cerca feita de bastão de açúcar, e forçou seu melhor olhar sedutor, para sua surpresa, parecia estar funcionando.
— Olá, docinhos… vocês por acaso já ouviram falar de um tal de Cid, o cientista? É pra uma pesquisa… — disse Bello com a voz baixa e descontraída, jogando o cabelo ruivo de lado e lançando um sorriso que ele acreditava ser irresistível.
O grupo de mamboneses se entreolhou e soltou uma série de risadinhas, encantados com o charme improvisado do jammboniano vermelho. Uma delas, uma mambonesa azul com detalhes verdes e uma flor de açúcar no cabelo, se adiantou, apontando com um dedo gelatinoso na direção sul da vila.
— O velho Cid? Ele mora naquela torre ali. — disse, indicando uma estrutura alta e torta. — Mas já adianto… ele não é muito gentil com visitas.
— Muito obrigado, docinho de coco. Agradeço de coração. — disse Bello, levando a mão da mambonesa aos lábios com um exagero teatral.
Ela soltou outra risadinha, balançando a cabeça, encantada com o gesto. Então Bello voltou para as duas com um sorriso vitorioso.
Mina revirou os olhos, já farta das palhaçadas do piloto.
— Vamos logo antes que ele pegue o telefone de metade do planeta. — murmurou, cruzando os braços.
— O quê? Eu tô apenas sendo diplomático! — respondeu Bello, andando de costas enquanto ainda sorria para o grupo de mamboneses.
— Diplomacia não costuma envolver flertes com seres feitas de açúcar. — retrucou Mina, sem sequer olhar para ele.
Rita deu uma risadinha enquanto caminhava ao lado de Mina, um sorriso malicioso surgindo em seu rosto.
— Se eu não te conhecesse, diria que você tá com ciúmes.
— Eu sinto mais ciúmes da minha cafeteira. — Mina respondeu, seca, sem sequer hesitar.
— Ihhh… — sussurrou Bello, quase tropeçando de tanto se virar para trás. — Isso aí foi um elogio? Porque sua cafeteira é ótima!
— Cala a boca, Bello! — disseram Mina e Rita ao mesmo tempo.
Depois de uma caminhada, os três finalmente chegaram a torre que a mambonesa apontou. De perto, a construção parecia ainda mais instável, com andares desalinhados e janelas feitas de vidro. Uma escada caracol se enrolava pela lateral da estrutura como uma fita de açúcar derretido endurecido.
— Faz um bom tempo que não o vejo… — disse Mina, inspirando fundo e tocando a campainha. — Espero que ele ainda se lembre de mim.
— Qualquer coisa, podemos partir para o plano B. — disse Rita, segurando a Princesa como se fosse uma arma prestes a ser lançada.
— Sem violência, por favor. — comentou Mina, empurrando delicadamente a mão da menina para baixo. — Ainda temos uma chance de resolver isso com palavras.
A porta se abriu devagar, rangendo como se estivesse segurando a respiração há anos. Do outro lado, um corredor estreito e escuro, iluminado apenas por fileiras de lâmpadas de açúcar trêmulas, se estendia até uma sala repleta de sombras e vapores coloridos.
Mina deu um passo à frente, hesitante, o som das engrenagens ecoando como um sussurro metálico ao fundo. Sua voz saiu quase como um sussurro:
— Cid...?
Silêncio.
Então, do fundo da sala, uma voz rouca respondeu, fria e surpreendentemente amarga:
— Não achei que teria coragem de vir aqui, Mina.
Ela parou, engolindo seco, enquanto as sombras à frente se moviam, revelando uma silhueta torta, curvada sobre uma bancada de ferro e doces retorcidos. Os olhos do velho homem brilharam à luz trêmula, mas não com carinho, e sim com julgamento.
— Espero que esteja pronta para encarar as consequências das escolhas que fez.
O ar ficou mais denso, como se o próprio açúcar do ambiente tivesse derretido em tensão. Rita segurou firme a Princesa. Bello fechou a expressão. E Mina... deu mais um passo à frente, com a cabeça erguida.
— Estou, Cid. É por isso que estou aqui.
Chapter 14: Em Meio a Tempestade
Summary:
Mina e Cid discutem. As coisas não saem como planejado.
Chapter Text
Cid então deu um passo à frente e acionou um interruptor na parede. A luz da torre se acendeu com um estalo elétrico, revelando o interior do laboratório com mais clareza.
O cômodo inteiro era uma bagunça controlada: prateleiras abarrotadas de peças, protótipos incompletos cobertos por panos empoeirados, e cabos pendendo do teto como cipós metálicos. Algumas invenções pareciam estar presas no tempo, com motores expostos, engrenagens girando devagar, como se esperassem por um toque final que nunca veio. Outras pareciam ativamente perigosas, emitindo faíscas ou ruídos agudos de tempos em tempos.
Os olhos do trio se voltaram para o cientista. Ele era um jammboniano baixo, de pele azulada, com uma barba branca desgrenhada que descia até o colarinho de seu jaleco amassado. Os óculos grossos em seu rosto ampliavam demais os olhos, dando-lhe uma aparência permanentemente irritada, o que não estava longe da realidade. Suas mãos estavam manchadas de graxa e pequenos cortes, resultado óbvio de anos mergulhado em trabalho manual e explosões ocasionais.
— E então? — resmungou Cid, cruzando os braços. — Vão ficar me olhando ou vão dizer o que realmente querem?
Mina inspirou fundo, percebendo que teria que explicar muito mais do que gostaria.
— Viemos saber sobre o Eldoro. — começou, com a voz controlada, mas firme. — Encontramos um planetóide peculiar no caminho… e dentro dele, um bunker abandonado. Lá havia documentos, registros sobre experimentos com fendas dimensionais. E o nome dele estava envolvido no projeto.
Cid fechou os olhos por um momento, como se a simples menção já fosse suficiente para causar uma dor de cabeça antiga e persistente.
— Eu sei que ele não dá notícias há dois anos… — continuou Mina, com a voz embargada. Ela engoliu seco, tentando conter a frustração. — Mas eu preciso entender o que aconteceu. Por que ele desapareceu sem deixar rastro? Por que não me contou nada sobre isso?
O silêncio que se seguiu pareceu pesar toneladas. Mina encarou o velho cientista, os olhos marejados brilhando com um fio de esperança. Porém, suas expectativas afundaram quando Cid abriu os olhos devagar, a expressão endurecida como pedra.
— Garota, essa sua busca é uma perda de tempo. Volte pra Jammbo e pare de meter o nariz onde não é chamada.
A engenheira ficou em choque com a resposta abrupta de Cid, mas permanceu em silêncio por um momento. Sua respiração ficou pesada e a adrenalina começou a subir pelo seu sangue. Rita olhou para ela com preocupação, observando a expressão da amiga se tornar uma careta frustrada, mas não disse nada. Bello cruzou os braços, já se preparando para uma resposta sarcástica, mas foi Mina quem falou primeiro, com a voz firme e cortante:
— Você acha que eu vim até esse planeta, só pra ouvir meia resposta!?
Ela deu um passo à frente, os olhos fixos nos de Cid.
— Eldoro era como um pai para mim. — murmurou, a voz embargada. — Ele foi a única pessoa que acreditou em mim quando ninguém mais acreditava. Me ensinou tudo o que sei. Me deu propósito. Me deu… direção.
Ela mordeu o lábio inferior, tentando manter a calma e o tremor na garganta.
— E então ele simplesmente desaparece. Sem aviso. Sem explicação. — Os olhos de Mina brilharam, mas não de lágrimas, de frustração. — E agora eu descubro que ele estava envolvido com fendas dimensionais, com tecnologia que pode destruir sistemas inteiros... que tirou a vida de vários cientistas… e você não me dizer por quê?
O rosto de Cid endureceu.
— O que o Eldoro faz ou deixa de fazer não é da sua conta. — disse ele, a voz saindo áspera, cortante como metal enferrujado. — Aquele velho maluco não é mais o mesmo. Ele foi longe demais com aquelas idéias malucas sobre portais, fendas e dimensões espelhadas. E agora, quem tentar se meter, só vai acabar se machucando.
Mina cerrou os punhos. Bello e Rita se entreolharam, já sentindo a tensão aumentar entre a jammboniana azulada e o cientista aposentado.
— Mina… tenha calma, por favor. — Rita tentou amenizar o clima, mas a engenheira a ignorou.
— Então você sabia. Você sabia o tempo todo… e não fez nada?
— Fiz o que qualquer um com juízo faria: me afastei — respondeu Cid, seco. — Ele se tornou obcecado, paranoico. Parou de ouvir conselhos. Parou de me ouvir.
A cientista deu um passo adiante, a voz carregada das emoções que guardara por tantos anos. Ela não conseguia acreditar que ele a estivesse tratando como uma garotinha indefesa e ingênua.
— Eu podia ter te ajudado!
— Ou ter sido arrastada junto pra loucura dele. — rebateu Cid, firme. — Você é só uma jovem ingênua. Ainda tem muito o que aprender sobre a vida adulta.
Mina hesitou, os olhos brilhando com uma mistura de raiva e dor. Suas mãos se fecharam em punhos ao lado do corpo, com tanta força que ela podia sentir suas unhas perfurando sua pele.
— Eu quero respostas. E se você não vai me dar, então vou encontrá-las por conta própria. — disse com a voz embargada, mas firme.
Cid a encarou por um longo instante. Finalmente, bufou e virou as costas com desdém.
— Faça o que quiser, garota. Mas não diga que não avisei.
Sem dizer mais nada, Mina se virou bruscamente, o jaleco esvoaçando com o movimento. Saiu da torre com passos duros, atravessando o ateliê abarrotado de invenções inacabadas como se nada ali merecesse sua atenção.
Bello e Rita trocaram um olhar silencioso antes de começarem a segui-la, mas Mina se virou brevemente na entrada da torre, os olhos ainda brilhando de frustração.
— Não. Não agora. — disse, a voz firme, porém embargada. — Eu preciso de um tempo pra pensar. Sozinha.
E sem esperar respostas, ela desapareceu pela cidade de mochi.
Houve um momento de silêncio pesado. Então Bello se virou lentamente, os olhos estreitados perigosamente em direção ao velho cientista.
— Que porra foi essa, velhote? — ele disse, andando na direção de Cid, que ainda estava de costas, mexendo em uma bancada de ferramentas. — Ela veio até aqui em busca de respostas, e tudo o que você fez foi tratá-la como uma criança estúpida!
— Porque é isso que ela é. — respondeu Cid friamente, sem se virar. — Cheia de esperança, fé cega, querendo entender coisas que não têm resposta. Ela não faz ideia do que está lidando.
— E você acha que guardar tudo pra si é a solução? — rebateu Bello. — Se Eldoro realmente tá envolvido com algo perigoso, você acha que esconder isso vai proteger ela?
Cid se virou lentamente, encarando o Jammboniano ruivo com olhos cansados, mas duros como pedra.
— Eu já perdi pessoas por causa da curiosidade do Eldoro. Não vou perder mais ninguém.
— Já perdeu. — disse Rita de repente, sua voz surpreendentemente firme. — Perdeu ela. E, pelo visto, você nem se importa.
Cid os encarou em silêncio. Seus olhos, antes afiados como lâminas, vacilaram por um instante, revelando uma pontada de tristeza enterrada sob camadas de raiva e frustração.
— Vocês não entendem o que ele se tornou… — murmurou o velho, quase imperceptível.
Antes que qualquer um deles pudessem continuar, um estrondo ecoou do lado de fora da torre, seguido por um baque seco e um grito abafado:
— AAAH! MINHAS COSTAS! Eu juro que era pra essa coisa voar na horizontal!
Bello e Rita se viraram rapidamente em direção à porta. Cid soltou um suspiro irritado, já reconhecendo o som de algo quebrando do lado de fora.
O trio saiu da torre e se deparou com uma cena inusitada: uma pequena engenhoca caída no chão, soltando faíscas e fumaça. Ao lado dela, um jammboniano magenta gordinho, de macacão verde surrado, cachecol laranja e um capacete grande com lentes escurecidas, tentava se levantar enquanto se livrava de pedaços de parafuso presos na roupa.
— Ugh… nota mental: o modo "turbo-chiclete" ainda precisa de ajustes...
— O que…? — começou Bello, franzindo o cenho.
O garoto ergueu o visor, revelando um rosto redondo, suado e simpático, com olhos magenta brilhantes.
— Ah! Oi! — disse ele, abrindo um sorriso tímido. — Desculpa a entrada dramática…
Antes que Bello e Rita pudessem responder, uma voz raivosa ecoou da porta da torre:
— Goomo, seu idiota! Quantas vezes eu te disse para não mexer nas minhas invenções!?
Cid desceu os degraus da torre com passos pesados, os olhos faiscando de fúria. O garoto, agora conhecido por Goomo, estremeceu pela bronca raivosa do velho cientista.
— Eu achei que podia melhorar elas… — respondeu Goomo com a voz baixa, brincando com os indicadores, encolhido como uma criança pega no flagra.
— Melhorar!? Você quase explodiu metade do meu telhado! — rosnou Cid, passando a mão no rosto. — Eu devia ter trancado aquele laboratório com código genético.
Bello olhou de um para o outro, franzindo o cenho.
— Espera… vocês se conhecem?
— Infelizmente. — resmungou Cid. — Ele é meu aprendiz.
O piloto então se aproximou do jammboniano gordinho, um sorriso preguiçoso surgindo nos lábios.
— Então… o que era pra ser isso? — perguntou, curioso, apontando para os restos fumegantes do que parecia ser uma mochila metálica retorcida no chão. — Algum tipo de jetpack?
Goomo assentiu com entusiasmo, apesar da situação.
— Era! Quer dizer… é! Um modelo de impulso magnético de baixa gravidade com estabilizadores elásticos! Eu só não testei o freio ainda…
— Ah, ótimo. — murmurou Bello, arqueando uma sobrancelha. — Nada como confiar numa engenhoca que pode te lançar em órbita, mas não te deixa frear.
— Tecnicamente, o chão freia você. — disse Goomo, com um sorriso inocente. — Ah! Mas onde estão meus modos? Sou Goomo, prazer!
— Bello, com dois Ls. — respondeu o ruivo, fazendo uma pequena reverência exagerada. — E a pirralha se chama Rita.
— Pirralha uma ova. — retrucou Rita, cruzando os braços. — Tenho mais juízo que vocês dois juntos.
Goomo então se levantou do chão, batendo a poeira do macacão com as mãos. Ele soltou uma risadinha ao observar a estranha dinâmica entre Bello e Rita.
— Faz muito tempo desde que vi outro jammboniano além do Cid. — disse, coçando a nuca com um sorriso tímido. — É meio estranho… mas bom. Me faz lembrar que o universo é grande demais pra ficar preso num laboratório.
Bello cruzou os braços, curioso.
— Você mora aqui com esse velho rabugento?
— Mais ou menos. — respondeu Goomo, olhando de relance para a torre. — Eu apareço de vez em quando, trago umas ideias, ajudo em umas invenções… mas o velho Cid sempre foi meio fechado. Não gosta de muita gente por perto. Especialmente depois de, bom… tudo que aconteceu com o seu ex-amigo.
Rita arqueou uma sobrancelha.
— Você sabe alguma coisa sobre o Eldoro? — ela perguntou, com um tom esperançoso em sua voz.
Goomo hesitou, os dedos brincando com a ponta do cachecol laranja.
— Não muito… tudo o que eu sei é que, há dois anos, os dois tiveram uma briga feia. Depois disso, Cid se recusa a falar sobre qualquer coisa que envolva o Eldoro.
— E pretendo que continue assim! — rosnou Cid, encostado na porta da torre com os braços cruzados. — Agora arrumem essa bagunça antes que eu tenha um aneurisma!
Ele bateu a porta com força, fazendo algumas ferramentas penduradas do lado de fora tilintarem.
Bello soltou um assobio baixo, revirando os olhos.
— Simpático, o velhote.
— Ele só é assim com quem gosta. — disse Goomo, com um sorriso torto. — Quer dizer, acho.
Rita bufou e começou a recolher algumas peças espalhadas pelo chão.
— Pelo menos agora sabemos que tem mais nessa história do que estão dizendo. Se até os antigos amigos dele se afastaram, alguma coisa muito errada aconteceu.
Bello assentiu, mas não respondeu de imediato. Seu olhar se perdeu na direção por onde Mina havia saído, e por um instante, tudo ao redor pareceu distante. Ele tentou entender o aperto que sentia no peito, uma mistura estranha de preocupação, raiva e simpatia.
Mina era teimosa, fechada e sempre parecia pronta para uma discussão… mas também era brilhante, forte, e, por trás daquela armadura estóica, havia uma dor que ele começava a perceber. Uma solidão que talvez nem ela mesma admitisse sentir.
Eles podiam brigar muito e, por mais que odiasse admitir, Bello já estava começando a se apegar a ela.
— E seja lá o que for… ela não devia enfrentar isso sozinha. — ele finalmente disse, voltando a limpar os entulhos da invenção de Goomo. — É bom aquele velhote abrir a boca… ou eu vou mostrar a ele um pedacinho da minha mente.
Mina caminhava sozinha por uma das passarelas doces da cidade, o som elástico dos degraus sob seus pés ecoando fracamente. O céu acima exibia um pôr do sol suave, com as primeiras estrelas da noite aparecendo.
Ela tentava respirar fundo, acalmar o turbilhão que rodava em sua mente, mas não adiantava. As palavras de Cid martelavam em seu peito como pregos: "jovem ingênua", "perda de tempo", "não é da sua conta."
A cientista parou perto de uma árvore de folhas de mochi, apoiando-se no tronco rosa e encarando o nada. O coração apertado pelas dúvidas e incertezas. Não sabia exatamente o que havia acontecido entre Cid e Eldoro, mas o que mais a corroía era a sensação de estar sendo tratada como uma criança, como se não fosse capaz de entender ou suportar a verdade.
Mina não queria proteção. Queria confiança. E respostas.
Mina colocou as mãos no rosto, tentando controlar a raiva e a ansiedade de não saber a verdade. Se Eldoro estava envolvido em algo tão perigoso, por que não confiara nela? Por que deixara tudo para trás sem uma explicação? Ela sentia como se estivesse andando em círculos, sempre perto demais da resposta, mas nunca o suficiente para alcançá-la.
Seus pensamentos turbulentos foram interrompidos por um estalo seco atrás dela que fez seu corpo entrar em estado de alerta. Ela se virou rapidamente, mas a trilha estava vazia.
— Bello? — chamou, tentando parecer firme. Nenhuma resposta. Apenas o som suave das folhas das árvores balançando com o vento doce.
Ela recuou um passo, sentindo um arrepio na nuca. Seus olhos procurando a fonte do som de passos quebrando os galhos do chão na pequena clareira. E foi então que algo caiu sobre ela como uma sombra, rápida, silenciosa e precisa.
Antes que pudesse gritar, uma mão cobriu sua boca com um pano embebido em um composto adormecedor. O mundo ao redor começou a girar. A última coisa que viu foi uma silhueta encapuzada, de olhos ébanos, com um símbolo desconhecido estampado no ombro: uma chama fantasmagórica estilizada.
E então, seu mundo mergulhou na escuridão.
Chapter 15: Quando as Chamas Crepitam
Summary:
Bello percebe que Mina está demorando muito para voltar, então o grupo resolve ir atrás dela.
Chapter Text
Fazia algumas horas desde que Mina tinha saído.
Bello terminou de tirar os últimos entulhos da bagunça de Goomo. Ele então se sentou em um banco improvisado, limpando as mãos enluvadas, sujas de graxa na própria jaqueta, o olhar perdido na porta da torre.
— Ela já devia ter voltado… — murmurou.
Rita, sentada no chão com a Princesa no colo, levantou os olhos.
— Você acha que ela ainda tá brava?
— Mina sempre tá brava. — resmungou Bello, mas sem o sorriso habitual. — Mas… dessa vez é diferente. Tem algo errado. Eu sinto.
Bello não era alguém que se preocupava muito. Sempre foi movido pela adrenalina e pela emoção, vivendo no agora, resolvendo as coisas com um sorriso no rosto e uma piada na ponta da língua. Mas agora… não havia sorriso. Nem piada.
Apenas o sentimento de aflição subindo pela boca do seu estômago.
— Vamos atrás dela, antes que fique tarde. — disse ele, jogando o ancinho num canto da oficina com um estrondo metálico. — Se tivermos sorte, ela não deve ter ido muito longe.
Rita o observou com atenção, cruzando os braços, os olhos tingidos de uma pitada de curiosidade e preocupação.
— Você tá mesmo preocupado, não tá?
Bello não respondeu de imediato. Apenas apertou o passo na direção por onde Mina supostamente havia ido, os olhos fixos no caminho à frente, a mandíbula cerrada.
Goomo e Rita se entreolharam, um breve silêncio entre eles, antes de começarem a seguir o piloto explosivo.
— Ele tá diferente… — murmurou Goomo, ajeitando o cachecol laranja.
— É… — respondeu Rita, com um meio sorriso. — ele e a Mina têm um relacionamento complicado, mas, no fundo, ele se importa com ela.
— Imagino. — respondeu o jammboniano magenta, já ciente de quem era Mina, pelo pouco que ele e Rita haviam conversado anteriormente.
A floresta de mochi os envolvia com seu silêncio doce e estranho, o vento fazendo as folhas gelatinosas balançarem suavemente. Mas havia algo errado, o som dos passarinhos doces tinha parado. Tudo estava quieto demais.
— Isso não é normal. — disse Goomo, justando os óculos do capacete no rosto. — Geralmente esse lugar é mais movimentado.
Bello parou de repente, ajoelhando-se ao lado de uma marca no chão: pegadas tênues, mas recentes. E algo mais, brilhoso e metálico, que ele reconheceu na hora.
Ele esticou a mão e pegou um pequeno dispositivo metálico com o símbolo de Mina gravado no canto. Era o scanner dela, agora com a tela rachada.
— Isso foi arrancado às pressas… — murmurou, os olhos ficando mais sombrios. — Ela não saiu daqui por vontade própria.
Rita engoliu em seco, a preocupação subindo pela garganta da jammboniana rosada como um nó difícil de engolir. Ela se aproximou do garoto mais velho, apertando a Princesa ainda mais contra o peito.
— Você acha que… sequestraram ela? — perguntou, a voz embargada, quase um sussurro.
Bello não respondeu de imediato. O olhar fixo na direção em que as pegadas continuavam, os punhos cerrados ao lado do corpo. Quando finalmente falou, sua voz veio mais baixa e grave do que o normal:
— Eu tenho certeza.
Goomo então se aproximou, hesitante. O capacete cobria parte de sua expressão, mas a tensão era visível em seu corpo pequeno. Ele estendeu a mão com cuidado, mostrando um pequeno dispositivo brilhando em azul-claro.
— Esse é o rastreador de energia que peguei da oficina do Cid… com algumas melhorias minhas. — disse, forçando um sorriso. — Pode captar resquícios de energia de equipamentos de camuflagem, propulsores de curto alcance e... biometria jammboniana.
Bello pegou o dispositivo sem dizer uma palavra, os olhos cravados na tela. Com gestos rápidos, conectou o scanner de Mina ao rastreador improvisado por Goomo, permitindo que ele analisasse os dados fisiológicos registrados por ela. A tela piscou por alguns segundos, processando informações em silêncio tenso. Linhas de código atravessavam o visor até que, por fim, um ponto vermelho começou a piscar no canto do mapa holográfico, emitindo um sinal fraco, mas constante.
— Ali. — murmurou Bello, os olhos fixos no ponto. — Ainda tá viva… e está se movendo. Rápido demais pra estar andando. Estão levando ela em algum tipo de veículo aéreo de curto alcance.
— Isso é ao norte da planície dos Cristais Suaves. — disse Goomo, ampliando o mapa com dois toques. — Se continuarem nesse ritmo… vão entrar na Zona Nebulosa antes do pôr do sol.
— Zona Nebulosa? — Rita perguntou, ainda aflita.
— É uma área do planeta com interferência eletromagnética fortíssima. — explicou Goomo, ajustando os óculos. — Se eles entrarem lá antes que a gente alcance...
— …a gente perde ela. — completou Bello, já girando nos calcanhares. — Então temos que chegar antes que o sinal se perca..
Ele correu até o lado de fora do laboratório, os olhos vasculhando o campo aberto. E então ele viu: encostada numa árvore, uma hoverbike turbinada, com motor ainda quente e um capacete pendurado no guidão.
— Essa vai servir. — disse ele com um sorriso malandro.
— Bello… isso não é nosso. — alertou Goomo, apontando para a hoverbike. — Pode ser de algum civil inocente!
— Detalhes. — disse o ruivo, já montado com um sorriso maroto. — Se me prenderem por furto, mando a conta pro Cid. Ele vai adorar uma visita da polícia desse planeta.
Goomo e Rita se entreolharam, claramente divididos entre o certo e o urgente.
— Isso ainda conta como crime se for pra salvar alguém? — murmurou Rita, subindo na garupa com a Princesa nos braços.
— Acho que conta como "emergência heroica"... com atenuantes. — respondeu Goomo, engolindo seco enquanto subia por último, se agarrando com firmeza à cintura de Bello. — Mas tecnicamente ainda é furto qualificado!
— Relaxa, Goomo. — disse Bello, ligando a moto com um ronco alto e feliz do motor. — É só crime se a gente for pego.
O motor rugiu e a hoverbike disparou, levantando uma nuvem de poeira e folhas de mochi que cobriu metade do campo.
— Segurem-se, pessoal! Temos uma cientista pra salvar!
— Eu já estou me arrependendo das minhas escolhas! — gritou Goomo, apertando a cintura do piloto.
— A Princesa disse que se a gente morrer, vai puxar teu pé à noite! — completou Rita, agarrada ao brinquedo e a Goomo com os olhos arregalados.
— Diga a ela que eu corro com estilo! — respondeu Bello, enquanto a hoverbike voava por sobre uma colina com um salto épico e absolutamente imprudente.
Por um instante, pairaram no ar, três silhuetas recortadas contra o céu dourado de fim de tarde. E então, caíram com força na estrada empoeirada, acelerador no máximo, o vento batendo forte no rosto.
À frente, o mapa ainda piscava com o ponto vermelho. Cada segundo contava. Cada batida do motor ecoava como um alerta. Mina estava em perigo. E eles estavam ficando sem tempo.
O trio avançou direto para o coração da Zona Nebulosa… onde as sombras começavam a se mover.
A primeira coisa que Mina sentiu foi um zumbido. Não nos ouvidos, mas no crânio. Como se algo estivesse vibrando dentro da cabeça.
Ela tentou abrir os olhos, mas as pálpebras estavam pesadas. O ar tinha um cheiro estranho, metálico, levemente adocicado. Quando finalmente conseguiu erguer as pálpebras, tudo estava embaçado por alguns segundos
Acima dela, uma luz fria pulsava em um teto metálico. As bordas da visão se ajustaram, revelando paredes cinzentas, levemente inclinadas, com fios expostos e símbolos estranhos escritos em tinta escura. Um som mecânico ecoava no fundo, como engrenagens girando, intercalado com vozes abafadas além da porta.
Ela tentou se mover, mas percebeu que seus pulsos estavam presos por uma espécie de campo magnético azul-claro. Um feixe de energia os mantinha colados aos braços de uma cadeira metálica.
Seu coração disparou.
— Finalmente acordou. — disse uma voz próxima.
Ela virou o rosto, com esforço. Um vulto estava num canto da sala, mexendo em um console repleto de botões coloridos. Ele se virou, e Mina viu os olhos ébanos que lembrava de antes do apagão, intensos e frios, quase sem emoção.
No ombro, a mesma insígnia: uma chama fantasmagórica estilizada.
— Quem… quem é você? — perguntou Mina, a voz ainda fraca.
O homem sorriu, deixando o aparelho em cima de uma mesa metálica. Ele se aproximou o suficiente para que ela notasse uma cicatriz profunda atravessando o lado esquerdo do rosto, como se tivesse sido gravada a ferro.
— Me chamo Derek. — disse ele, com a voz baixa, arrastada e ameaçadora. — E você, minha querida, está a bordo da nave dos Phantom Blazers.
Mina tentou manter o olhar firme, mas o nome despertou um alarme em sua memória. Ela já ouvira aquele nome antes… nas transmissões ilegais interceptadas por engano no palácio de Jammbo. Um grupo clandestino, cruel, que cruzava os setores distorcidos do universo em busca de tecnologia esquecida. Mercenários. Caçadores. Fanáticos.
— O que vocês querem comigo? — ela cuspiu, o medo se transformando em raiva.
Derek soltou uma risada seca, o sorriso se alargando em seu rosto marcado.
— Digamos que alguém está pagando uma pequena fortuna pela sua cabeça. — respondeu ele, dando uma volta lenta ao redor da cadeira onde Mina estava presa. — Mas não é só isso. Você está prestes a se tornar uma peça muito útil… uma isca perfeita para atrair um certo piloto inconveniente.
Mina cerrou os dentes, o nome de Bello surgindo imediatamente em sua mente.
— O que você quer com ele? — ela perguntou, seca, mantendo o olhar firme apesar do medo.
Derek parou atrás dela, pousando as mãos nos apoios da cadeira e inclinando-se levemente, como um predador que aprecia a tensão antes do bote.
— Quero vê-lo perder. — disse, com um sorriso que não alcançava os olhos. — E não falo só de uma corrida. Falo de tudo. Amigos, coragem, convicções. Quero que ele sinta o gosto da impotência… assim como eu senti, naquela floresta miserável.
Mina arregalou os olhos, uma memória repentina lhe cruzando a mente. A corrida na floresta mutante. Um piloto de nave negra...
— Você… — ela sussurrou. — Você era o piloto da nave que quase matou ele?
Derek endireitou o corpo, a sombra de um sorriso vingativo surgindo em seu rosto marcado.
— Finalmente ligou os pontos, garotinha.
Outro som de passos foram ouvidos lo lado de fora e Lacey entrou na sala, com um holograma flutuando ao seu lado. Nele, apareciam três pontos piscando em aproximação.
— Estão vindo. Três sinais. Rápidos. — informou ela, com frieza.
Derek soltou uma risada baixa e satisfeito.
— Perfeito. Preparem a base. Vamos recebê-los como merecem.
Mina fechou os olhos por um instante, respirando fundo. "Eles estão vindo". Era tudo o que precisava saber para manter a esperança acesa.
Mesmo presa, ela ainda era parte da equação. E se conhecia Bello… ele viria com tudo.
Chapter 16: Encontros Inesperados
Summary:
Bello, Goomo e Rita saem em busca para salvar Mina. Eles encontram novos rostos e um que é bastante familiar para Bello.
Chapter Text
A hoverbike cortava o ar como um cometa apressado, levando Bello, Rita e Goomo em direção à imensa névoa púrpura que marcava os limites da Zona Nebulosa. À medida que se aproximavam, o motor começou a emitir um ronco irregular, como se a própria máquina sentisse a tensão daquela fronteira eletromagnética.
— Isso não é bom… — disse Goomo, franzindo o cenho.
Rita apertou a Princesa contra o corpo, enquanto tentava se equilibrar agarrada em Goomo.
— O que acontece quando a gente entrar ali? — perguntou, a voz trêmula.
Bello manteve o olhar fixo à frente, onde uma cortina de neblina densa ondulava em tons de violeta e cinza. As estrelas começaram a cintilar no céu… e sumiram, uma a uma, como se afogadas num mar de estática.
— Eu não sei, pirralha. — disse ele, com um tom mais sério do que o habitual. — Mas seja lá o que a gente encontrar, não podemos deixar isso nos impedir de encontrar a doutora.
E então, sem hesitar, ele colocou os óculos de piloto sob o rosto e acelerou.
A hoverbike cortou a névoa como uma flecha, mergulhando no coração da Zona Nebulosa. O mundo ao redor perdeu forma, as árvores se distorciam em espelhos quebrados, e ecos de vozes distantes reverberavam sem origem clara.
— Ai, meu cérebro tá se contorcendo! — gemeu Goomo, apertando os óculos contra o rosto. — Essa interferência… tá mexendo até com a nossa percepção espacial!
Rita fechou os olhos com força, se concentrando na boneca em seus braços.
— A Princesa tá dizendo que isso aqui parece um pesadelo… e eu concordo.
— Concentrem-se! — gritou Bello, desviando por pouco de uma pedra coberta de musgo elétrico. — O sinal tá se perdendo, mas ainda tá no mesmo ponto. Eles pararam! Estamos perto!
De repente, a neblina à frente se abriu, revelando uma clareira artificial. No centro dela, uma estrutura metálica improvisada reluzia sob a luz pálida de holofotes flutuantes. Uma nave de ataque estava estacionada próxima, com os motores ainda soltando calor e o símbolo de uma chama fantasmagórica estampado na lateral.
Eles chegaram.
Bello cortou o motor da hoverbike e deslizou silenciosamente para trás de uma formação rochosa.
— Ela deve estar ali dentro. — disse ele, descendo do veículo com rapidez. — Alguém tem um plano?
Goomo e Rita se entreolharam, depois olharam para o piloto com expressões de puro ceticismo.
— Espera… então quer dizer que viemos até aqui às pressas, roubamos uma hoverbike, nos metemos em uma zona com interferência maluca, e você não bolou nenhum plano? — perguntou Rita, com os braços cruzados e um olhar que misturava desapontamento e exasperação.
— Eu não sou o cara das estratégias. — Bello revirou os olhos. — E eu tenho um plano: entrar lá e chutar algumas bundas, até eles liberarem a doutora.
Rita encarou ele por um momento, incrédula.
— Isso não é um plano. Isso é um grito de guerra de alguém que não pensa antes de agir.
— Exato! — respondeu ele, já sacando o blaster do coldre. — Por isso funciona.
— Eu odeio admitir, mas às vezes funciona mesmo… — murmurou Goomo, mexendo nervosamente nos dispositivos da mochila, alheio ao olhar desaprovador de Rita. — Eu tô dentro!
Rita gemeu de frustração, apertando a princesa contra o peito como se aquilo pudesse protegê-la do absurdo que estava prestes a acontecer.
— Por que eu me meti com vocês dois mesmo? — resmungou ela, bufando. — Tá bom. Mas se eu morrer, vou voltar só pra assombrar vocês!
— Aí sim, espírito de equipe! — disse Bello com um sorriso cheio de adrenalina.
Goomo então ativou um pequeno drone em forma de camaleão, que flutuou para cima e começou a mapear a área silenciosamente, atento a qualquer sinal de perigo, ou até mesmo, de Mina. A invenção então piscou, agora transmitindo em tempo real a frente da base.
— Dois guardas na entrada, armados com rifles de pulso. Um deles tá bocejando. — relatou o Jammboniano magenta, olhando a tela de um pequeno tablet. — Acho que dá pra surpreender.
— Surpreender ou atropelar? — perguntou Bello, voltando a subir na hoverbike.
— A julgar pelo seu histórico, acho que os dois.
— Perfeito! — o piloto disse, fazendo o motor da hoverbike roncar. — Subam a bordo compadres, hoje a noite gente janta bem!
— Só espero que não seja no hospital! — reclamou Rita, subindo por último e agarrando-se ao braço de Goomo com força.
Bello acelerou com tudo, lançando o trio em direção à base improvisada. A hoverbike avançava como um raio pela neblina, e os dois guardas mal tiveram tempo de gritar. Um deles foi jogado longe com um impacto lateral seco; o outro tentou erguer a arma, mas Bello sacou e atirou com o seu blaster, fazendo o guarda recuar cambaleando. Rita então lançou esferas de gosma pegajosa que Goomo trouxera, que explodiram no corpo dos dois, colando-os à parede como insetos em armadilhas coloridas.
— Entrada sutil como sempre. — comentou Goomo, se apertando mais contra Bello, tentando não cair da hoverbike em movimento.
— Sutil é meu segundo nome. — respondeu o piloto com um sorriso torto, carregando o blaster enquanto acelerava pelos corredores metálicos da base. — Agora vamos encontrar a doutora antes que mais gente apareça.
Luzes vermelhas começaram a piscar ao redor. O alarme ecoava, agudo e insistente, como um grito eletrônico de alerta. O trio entrou em estado de alerta, com Bello pisando ainda mais no acelerador da hoverbike.
— Já temos companhia. — avisou Rita, olhando para o mapa no visor do tablet de Goomo. — E dessa vez, eles vêm preparados.
— Ótimo… — murmurou Bello. — Hora do segundo ato.
A hoverbike derrapou até parar num corredor largo, suas luzes refletindo nas paredes metálicas revestidas de painéis eletrônicos e tubos pulsantes. O som do alarme ainda ecoava em um ritmo frenético, misturado com o zumbido distante de sistemas de segurança ativados.
Goomo saltou para fora primeiro, sua mochila equipada com vários gadgets chiando e piscando. Ele rapidamente pegou o tablet, conectando-o a um painel ao lado da porta automática.
— Deixe comigo!
Os dedos do garoto deslizavam velozmente pela tela enquanto ele hackeava o sistema de segurança. As câmeras próximas começaram a exibir imagens em miniatura na tela, revelando corredores e salas da base. Com um brilho de satisfação, ele apontou para uma pequena sala no final do corredor.
— Achei! Ela está lá no fundo, presa em uma cela reforçada com campo de contenção! — sorriu, olhando para os outros. — Se eu conseguir desativar o campo, podemos tirar ela daí rapidinho.
Rita ajeitou a boneca princesa em seus braços, mordendo o lábio nervosamente.
— Vamos com cuidado. Não sabemos quantos mais podem estar esperando.
Bello apertou os dedos em seu blaster, o olhar determinado. Agora eles tinham um norte para ir e ele estava pronto para qualquer coisa que viesse no caminho deles.
— Aguenta firme doutora, a gente tá chegando.
Eles correram em direção ao ponto que Goomo havia indicado. Chegando lá, ele conectou o tablet ao sistema elétrico da porta. Suas mãos tremiam levemente enquanto tentava burlar os protocolos de segurança cada vez mais complexos.
— Quase lá… — murmurou, franzindo o cenho.
As luzes do painel piscavam freneticamente, como se resistissem ao hackeamento. Por fim, um clique suave e a porta se abriu com um rangido.
— Conseguimos! — exclamou Goomo, aliviado.
Do outro lado, Mina estava sentada na cadeira, exausta, mas alerta. Os pulsos estavam presos a algemas, mas ela não apresentava nenhum tipo de dano físico. Os olhos da cientista então brilharam em reconhecimento ao ver os rostos familiares de Bello e Rita e o um garoto que ela presumiu ter vindo com eles.
— Vocês… vieram. — disse ela, com a voz cansada, mas aliviada.
— Claro que viemos. — Bello disse, seu sorriso habitual voltando ao rosto, mas com uma pitada de sinceridade. — Você ainda não colocou o meu pagamento na minha conta.
Mina devolveu com um pequeno sorriso, enquanto Goomo se concentrava em destravar as algemas com suas bugigangas. Ela não pôde deixar de se sentir grata pela imprudência do grupo, era exatamente o tipo de loucura que ela precisava naquele momento.
— Vocês são completamente irresponsáveis… — murmurou, quase rindo. — Mas obrigada por virem.
— Irresponsáveis é nosso segundo nome. — disse Bello, ainda com aquele brilho travesso nos olhos. — O primeiro é “extremamente caóticos”.
O estalo das algemas se abrindo mal havia ecoado quando uma nova voz cortou o momento:
— E o último nome de vocês vai ser “finados”.
Todos se viraram abruptamente com o som da nova voz. Derek estava parado na entrada da cela, com um blaster pesado apontado diretamente para o grupo. Atrás dele, os Phantom Blazers se posicionavam com precisão militar. Lacey, envolta por ilusões de chamas dançantes ao redor das mãos, sorria como quem saboreia o medo alheio.
Além dos dois, havia mais duas figuras que exalavam ameaça.
Um deles era um mambonês de cabelos ruivos e pele pálida, vestindo roupas rasgadas que deixavam marcas de batalhas visíveis. Em suas mãos, um bastão metálico. Seus olhos, arregalados e brilhando de fúria, mal piscavam, como se cada segundo de espera fosse uma tortura. Havia algo animalesco nele, algo à beira de explodir.
O último era um humano corpulento e alto, inteiramente envolto em mantos pesados. Apenas os olhos eram visíveis, e mesmo assim, frios como aço. Ele não emitia um som, nada além da respiração constante e mecânica, como se o ar tivesse medo de entrar e sair de seus pulmões. Era o tipo de presença que deixava o ambiente mais denso, só por estar ali.
— Ora, ora… — disse Derek com um sorriso gélido, os olhos semicerrados cravados em Bello como lâminas. — Parece que nos encontramos de novo, Trovão Vermelho.
— Você!!! — Bello arqueou uma sobrancelha, apontando com teatralidade exagerada. — …quem é você mesmo?
O sorriso de Derek vacilou, apenas por um instante, mas o suficiente para que a tensão no ar se adensasse como tempestade prestes a explodir.
— Pelo visto, seu cérebro foi afetado pela neblina eletromagnética… — respondeu ele, a voz carregada de sarcasmo venenoso. — Mas deixa eu refrescar essa sua mente impulsiva e saturada de adrenalina: eu era um dos finalistas da Corrida Mutante. O piloto da nave negra. Aquele que você destruiu sem olhar pra trás.
Bello fez um estalo com a língua, pensativo.
— Ah, você era o que tentou me jogar contra as árvores, e me amassar que nem panqueca, né? Foi bonito… até sua nave virar fogos de artifício.
A mandíbula de Derek se contraiu, a fúria agora latente em cada músculo do rosto. Ao redor, os Phantom Blazers avançaram como predadores sentindo o cheiro de sangue: Lacey manteve o sorriso cortante, as chamas dançando entre seus dedos como serpentes famintas. Hawk girava o bastão nos ombros, como se mal pudesse esperar pela pancadaria, e Doc permanecia imóvel, sinistro, a respiração dele soando como vapor saindo de um motor prestes a explodir.
— Você me humilhou diante de toda Jammbo… — cuspiu Derek, a voz carregada de rancor. — E agora eu vou retribuir. Primeiro, destruindo você. Depois, o resto do seu grupinho de merda.
— Tem fila pra isso ou posso resolver com você primeiro? — retrucou Bello, com o blaster em punho e aquele sorriso ousado que sempre surgia quando tudo estava prestes a explodir.
Goomo engoliu em seco, posicionando-se instintivamente entre Bello e Rita, que já segurava firme uma de suas esferas gosmentas, os olhos fixos nos inimigos como uma general em miniatura.
Mina então tirou uma chave de fenda do bolso do casaco, girando-a entre os dedos com calma calculada, e entrando em modo de luta.
Bello lançou um olhar cético para ela.
— Sério? Uma chave de fenda?
— Não subestime uma engenheira. — disse Mina, com frieza. — Isso já derrubou drones, sistemas de segurança… e o Rei, quando ele bebeu meu café expresso por engano.
— Eu nem quero saber como você usou isso. — respondeu Bello, fazendo uma careta.
Derek perdeu a paciência. Seu braço se ergueu com violência e sua voz ecoou pela sala:
— Acabem com eles!
Lacey foi a primeira a agir, com um sorriso malicioso no rosto. Suas chamas ilusórias se retorceram no ar e tomaram a forma de serpentes de fogo, que deslizaram em zigue-zague pelo chão, cercando o grupo com rapidez hipnotizante.
— Cuidado! Elas não são só truque! — gritou Mina, chutando uma das ilusões, que explodiu em calor real.
Hawk avançou logo atrás, berrando como um animal selvagem, o bastão de energia vibrando em tons de vermelho, pronto para esmagar o que encontrasse pela frente. Doc, imponente e silencioso, apenas estendeu uma das mãos, e o chão sob os pés do grupo tremeu, como se algo despertasse nas fundações da base.
Mas antes que Hawk pudesse alcançar Bello, Mina se adiantou num movimento rápido e preciso. Com a chave de fenda ainda na mão, ela tocou o bastão do mambonês, e um choque elétrico intenso pulou pelo metal, fazendo Hawk gritar e recuar, seus músculos tremendo sob a descarga.
Bello ficou paralisado por um instante, boquiaberto diante da habilidade inesperada de Mina. Por um segundo, o olhar dele suavizou, quase derretendo.
— Caramba... — murmurou ele, com um brilho novo nos olhos. — Você não é só uma engenheira, hein?
Mina deu um sorriso rápido, sem tirar os olhos da batalha que continuava a se desenrolar ao redor deles.
O grito de Hawk ecoou pela sala de contenção enquanto ele cambaleava para trás, o corpo ainda tremendo da descarga elétrica. Lacey, vendo seu companheiro em apuros, lançou um olhar furioso para Mina, as chamas ilusórias se intensificando, prontas para atacar.
— Cuidado! — gritou Bello, puxando Rita para trás enquanto sacava o blaster com rapidez.
Goomo, ainda de olho nas telas do drone-camaleão, tentava encontrar uma brecha para ajudar a equipe, enquanto Mina se preparava para o próximo movimento, firme e determinada.
— Não vai ser tão fácil assim! — rosnou Derek, avançando com o blaster em punho, correndo em direção aos viajantes espaciais.
A tensão crescia, mas o grupo sabia que agora, mais do que nunca, precisavam trabalhar junto ou aquela base não seria só uma prisão, mas um túmulo.
Chapter 17: Ponto de Ignição
Summary:
O quarteto continua tentando escapar da base dos Phantom Blazers, mas algo do passado de Mina começa finalmente a aparecer.
Chapter Text
A tensão era sólida como ferro naquele momento.
Mina se esquivava com agilidade, desviando das serpentes flamejantes ilusórias que Lacey conjurava com um sorriso cruel. Seus dedos seguravam firme a chave de fenda, não era só uma ferramenta, era sua arma, sua resistência.
Ela usava cada centímetro de seu conhecimento técnico para drenar a energia das ilusões, enquanto lançava pequenos choques nos ataques físicos dos outros Phantom Blazers. Hawk ainda se recuperava da eletrocussão, o que ajudava, mas Derek e Doc continuavam avançando implacáveis.
Mina desviou de mais um golpe pesado desferido por Doc, sentindo o ar escapar de seus pulmões com o esforço. Sua respiração tornava-se ofegante, o suor escorria pela testa, mas ela não podia se dar ao luxo de fraquejar. Não era a mais forte dos lutadores, mas o treinamento intenso que recebera em combate real lhe dava uma vantagem crucial: agilidade, precisão e resistência.
Ela rolou para o lado, recuperando o equilíbrio com rapidez, e girou a chave de fenda na mão, pronta para a próxima investida. A jammboniana azulada então percebeu a dificuldade dos companheiros em continuar a luta. Goomo tentava desesperadamente desviar dos golpes de Doc, quase sendo acertado por um de seus socos. Bello tentava proteger Rita de Hawk, que o atacava furiosamente, mas, com Derek em sua cola, era quase impossível para o piloto lutar contra dois ao mesmo tempo.
Então, a voz sussurrante de Lacey ecoou pelas sombras ao redor:
— Mina… você acha que pode escapar das marcas do passado?
A figura de Lacey surgiu mais próxima, os olhos brilhando com uma luz fria enquanto ela estendia as mãos, tecendo uma teia de ilusões ao redor de Mina. De repente, tudo ao redor dela mudou, o chão desapareceu e ela se viu num laboratório em chamas, os alarmes soando e a fumaça sufocando.
Era uma cena que Mina conhecia até demais: ela, criança, correndo desesperada, carregando um corpo ensanguentado, tentando escapar daquele inferno flamejante. Os sons das sirenes martelavam seu cérebro, fazendo-a estremecer com uma dor aguda. Ela ofegou ao perceber que aquela visão era a repetição exata dos seus pesadelos recorrentes, um lugar em chamas, a fumaça sufocante, e aquele corpo pesado nos braços, que ela não conseguia identificar.
E sangue. Muito sangue.
O aperto no peito de Mina se intensificou, como se um punho invisível esmagasse seu coração. A respiração, antes ofegante, virou um turbilhão descontrolado, com os pulmões se recusando a expandir direito. Sua visão começou a escurecer nas bordas, o suor frio escorrendo pela testa, enquanto seu corpo tremia involuntariamente.
Ela cambaleou, os joelhos quase cedendo sob o peso da angústia. As mãos apertaram o peito numa tentativa desesperada de conter a dor sufocante. O mundo ao seu redor parecia se distorcer, os sons tornaram-se abafados, os contornos das paredes do laboratório incendiado pulsavam e ondulavam como se fossem feitos de fogo líquido.
Um medo primitivo tomou conta dela, puro e paralisante, ativando a hematofobia que ela tanto lutava para controlar. Cada gota vermelha, cada mancha escarlate do sangue imaginário parecia viva, crescendo e se espalhando, ameaçando engolir tudo.
Mina caiu de joelhos, o corpo tremendo enquanto um ataque de pânico a dominava por completo. Sua mente gritava para escapar daquela ilusão cruel, mas suas pernas não obedeciam. O desespero era tão real que ela sentia como se estivesse afundando num abismo sem fim, sem ar e sem esperança.
As luzes da ilusão pareciam se adensar ao redor de Mina, como um cobertor sufocante de lembranças distorcidas. O calor das chamas era irreal, mas o terror era absoluto. No meio desse colapso mental, surgiu uma voz suave, calma… quase carinhosa, mas com um veneno sutil em cada sílaba.
— Você lembra, não lembra? — murmurou Lacey, sua voz ecoando como se viesse de todos os lados. — O fogo, os gritos… o sangue. Sempre o sangue.
Mina apertou os olhos, tentando expulsar a imagem. Mas a voz continuava, implacável.
— Tão pequena… tão frágil. Você não conseguiu salvá-lo, não é? Por mais que tentasse... ele já estava morto. Você só estava carregando um cadáver.
As palavras penetravam como agulhas em sua mente, cada uma despertando memórias e sensações enterradas sob camadas de lógica e disciplina. Mina tremia, curvada no chão da ilusão, as mãos espalmadas contra o solo imaginário, tentando firmar sua consciência.
— Essa é você, Mina. — sussurrou Lacey, agora erguendo o queixo da cientista, forçando-a a encara-la. Invisível, mas presente. — A garota prodígio… a criança gênio… a que sobreviveu. Mas a que nunca esqueceu o cheiro de carne queimada, o som do osso se partindo, o gosto metálico do sangue.
Mina ofegou, engasgando em um soluço. O campo ilusório pulsava com sua dor, alimentado por cada batida acelerada de seu coração.
— Você não é uma guerreira. — disse Lacey, quase com doçura. — Você é uma cicatriz mal curada. E agora... você vai queimar...
As chamas à volta da ilusão aumentaram, e a figura que Mina mais jovem carregava virou lentamente o rosto ensanguentado era o dela mesma, olhando de volta com olhos mortos.
Mina gritou.
Mas do outro lado da ilusão, na realidade, seus amigos ouviam apenas um som seco e abafado… um sussurro partido vindo dela, em colapso.
A cientista tremia, afundada naquele pesadelo antigo que se reabria como uma ferida viva. As paredes do laboratório queimavam ao seu redor, o sangue em suas mãos parecia colar em sua pele como tinta viva. Ela sentia que estava se desfazendo. Perdida.
Então, no meio do caos, algo cortou a fumaça.
Algo quente.
Algo real.
Um par de braços a envolveu, firmes, mas cuidadosos. O cheiro de óleo de motor, poeira de estrada e um leve toque de canela invadiu seus sentidos. A dor ainda ardia, o pânico ainda queimava, mas aquele toque... era sólido.
— Doutora... — veio a voz, rouca, ofegante, real. — Ei, ei... sou eu. É o Bello. Tá tudo bem, tá? Tá tudo bem agora. Respira comigo.
O calor da ilusão começou a rachar como vidro sob tensão. O chão instável se dissolvia, e a figura ensanguentada desaparecia. Só restava o som da respiração de Bello contra o ouvido dela, o jeito como ele a segurava como se o mundo inteiro pudesse desabar, e ele ainda assim seguraria.
— Eu tô aqui, tá? — continuou ele, a voz mais suave que ela jamais ouvira sair de sua boca. — Respira comigo. Isso, só respira. Ninguém vai machucar. Você não tá sozinha.
Ela começou a corresponder, o corpo ainda em choque, mas se permitindo escorar nele. O campo de ilusão se fragmentou num estalo, Lacey recuando com uma expressão de incômodo, como se tivesse sido queimada por dentro.
— Tsc… laços emocionais. Sempre essa fraqueza... — murmurou Lacey, apagando as chamas ilusórias com um gesto amargo.
Enquanto isso, Bello apertava Mina com um pouco mais de força, passando a mão por seus cabelos azul celeste, protegendo-a como se o universo inteiro estivesse contra eles.
— Isso, respira, doutora. Devagar, sem pressa… — disse ele, tentando manter a voz suave, mesmo com o caos da batalha explodindo ao redor. — Você tá comigo, tá? Eu tô aqui.
Mina se agarrava à voz dele como a uma corda jogada no meio de um abismo. Os tremores em seu corpo começavam a diminuir, embora seus olhos ainda estivessem arregalados, vidrados no vazio que restava da ilusão. Sua respiração ia desacelerando, aos poucos. Cada inspiração puxada por esforço, cada expiração um fio da ilusão sendo deixado para trás.
— Não foi real… não foi real… — ela murmurou, repetindo para si mesma, como um mantra quebrado.
Bello apoiou a testa na dela, os olhos fechados, ignorando completamente o campo de batalha atrás de si.
— Não. Mas eu sou. E se depender de mim, ninguém nunca mais vai te deixar naquele tipo de lugar.
Mina piscou, os olhos se enchendo d’água, não de dor, mas de alívio. Quando ela finalmente encarou Bello, viu o medo nos olhos dele, o medo de tê-la perdido dentro da própria mente.
Mas também viu outra coisa ali. Algo mais silencioso. Mais íntimo.
— Você é um idiota. — ela sussurrou, com a voz rouca, e um sorriso fraco começando a nascer.
— Um idiota funcional. — respondeu ele, com um sorrisinho torto.
Do outro lado da sala, Goomo lançava uma esfera de energia que explodiu perto de Hawk, afastando o oponente com uma nuvem de fumaça.
— Gente? Eu tô atrapalhando o momento ou vocês querem que a gente morra abraçadinho mesmo?! — gritou o jammboniano magenta, puxando os dois de volta à realidade.
Mina respirou fundo, recobrando o foco. As mãos ainda tremiam, mas agora havia um brilho determinado de volta em seus olhos.
— Certo… vamos sair daqui.
Bello ajudou ela a se levantar.
— Aí sim, doutora. Bora mostrar pra esses lunáticos por que mexer com a gente é burrice.
Goomo, com as mãos trêmulas mas os reflexos rápidos, puxou uma pequena esfera metálica de sua mochila, girando um dial lateral até que uma luz verde piscasse.
— Hora do truque de mágica número sete! — gritou ele, arremessando a bomba de fumaça no centro do campo de batalha.
Um chiado agudo preencheu o ambiente por um segundo, seguido por uma explosão abafada que espalhou uma densa nuvem cinzenta por todo o corredor. A fumaça engoliu os Phantom Blazers, obscurecendo sua visão e embaralhando suas formações. Hawk rugiu de frustração, e Lacey tentou dissipar a fumaça com suas ilusões flamejantes, sem sucesso.
— CORRE, CORRE, CORRE! — berrou Goomo, puxando Rita pela mão enquanto disparava pela lateral do laboratório.
Bello segurava Mina pelo braço, ainda cuidando de seus passos como se ela fosse feita de vidro. Mas agora, ela corria firme, empurrando para longe os últimos ecos da ilusão e do pânico.
O grupo atravessava o corredor a toda velocidade, aproveitando a distração causada por Goomo para se afastarem dos Phantom Blazers. Os alarmes vermelhos piscavam como relâmpagos constantes, e a base inteira tremia sob seus pés, rangendo como se prestes a desabar.
De repente, uma porta lateral se abriu com um estrondo hidráulico, e três capangas surgiram no caminho, todos equipados com blasters de pulso e bastões elétricos, uniformes pretos reforçados com armaduras leves. Os olhos dos soldados brilharam sob os visores enquanto apontavam as armas.
— FIM DA LINHA! — gritou um deles.
— Fim da sua paciência, talvez. — rosnou Bello, Atirando em um deles com o blaster.
O capanga soltou um gemido de dor ao ser atingido pelo feixe de luz direto no peito, tombando contra a parede. Os outros dois, alarmados, ergueram as armas em reflexo, mirando no grupo com precisão militar.
Mas Rita foi mais rápida.
Ela puxou a boneca Princesa, girando-a em suas mãos com uma velocidade quase impossível de acompanhar. Um clique metálico soou, e em seguida ela a lançou com precisão cirúrgica. A boneca ricocheteou nas paredes como um projétil encantado, atingindo os três capangas em sequência com uma força inesperada — tac! tac! tac! — derrubando todos com gemidos sufocados e um amontoado de armaduras no chão.
Silêncio.
Bello piscou, incrédulo. Depois olhou para Mina, depois para Rita, depois de volta para Mina, como se estivesse tentando decifrar se o que viu realmente tinha acontecido.
— Tá. Pergunta sincera: o que exatamente vocês duas comem no café da manhã?
Rita sorriu com inocência exagerada, pegando a boneca de volta do chão.
— Chá de erva doce com bolinhos!
Mina passou por ele, ajeitando o jaleco e empurrando seu ombro com leveza.
— Café expresso, três cargas de glicose e um pouco de canela.
Bello ergueu as sobrancelhas, dando um passo para trás, meio em tom de brincadeira.
— Me lembra de não mexer com vocês duas na TPM.
Depois de correrem pelo corredor (enfrentando mais alguns pares de capangas, com direito a um show de violência gratuita de Mina), eles chegaram ao lugar onde Bello deixou a hoverbike estacionada. Goomo correu à frente, ativando o painel da moto.
— Tá tudo pronto! Só subir e vamo embora! — gritou, animado.
Rita já subia na garupa, enquanto Mina, ofegante mas firme, olhava ao redor em alerta. Bello ia logo atrás, preparando-se para assumir o controle da hoverbike, quando um disparo cortou o ar, atingindo a parede a centímetros de sua cabeça. Ele se jogou para o lado por reflexo, protegendo Mina no mesmo movimento.
O som do impacto ecoou, passos no chão metálico eram ouvidos.
No fim do corredor, ainda envolto pela fumaça ondulante, Derek surgiu com o blaster ainda fumegando em mãos. Seus olhos estavam cravados em Bello, brilhando com uma fúria incandescente que fez o piloto perder por um segundo sua habitual confiança.
— Fuga corajosa… mas covarde. — ele rosnou, a voz carregada de rancor. — Ninguém vira as costas pra mim, Trovão Vermelho.
A expressão de Bello se endureceu. Os ombros que antes carregavam sua típica irreverência, agora estavam tensos, prontos para ação.
— Já tô ficando cansado desses nomes dramáticos, dessas ameaças… e principalmente de você. — Ele ergueu o blaster, apontando direto para Derek. — Vai querer lutar, ou só fazer discurso?
Derek riu baixo, um som rouco e amargo.
— Vou destruir tudo que você protege, pedaço de merda.
Bello manteve o blaster firme, os olhos presos em Derek como se todo o resto do mundo tivesse desaparecido. O calor do disparo anterior ainda pairava no ar, e o som distante dos alarmes ecoava pelas paredes da base.
— Vão na frente. — disse ele, sem desviar o olhar. — Eu seguro esse psicopata.
— O quê?! — Goomo arregalou os olhos. — Você enlouqueceu?! Ele quer matar você!
— Já estou acostumado com gente querendo minha cabeça. — ele deu seu sorriso usual. — É um dos pecados de ser tão incrivelmente foda.
Mina hesitou, olhando de relance para Derek e depois para Bello. Ela sabia que não podia convencer aquele ruivo teimoso a desistir quando ele fazia aquela cara, o sorriso arrogante e destemido que ela viu na corrida da floresta mutante, queria praticamente sua marca registrada. A cientista suspirou fundo, dando um último olhar para o piloto e assumiu o controle da hoverbike.
— Vê se não morre. — disse apenas, com a voz firme.
— Ainda tenho que cobrar pelo resgate, lembra? — Bello respondeu com uma piscada rápida, como se quisesse esconder o medo que começava a crescer em seu peito.
Sem dizer mais nada, Mina girou o acelerador. A hoverbike disparou pelo corredor de aço, cortando a névoa eletromagnética como uma flecha. O som do motor se misturou aos alarmes e ao eco dos passos de Derek e Bello, agora frente a frente.
Derek ergueu o blaster com um sorriso torto.
— Olha só. Ficamos só nós dois, Trovãozinho.
Bello girou o ombro, ajustando a mira do próprio blaster. Seu sorriso voltou, meio torto, meio cansado, mas ainda presente.
— Vamos dançar, Darth Emo.
Chapter 18: Um Tiro no Escuro
Summary:
Bello e Derek tem o seu tão ansiado combate, bom, pelo menos para Derek.
Chapter Text
Dentro da base, os disparos ecoavam como trovões em corredores estreitos.
O blaster de Bello tilintava com cada tiro, seus pés se movendo com a precisão instintiva de quem aprendeu a sobreviver no fio da navalha. Derek vinha como uma sombra raivosa atrás dele, os disparos do seu blaster cortando o ar com violência.
— Não importa o quanto corra, playboyzinho de merda! — vociferou Derek, desviando de um tiro e chutando um contêiner metálico no caminho. — Você sempre foi só isso. Um acidente esperando pra acontecer!
Bello se jogou atrás de uma coluna, ofegante, mas ainda com aquele maldito sorriso no rosto.
— Nossa, cara, você é tão amargurado… — disse, espiando por cima da cobertura. — Que tal você só relaxar? Conheço um creme facial que talvez melhore essa sua cicatriz feia. Ou pelo menos esconde o mau humor crônico.
Derek respondeu com uma saraivada de tiros que arrancou faíscas do metal. Bello rolou para o lado, rindo como uma hiena.
— Aí ó, tá vendo? Reações emocionais instáveis, impulsividade extrema… — Bello saltou para o alto de uma tubulação caída, equilibrando-se como se estivesse em um palco. — Certeza que seu terapeuta te abandonou por exaustão.
— Cale. A. Boca! — Derek rosnou, os dentes cerrados, enquanto avançava com fúria.
— Ih, pegou na ferida? Foi mal. — Bello deu um mortal para trás ao desviar de mais um disparo, caindo com leveza e já em movimento. — Vai ver é por isso que perdeu a corrida. Ninguém corre bem quando tá ocupado remoendo mágoas de ensino médio.
Derek rugiu, mais fera do que homem, e avançou com toda a fúria acumulada, o blaster tremendo em sua mão.
Bello então disparou para fora da base, os pés batendo contra o metal enquanto a escuridão e a névoa eletromagnética engoliam tudo ao redor. A fumaça cintilava em tons arroxeados, distorcendo luzes e formas, abafando sons, transformando o mundo em um campo de sombras e silêncios cortados por lampejos ocasionais.
Ele enxugou o suor da testa com o antebraço e sorriu, não o sorriso galanteador de sempre, mas um de foco absoluto.
Agora é comigo.
Derek não podia ver bem nessa névoa. Mas Bello… Bello tinha algo a mais.
Ele puxou os óculos de piloto para os olhos. O visor se acendeu imediatamente com uma interface translúcida, escaneando o ambiente e filtrando a névoa em tempo real. Marcadores digitais destacaram cada objeto ao redor: formas de calor, estruturas, rotas de fuga… e, é claro, o próprio Derek, um borrão vermelho intenso de raiva e calor.
O Jammboniano ruivo correu em zigue-zague, aproveitando sua vantagem. Derek atirava às cegas, os disparos passando longe, estourando pedaços de solo e detritos, criando crateras incandescentes. O piloto, porém, desviava com precisão quase cirúrgica, rolando, saltando, disparando com calma entre um movimento e outro. Ele sentia o ritmo da batalha, e como Derek estava começando a perdê-lo.
— Vamos, grandão… — murmurou Bello entre os dentes, os olhos fixos no vulto à frente. — Só mais um passinho pra direita...
Ele apertou o gatilho.
O feixe de luz cortou a escuridão e raspou o ombro de Derek, arrancando um urro gutural do jammboniano cinzento. O impacto foi forte o suficiente para fazê-lo cambalear e soltar o blaster, que caiu no chão com um som metálico e seco. O piloto comemorou com um grito rouco e exagerado, como se tivesse vencido um jogo de fliperama.
— YEAH! Isso que eu chamo de jackpot, seu punk mal vestido!
Mas o entusiasmo foi sua queda.
Num reflexo instintivo, ele virou o rosto para a direita, tentando enxergar através da névoa se Mina e os outros já estavam à frente, fora de perigo. O Jammboniano ruivo então notou que eles estavam à alguns metros de onde ele estava, seguros o suficiente para que Derek não os notasse naquela neblina densa.
Foi só um segundo. Mas foi o suficiente.
Quando ele voltou os olhos para o alvo, Derek já não estava mais lá.
— Espera, cadê o…?
E então, como um pesadelo brotando das sombras, Derek surgiu à queima-roupa, olhos em brasas, respiração arfante, o ombro sangrando, mas firme.
— Achei você…
A mão de Derek agarrou Bello pelo pescoço e o jogou contra o chão com força brutal. O impacto fez o visor piscar e os óculos caírem de sua cabeça. O ar escapou dos pulmões do piloto com um baque seco.
— Bonitinho, esses óculos. Pena que não mostram a própria estupidez. — Derek rosnou, montado sobre ele, as mãos apertando seu pescoço.
Bello se contorcia, tentando empurrá-lo, mas Derek era mais forte, mais pesado e estava cheio de ódio. As bordas da visão do piloto começaram a escurecer, enquanto Derek ainda o encarava com o prazer sádico de finalmente estar por cima.
— Eu avisei que ia destruir você. — disse Derek entre dentes cerrados. — Você não é um herói. É só um fracasso disfarçado de piada!
Os dedos dele apertaram ainda mais. O som ao redor de Bello ficou abafado, distante.
Mas então, algo brilhou nos olhos do piloto.
Não era medo.
Era atrevimento.
O aperto em seu pescoço era sufocante, os dedos de Derek, como grampos de ferro, cravavam-se em sua garganta. A visão começava a embaçar, cada batida do coração ecoando como um tambor desesperado em seus ouvidos. Mas, mesmo à beira da inconsciência, seus neurônios trabalhavam freneticamente, formando um plano improvisado.
E então, ele decidiu jogar todas as cartas na mesa, mesmo que precisasse jogar sujo.
Bello abriu um sorriso, mesmo sufocando. Um sorriso torto, provocador. Inapropriado.
— Derek… — arfou Bello, com dificuldade. — …você tem noção… do quanto fica sexy quando tá com raiva?
O vilão hesitou por um segundo, os olhos faiscando. A mão ainda apertava seu pescoço, mas agora com menos firmeza, como se o cérebro dele tentasse decidir entre matar ou sair correndo.
— Seus olhos… — continuou Bello, mesmo com a voz falhando, mas ainda forçando aquele sorriso provocador. — Tão cheios de ódio… Brilham até no escuro dessa névoa… Nossa, se eu ganhasse uma moeda toda vez que um cara gostoso me encurralasse assim, suado, respirando pesado e dizendo que vai me destruir… eu compraria uma mansão…
Derek arregalou os olhos. A mandíbula se contraiu.
— Que tipo de… doente você é!?
— Um… muito bonito. — respondeu Bello, cuspindo um pouco de sangue com um charme quase teatral. — Mas pega leve comigo, tá? Eu sou meio… sensível.
A resposta atingiu Derek como uma faísca atingindo um tanque de combustível, mas em vez de explodir de imediato, ele ficou travado. E esse foi o momento certo para o piloto reagir.
Bello deu uma joelhada certeira entre as pernas de Derek.
O grito do vilão ecoou por toda a base.
— SEU DESGRAÇADO! — berrou Derek, caindo de lado com o rosto contorcido em dor, as mãos protegendo o golpe certeiro.
Bello rolou para longe, tossindo forte, os dedos pressionando o próprio pescoço, o peito subindo e descendo em ritmo frenético. Ainda assim, não conteve a risada rouca.
— Trovão Vermelho, baby… — Ele deu um sorriso atrevido, ainda ofegante. — o único piloto que flerta até quando quase morre.
Ele então puxou os óculos de volta aos olhos, a interface piscando com dados ao reconhecer a névoa ao redor. Sem perder tempo, ele se levantou e correu, disparando por entre a fumaça eletromagnética. Seus passos eram apressados, mas precisos, guiados tanto pelo visor quanto pelo instinto. O chão trepidava sob seus pés, as sirenes distantes ecoavam ao fundo, a base estava em um caos total.
Logo à frente, entre sombras e faíscas, ele viu a silhueta familiar da hoverbike e, junto a ela, Mina, Goomo e Rita, já em posição de partida. Mina o viu primeiro, e seu alívio se disfarçou rapidamente atrás de um olhar irritado.
— Você demorou. — disse ela, com o motor da bike ronronando sob suas mãos.
— Tive um encontro… — Bello ofegou, saltando na parte de trás da hoverbike com um giro ágil. — Intenso. Meio apaixonado. Não deu certo.
— Ai, credo! — exclamou Goomo, franzindo o rosto em uma careta enojada.
— A gente pode falar disso depois, né?! — gritou Rita, agarrada firme ao suporte da hoverbike, com sua boneca já preparada para o combate.
Mina bufou, revirando os olhos, e sem perder tempo, ela girou o acelerador e a hoverbike disparou como um raio pela névoa magnetizada, cortando-a como uma lâmina afiada.
Atrás deles, a base se tornava apenas um vulto distorcido, escondido na escuridão, enquanto as sirenes abafadas ecoavam à distância. Bello se segurava com força, o corpo ainda dolorido da luta, mas os olhos atentos atrás dos óculos. Ele lançou um olhar rápido para Mina, que mantinha o foco absoluto na rota de fuga, o maxilar cerrado, os cabelos azul celeste tremulando ao vento como uma bandeira de guerra.
— Ei, doutora… — disse ele, entre um solavanco e outro, com a voz mais baixa dessa vez. — Você… tá bem?
Mina não respondeu de imediato. Seus olhos continuavam firmes, mas o aperto em suas mãos nos controles suavizou um pouco.
— Vou ficar. — respondeu, por fim, sem virar o rosto. — Ainda tô meio... tremendo por dentro. Mas vou ficar
Bello assentiu devagar. Um sorriso suave surgiu em seu rosto enquanto ele puxava distraidamente um dos fios soltos do cachecol laranja de Goomo, que voava entre eles com o vento.
— Só queria deixar registrado que você foi foda lá atrás. Tipo… mesmo com tudo. Com a ilusão, o pânico. Você ficou de pé. É mais incrível do que eu pensava.
Mina soltou uma risadinha seca, balançando levemente a cabeça.
— Isso é um elogio? Ou você tá admitindo que me subestimou?
— Os dois. — ele disse, sem hesitar, com um sorriso torto. — Mas só porque agora eu tô começando a entender o quanto você é forte.
Ela não respondeu de imediato. Mas um leve rubor subiu em seu rosto, visível mesmo sob as luzes piscantes que refletiam na carcaça da hoverbike.
— Obrigada, Bello. — disse em voz baixa, quase num sussurro.
Ele sorriu de novo, agora de forma mais leve.
— De nada, doutora.
Rita, revirou os olhos dramaticamente, interrompendo o momento com um sorriso malicioso.
— Ok, agora vocês têm permissão para se beijar. Mas eu esqueci meu smartphone na Hiperba, então sejam rápidos.
— RITA! — os dois disseram ao mesmo tempo, o que fez a garota menor dar uma risadinha.
A hoverbike disparava sob céu noturno, e por um instante, apesar do caos, da perseguição e do perigo iminente, havia apenas aquele momento. Uma pausa pequena no meio da tempestade.
E era tudo o que precisavam agora.
Chapter 19: Rabiscos de um Novo Futuro
Summary:
A poeira finalmente abaixou após o encontro com os Phantom Blazers e Mina descobre algo sobre seu piloto que ela não esperava.
Chapter Text
A hoverbike cruzava a cidade de mochi sob o céu estrelado. As luzes flutuantes da cidade piscavam suavemente, como se tentassem imitar o brilho das estrelas acima. Alguns mamboneses ainda rondavam as ruas, prontos para encerrar mais um dia repleto de atividades.
Mina manteve as mãos firmes no guidão, os olhos atentos, embora carregassem traços visíveis de cansaço. A fuga da base dos Phantom Blazers havia terminado, mas seu corpo ainda ecoava os resquícios da tensão. A adrenalina havia se dissipado, deixando para trás apenas o peso abafado do que presenciara.
O vento frio da noite batia em seu rosto, ajudando a mantê-la desperta, mas as imagens das ilusões criadas por Lacey ainda dançavam nos cantos da sua mente. O cheiro de fumaça, o sangue, os gritos… fantasmas que não desapareceriam tão cedo. Por muito anos, ela tivera esses pesadelos recorrentes, embora nunca conseguisse se lembrar com clareza do que exatamente via neles, apenas a sensação sufocante de medo e perda.
Mas naquela noite, tudo parecia mais vívido. Como se Lacey tivesse tirado algo do fundo de sua memória e forçado à superfície.
Ela apertou o acelerador com um pouco mais de força, como se a velocidade pudesse deixá-las para trás.
Logo adiante, a torre de Cid surgiu no horizonte, elegante e reluzente sob a luz das estrelas. As janelas brilhavam em tons suaves e acolhedores, um contraste gritante com a escuridão que haviam deixado para trás. Mina pousou a hoverbike suavemente diante da estrada principal, anotando mentalmente que ainda precisava repreender Bello por tê-la roubado, mesmo que, no fim, tenha sido por necessidade.
Os outros três desceram do veículo, todos exaustos e machucados pelas lutas. Bello coçava o pescoço sem parar, ainda com marcas visíveis do confronto com Derek. Goomo praticamente adormeceu nos degraus da escadaria, o corpo tombando lentamente. Rita, por sua vez, apertava com força sua boneca Princesa, como se aquilo a ajudasse a manter os olhos abertos.
Cid surgiu à porta, segurando uma xícara de chá fumegante entre as mãos. Seu olhar percorreu o grupo com uma expressão que oscilava entre confusão e desdém, como se tentasse decidir se os deixaria entrar ou os mandaria direto de volta para a rua.
— Vocês parecem ter saído de uma máquina de lavar com defeito. — disse o inventor, ajustando os óculos com um suspiro. — O que diabos aconteceu com vocês?
— Quer a versão resumida ou a versão com os cortes do diretor? — rebateu Bello, ainda coçando o hematoma no pescoço. — Seja qual for, é uma longa história.
Cid bufou, girando nos calcanhares para abrir mais a porta.
— Então poupem o meu chá da versão estendida. Entrem logo antes que comecem a sangrar no meu tapete.
Mina entrou sem uma palavra, seguida por Goomo, que tropeçou nos próprios pés de tão exausto, e Rita, que arrastava a boneca como se tivesse acabado de sair de uma guerra de brinquedos.
Bello, por último, bateu levemente na porta antes de atravessar o limiar, lançando um olhar provocador para Cid.
— Bonita recepção, hein. Um travesseiro e uma plaquinha de “bem-vindo de volta” teriam sido legais.
— E um tapa na testa também. — murmurou Cid, virando-se para fechar a porta.
A torre os envolveu com seu calor mecânico e familiar. O cheiro de óleo, chá e cabos aquecidos parecia reconfortante depois de tanto tempo em tensão. Mina então se virou, ainda suja de fuligem e exausta, mas com os olhos firmes. Encarou o velho inventor.
— Eu ainda não desisti. — disse, com a voz firme. — Se você não quer contar sobre Eldoro, tudo bem. Mas eu vou descobrir a verdade, nem que eu tenha que arrancá-la de você.
Cid a observou por um momento, silencioso. Seus olhos brilharam por trás das lentes grossas, mas ele não sorriu.
— Você fala igual a ele, sabia? — murmurou, antes de dar as costas. — Amanhã falaremos sobre isso. Descansa essa teimosia por hoje.
Mina ficou parada por um instante, digerindo as suas palavras, até que Bello apareceu ao seu lado e ergueu uma sobrancelha.
— E eu achando que eu era o dramático da equipe.
— Cala a boca, Bello. — respondeu ela, mas sem a irritação de sempre. Só cansaço.
— Tá, tá. Mas por via das dúvidas, vou dormir com um olho aberto. Vai que você resolve arrancar alguma coisa de mim também. — ele riu, dando-lhe uma piscadela.
A cientista revirou os olhos, mas não conseguiu evitar uma risadinha abafada. Por mais irritante que Bello fosse, ela precisava admitir, ainda que só para si mesma, que devia a ele por ter conseguido despertá-la daquele estado de pânico. Ele, com seus comentários idiotas, seu jeito impulsivo… tinha feito mais do que qualquer cálculo que ela tivesse resolvido.
— Obrigada. — disse, quase num sussurro, já virando de costas.
— O quê? — ele perguntou, erguendo uma sobrancelha.
— Nada. Falei com a parede. Vai dormir, idiota.
Bello sorriu, satisfeito demais com o “nada”. A noite na torre parecia menos pesada depois daquilo. Aos poucos, o silêncio foi tomando conta, embalando os quatro em um descanso mais merecido do que nunca.
Mas, enquanto todos dormiam, as engrenagens do velho Cid não paravam. Lá no topo da torre, em seu observatório forrado de mapas, registros holográficos e chá, ele olhava para uma imagem projetada: um arquivo antigo com o rosto de Eldoro. O mentor de Mina estava envolto em dados incompletos, parte censurados, parte perdidos.
Cid suspirou.
— Amanhã vai ser complicado...
E a luz se apagou.
Mina acordou com um sobressalto.
Ela respirava fundo, como se tivesse acabado de emergir debaixo d’água. O coração batia acelerado, e o suor frio escorria pela testa. Por alguns segundos, ficou ali sentada na cama improvisada, tentando entender se ainda estava presa em alguma ilusão de Lacey ou se finalmente havia despertado.
A cientista passou a mão pelos cabelos azulados, tentando se recompor. Outro pesadelo. Mas, dessa vez, parecia mais real. A voz de Lacey ainda ecoava em seus ouvidos, suave e venenosa, como uma cobra sussurrando ao redor de sua mente.
“Você é só uma cicatriz mal curada. E agora… você vai queimar…”
Ela se levantou devagar, evitando fazer barulho. Cruzou o pequeno cômodo onde dormia e abriu a porta com cuidado. Os corredores da torre de Cid estavam silenciosos, iluminados apenas pelas luzes de emergência azuladas. A noite ainda envolvia o lado de fora, mas o sono já não voltaria tão cedo.
Enquanto caminhava em direção à cozinha para pegar água, Mina notou uma luz fraca vinda da sala principal do laboratório. Curiosa, se aproximou, e parou à porta.
Bello estava ali, sentado de costas para ela, curvado sobre a bancada, totalmente concentrado. Um caderno estava aberto diante dele, e sua mão se movia com velocidade surpreendente, como se guiada por impulso. A jammboniana azulada se inclinou um pouco mais e viu o que ele fazia: desenhava.
Por um momento, ela paralisou. De todas as coisas absurdas que Bello poderia esconder, desenhar era a última coisa que ela esperava que ele fizesse. Os traços no papel eram firmes, expressivos. Havia criaturas, rostos, naves… e entre eles, sem dúvida, um retrato dela. Não era exagerado nem caricato, era calmo, delicado, capturava um lado seu que ela mesma raramente via. Os olhos no papel pareciam carregar o mesmo peso e brilho que ela sentia quando pensava no próprio passado. Era um espelho inesperado.
Curiosa, Mina se aproximou em silêncio, como quem tenta espiar algo proibido, o coração batendo um pouco mais rápido. Porém, ao pisar em uma das tábuas soltas do chão metálico, o rangido ecoou pela oficina como um tiro.
Bello levou um susto tão grande que quase derrubou o banquinho. Ele girou o corpo com um pulo, enfiando o caderno atrás das costas como se estivesse escondendo uma arma secreta.
— MIN— digo, doutora?! — ele se corrigiu rapidamente, forçando um sorriso nervoso. — O que tá fazendo acordada a essa hora?
Mina arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços.
— Eu podia perguntar o mesmo. — respondeu, com um tom seco. — Mas acho que já vi a resposta.
— Eu… não sei do que você tá falando. — Bello desviou o olhar, tentando se fazer de desentendido, as mãos ainda meio desajeitadas atrás das costas. — Acho que você tá bebendo café demais… já pensou em mudar pro chá? Camomila faz milagres.
Mina cruzou os braços, arqueando uma sobrancelha. Estava mais divertida do que brava.
— Bello…
— N-não tem nada! — ele interrompeu, a voz meio aguda demais pra soar convincente. — Você tá delirando! Ilusão residual da bruxa roxa lá! Aposto que foi isso! Você ainda não tá bem, precisa dormir! Descansa, doutora! O descanso é o combustível do cérebro! EU VOU INDO!
E, com isso, ele deu meia-volta tão apressadamente que quase tropeçou no próprio pé, bateu o ombro na bancada e saiu do laboratório improvisado meio de lado, tentando parecer casual, mas falhando completamente. De repente, um baque surdo, seguido por um grito de Rita, foi ouvido pelo corredor.
— Eu tô bem, tudo normal! — ele disse ao fundo.
Mina ficou sozinha, encarando a porta por onde ele sumira. Soltou um suspiro, balançou a cabeça devagar e sorriu de canto.
— Eu só ia dizer que eu gostei do desenho… — murmurou com carinho.
A jammboniana azulada se virou, passou os olhos pela bancada ainda aquecida e, com um toque cuidadoso, apagou a luz. Ainda era noite e ainda havia muito a pensar, mas, por um instante, tudo parecia mais leve.
O sol de Mambo filtrava-se pelas janelas altas da torre, tingindo o interior com tons dourados e lilases. A cidade começava a acordar, e o som distante dos carros e hoverbikes passando, vendedores abrindo suas barracas e crianças correndo pelas ruas formava um pano de fundo quase tranquilo, como se o mundo, por um momento, tivesse esquecido dos Phantom Blazers e de tudo que os aguardava.
No laboratório principal da torre, uma chaleira apitava suavemente. Cid girava uma colher dentro de uma xícara, os olhos semicerrados, ainda vestindo um roupão surrado com manchas de óleo e pantufas em forma de robô.
— Vocês dormem demais. — comentou ele, sem olhar para trás, quando os primeiros passos ecoaram na escada em espiral. — Principalmente o playboy ali.
— Ei! Eu preciso de pelo menos oito horas de sono pra manter esse rostinho bonito aqui! — retrucou Bello, apontando para o próprio rosto com indignação.
Cid resmungou alguma coisa sobre “prioridades erradas” e virou-se devagar, entregando uma caneca de chá para Mina, que a aceitou com um aceno contido. Ela parecia mais sóbria, concentrada. Goomo surgiu logo atrás, com os cabelos desgrenhados de sono e uma meia de cada cor.
— Tem pão? Eu sonho com pão desde ontem… — murmurou, já se jogando numa cadeira.
Rita desceu batendo palmas, empolgada como sempre, e foi direto para o canto do laboratório onde sua boneca já a esperava.
— Dormi como uma princesa no castelo de açúcar! — anunciou com um sorriso. — Literalmente. O Bello derrubou açúcar em mim ontem sem querer.
— O que explica o cheiro doce vindo de você — comentou Cid, fungando o ar com suspeita. — E talvez as formigas no corredor.
— Opa, foi mal! — disse Bello, erguendo as mãos em rendição. — Mas você tava com a xícara bem no meio da bancada. Alguém precisava de espaço pra desen...
Ele travou no meio da frase.
Mina arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços.
— Pra quê, mesmo?
Bello deu um sorriso tenso, desviando o olhar.
— ...pra preparar um lanchinho noturno. Chá com açúcar e... xarope!
Cid nem prestou atenção à troca. Colocou a chaleira no suporte, tomou um longo gole de chá e encarou o grupo com seriedade repentina.
— Muito bem. Agora que todos estão acordados, vamos ao que interessa. Não quero repetir o que tenho pra dizer — sua voz perdeu o tom zombeteiro e ganhou peso. — Já passou da hora de vocês saberem o que o Eldoro está fazendo.

LynAndHerlazilymadeAUs02 on Chapter 19 Tue 23 Dec 2025 12:54AM UTC
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