Work Text:
O olhar de Labirinto, direcionado diretamente para elu, foi um choque. Desprezo. O que poderia ter desencadeado aquele fato? Não faz sentido, ele não consegue enxergar que eles querem a mesma coisa? Nunca poderia imaginar que encontraria alguém tão parecido naquele inferno.
Enquanto estava na ordem, admitia para si mesma que não se esforçava muito, para o que quer que fosse. A vida sempre teve uma coloração diferente em sua perspectiva. O esforço em vão com coisas superficiais, como desenvolver laços ou treinamentos para missões fúteis, para salvar pessoas sem identidade, não vale a pena para Jae. Sua abordagem sempre foi guardada o melhor de si dentro de uma caixa decorada. Logo, no princípio tudo era tão fácil, tão simples, que tentava mais fazer que o suficiente não lhe parecesse necessário, não lhe despertasse nada além de indiferença e tédio.
Não, ela preferiria estar no plano de fundo enquanto esperava.
Esperava por uma oportunidade digna de esforço, por aquele momento em que pudesse se livrar dessa pessoa fracassada em que estava presa. Por descobrir aquela fagulha que seria capaz de incendiar tudo o que estava limitado a ser. Pela chance de rasgar a casca que tinha construída tão perfeitamente. Todo o seu foco só poderia ser direcionado para esse único objetivo. Até que ele conseguiu.
Poder. Imortalidade. Kian.
Ainda não consegui se lembrar exatamente de que forma viera para aquele lugar amaldiçoado. Talvez fosse uma proteção. Mas, caralho, como estava sendo bom. O sentimento de habitar um corpo que não lhe pertence. Um corpo mais forte do que seus devaneios mais loucos jamais imaginaram. Mais forte, mais bonito, mais confiante. Todos esses sentimentos são inevitáveis, o clímax de seu espetáculo. Finalmente.
Tudo era tão intenso. O cheiro de sangue permanente, impregnado em suas narinas. A ânsia por mais o tempo inteiro. O calor sufocante das pessoas à sua volta. Cada um deles parecia um complemento perfeito. Passar seus dias cercados por aqueles indivíduos, que, às vezes, tão sintonizados com seus desejos mais sombrios, permite-lhe se expressar da sua verdadeira forma. Flertar ou brigar era tão bom quando se podia ouvir respostas a altura do seu chamado. Ela tinha certeza de que todos tinham um motivo para estar ali e um desejo de fazer no final. Algo que não estava compartilhando. Mas, sinceramente, apenas um outro fez seu sangue ferver mais intensamente.
Desde o início, senti uma conexão estranha com Aguiar. Sentia que ele respondia aos seus movimentos antes mesmo que ele completasse sua ação. Lá no fundo, sabia que isso vinha de alguma estranha memória muscular, como se estivessem tão habituados a dançar juntos que os passos vinham naturalmente. Se eles estivessem mais envolvidos por uma camada de ódio ou de algo mais, elu não sabia identificar muito bem. Mesmo assim, isso não era relevante, visto que o frenesi da caça era inebriante. Já no primeiro dia, quando saímos os dois juntos, sabia que algo tinha se partido de maneira irremediável, ou melhor, se libertasse. Como elu poderia voltar a ser quem era antes?
Porém, foi no segundo dia, mais calmo, no qual apenas esperei na base, que começou a construir aquela fagulha. Labirinto. Não consegui colocar em palavras o que atraía Jae tanto. Talvez a facilidade que o levou a tomar o posto de líder, talvez a confiança e a autoridade que estava pintando sempre seu tom de voz. Via nele algo melhor, algo poderoso, que sempre almejou, quase como o reflexo de um espelho. Ao se deparar com a possibilidade de perder isso, de deixar esse projeto inacabado, pela primeira vez, viu algo que valia a pena lutar.
E, então, abaixou o capuz.
Opressão, libertação, fome. Poder. Se sentiu tão consumido por tudo. A respiração ofegante daquele animal colossal ao fundo. O olhar impenetrável e focado de Labirinto. Sua própria força. Aquele momento virou uma chave derradeira. Não existia espaço para fracasso, todas as partes do seu corpo vibravam de animação e desejo. E ela traria Labirinto consigo.
— Achou que eu iria te abandonar, bobinho? — O som de sua própria voz trazia um sorriso ao seu rosto que chegava a fazer as bochechas, a risada que agitou foi como um espasmo, incontrolável.
Acordar ao seu lado no dia seguinte assentar uma parte do seu coração. Jae tinha a impressão de que nunca poderia esquecer o som de seus gemidos combinados, de quem queria mais. Estava tão claro. Os dois possuem espíritos destinados a algo mais, algo maior. Quando suas peles se encostavam, era como se todas as suas preces fossem atendidas, sua ânsia tinha uma fonte para se alimentar e sua alma para fazer tanto quanto pudesse.
O baque veio logo depois. A impotência de não fazer nada contra as couraças, ao mesmo que via Aguiar em seu auge, que podia ouvir o som das balas de Kemi atingirem sempre seu alvo. Que escutava, através de uma névoa de dor e fúria, as risadas maníacas abafadas por aquele capacete horripilante, dando ordens para quem se colocasse em seu caminho. E, mesmo depois de tudo, ainda assim não é suficiente. Esse corpo falhou com ela. Sua burrice, em se entregar para uma pessoa que não lhe enxergava de verdade, foi responsável por fazê-la machucá-los. Ainda faltava algo. Chegar ao circo e encontrar o Dalmo naquele estado, lhe sugou as últimas esperanças.
"Você nunca vai ser suficiente. Você precisa de mais. Como você vai conseguir sair daqui, conquistando o que merece se não consegue nem resistir a uma noite de liberdade e palavras doces?" As palavras rodavam em ciclo, gritando em seus ouvidos, o sangue consumindo os fragmentos de racionalidade que estava tentando preservar.
Até que tudo para.
Labirinto.
A pressão dos seus lábios, impedindo-o de contar mais do que desvia. A força de suas mãos segurando seu rosto e ancorando seus pensamentos desordenados. Parecia que aquele momento em que Jae voltou para ele, estava sendo retribuído. Ele voltou também. Ele sabia o que era querer mais e estar disposto a qualquer coisa para ser melhor. Era tão óbvio. "A gente é perfeito junto." Não era isso que ele falou? O beijo é desesperado, tanto que dói um pouco, mas nada tem haver com aqueles que trocaram na noite anterior, esse é de entendimento. Uma espécie de calmaria distorcida se fixa e prende seu fôlego. Seus rostos se afastam lentamente e quando Jae olha nos olhos de Labirinto, encontra aquela fagulha.
Tinha que sentir aquele contato mais vezes. Apagar os resquícios de apatia que uma vez lhe fora familiar. Precisa trazer seus corpos para perto, saciar essa sede por alguém que saiba como é. Que sinta a mesma forma. Por isso, ele foi encontrado para sua cama, já drenado pelo longo dia, com uma vulnerabilidade que só Labirinto pôde presenciar. Dormir com o rosto dele instruído seu peito foi uma sensação indescritível. O melhor sono que ele pode se lembrar, mesmo que seu estoque de memórias ainda não seja tão extenso. Assim que os primeiros raios de um sol estranhamente vermelho nascem pelas frestas da casa velha, eles olham ao redor para seus companheiros adormecidos. Na medida em que consegue interpretar o significado do que viu enquanto dormia, a euforia aumentava. Finalmente, Jae tem uma resposta e Labirinto precisa saber, ele vai amar saber.
Elu coloca uma mão em sua boca para evitar que ele se assuste e o retire calmamente do sonho. Está tão ansioso para compartilhar o que se lembra que perde a maneira que a testa franzida de Labirinto revela um sono não tão esmagador, mas tão revelador quanto. Seus olhos se abrem com um véu de confusão e Jae se apressa para fazer um sinal chamando-o para ir a um local com mais privacidade.
Labirinto observa suas mãos tremerem de ansiedade e seu sorriso, não aquele maníaco que aparece entre as sombras de sua máscara, mas um que expressa uma alegria genuína e muitas expectativas. Infelizmente a conversa não ocorreu da maneira que Jae pretendia. Coloque a chave para sua honestidade nas mãos de Labirinto comprovada na abertura de emoções que ele não sabia como lidar. Ver aquela pessoa forte, que ele admirava e se espelhava, chorava copiosamente na sua frente depois de uma mínima abertura foi um ataque direto no seu coração. Ele não sabia como confortar alguém, especialmente alguém que genuinamente se importava. Se apressou em garantir que ele se sentisse ouvido, que ele pudesse chorar e confiar o quanto quisesse. Porque ouvir sua história, seus sentimentos, seu desejo, selou uma promessa há muito adormecida, mas que sempre esteve esperando ansiosamente. Eles seriam os melhores juntos, custe o que custar.
Então, quando uma oportunidade é apresentada na forma de uma porta e um cangaceiro, ela se agarrou imediatamente. É perfeito. Claramente Labirinto tem alguma relação com esse símbolo estranho, então ela vai descobrir o que isso significa e dividir os louros com ele. Tinha certeza de que seria capaz de lidar com o que quer que estivesse do outro lado da porta. Esse era seu momento, não tinha ninguém que lhe fosse impedir.
E então o sino toca uma segunda vez. Perfeito, preciso ser agora, só no momento que ela iria conseguir. Talvez aquilo tenha turvado um pouco seus pensamentos, a incógnita de não saber o que desencadeou aquilo. continuamente, elu olha para cima, para onde deixou Labirinto em segurança. Seus olhares se encontram e, mesmo através da longa distância que os separam, é nítido. Desprezo. Porquê?
Nesse seu pequeno momento de distração, no qual seus companheiros soltaram exclamações de surpresa ao seu redor, elu voltam seu olhar para a porta. Cristino não está mais ali. E a porta, antes de voltar em sangue e prestes a se abrir, parece inerte, tão inalterada quanto às velhas estruturas que formam a caverna.
A decepção lhe atinge como uma torrente e seus joelhos cedem sob a pressão do fracasso. Jae sabia que nunca esteve tão perto de algo tão grandioso, algo com capacidade de mudar tudo. Enquanto se lamentava no chão silenciosamente, nem mesmo percebeu quem ficou ao seu lado ou quem subiu. A última coisa que havia prestado atenção foi em Pomba e Eloy caindo nos braços de Kemi. E só porque a intenção do sacrifício foi pouco realizada se instalou nos cantos de sua mente. Por um segundo, embora a possibilidade, mas se dissuadisse disso rapidamente. Não conseguiria pregar os olhos no mesmo lugar em que sua equipe se fizesse isso, o que por sua vez dificultaria ainda mais completar o ritual. E lá no fundo, gostava de Kemi o suficiente para deixar-la resolver aquilo com as próprias mãos e, mesmo que não fosse chorar pela morte do Pomba, ainda tinha alguma espécie de afeição por ele.
Um barulho lhe tira do seu torpor, o elevador chegando. Jae olha e vê Labirinto sair de maneira calma de seu interior.
— A gente precisa ir, pessoal. Não sabemos o que aconteceu, então é melhor proteger na base. — Enquanto ele fala, a voz fria, dirigida aos três que ainda não tinham subido, seus olhos fogem de Jae. Ela sabe: ele está guardando o melhor para o final.
Então ela segue o jogo. Ela continua no chão esperando. Enquanto isso, ao olhar ao redor, vê Aguiar segurando a nuca de Henri como se este fosse um filhote de cachorro. Com gentileza suficiente para não machucar, mas força o bastante para impedir uma fuga. Ele olha para Labirinto enquanto passa e acena com a cabeça em um gesto de reconhecimento, indo esperar dentro do elevador, sempre sussurrando palavras inaudíveis para Henri.
Assim, sobram só os dois. Jae e Labirinto. A tensão forte entre os dois, mas ainda sim seus olhos se encaram profundamente.
— Você sabe porque eu fiz isso, né? — Jae quebra o silêncio carregado, a voz quase manhosa.
— Tenho minhas suspeitas, mas agora quero que você entre na porra do elevador.
Jae se levanta devagar, com as mãos atrás das costas, irreverente. Anda ficar até a uma distância mínima para que consigamos falar em um tom próximo de uma sussurrada, tão baixo que nem os ecos possam repetir.
— A gente fica tão bem juntinho, você mesmo me disse, Lab — e pontua com um selinho estalado em seus lábios. — Agora vamos.
Elu começa a ir em direção aos outros, a decepção momentaneamente esquecida em decorrência da presença aterradora de Labirinto. Mas, antes que ele possa ir muito longe, Labirinto o para. Num gesto rápido e elegante, com os longos dedos da mão esquerda, não lhe puxando pelo braço ou pelo queixo como muitas vezes já fez, mas agarrando seu pescoço. A pressão é o suficiente para cortar a circulação do ar, mas Jae só sente uma descarga de adrenalina e uma risada ofegante escapar. Óbvio que a palavra final precisa ser dele.
— Em casa a gente conversa.
Eles sobem o elevador em um desconforto claro. Os quatro sem saber o que fazer dali em diante. Jae gosta bastante de Aguiar, eles têm uma conexão diferente, como se fossem o mesmo lado de uma moeda desequilibrada, ambos de natureza impulsiva e sentimental. Quanto a Henri, ele respeita e sente pena dele ao mesmo tempo, com aqueles olhos de cachorrinho danificados que podem se transformar em ódio tão fácil. Mas era o homem alto, de membros compridos, que fazia o resto perder o foco, tudo o que importava eram eles dois. O seu desprezo não poderia ser final, Jae iria entender.
Quando chegaram lá em cima, viram Kemi abraçada nos homens fracos, já dentro do carro. Só havia mais duas vagas na parte da frente e ninguém estava em condição de ir suspenso do lado de fora.
— Pode ir você e o Henri, eu e Jae vamos andando. — Labirinto disse olhando para Aguiar. Era óbvio que ele queria discutir, mas não tinha outras opções, e só bastava um comando para que Aguiar obedecesse. Jae bufou com aquela cena, um homem tão grande facilmente controlável, era até adorável.
Então todos seguiram viagem, deixando, mais uma vez, os dois sozinhos.
— Tá virando moda já, eu e você contra a noite — diz Jae, começando a caminhar em direção a mansão. O seu corpo inteiro dói, mas elu não se permitiu deixá-lo alcançar.
— Já está pronto para levar isso a sério?
— Não sei o que te deu a impressão de que eu não estava levando as coisas a sério, benzinho — elu disse, o sorriso, que não deixou seu rosto, treinando um pouco suas palavras.
Labirinto emanava uma raiva óbvia que fazia Jae salivar de desejo. Continuaram andando juntos, em um ritmo lento, seguindo no rastro deixado pelo carro na esperança de que ele pudesse mascarar seus barulhos.
— Certo, me perdoe se interpretei errado. Talvez tenha sido algo da maneira que você continuou dando risada enquanto Eloy quase te matava. Depois de você ignorar completamente o meu plano, vale ressaltar — sua voz era baixa, mas forte.
Jae estava com vontade de ver até que ponto ele pudesse levar essa fachada.
— Eu não sei o que você quer que eu fale.
— Poderia começar me explicando porque você fez essa merda hoje.
— Ai, Labizinho, aquela mulher já estava me irritando há dias, então consegui a oportunidade perfeita. E ninguém tem nada pra reclamação, deu tudo certo, o Pomba tá bem, tá todo mundo bem — elu falou docemente.
Labirinto estava em conflito, era visível em suas feições. Jae só poderia imaginar a briga que estava acontecendo em sua cabeça. Eles andaram por mais alguns minutos em silêncio, que Jae fez questão de oferecer para que o outro pudesse entender a forma como lidaria com a situação. Elu entendeu que havia descumprido o plano, não era uma babaca completa, apenas descobriu que ele ainda estaria do seu lado. O plano que realmente importa diz respeito a se tornou a melhor versão deles mesmo, os dois queriam isso.
— Sabe, você é um problema. Deveria ter ficado com o Aguiar quando tive a chance — Labirinto quebra o silêncio e, apesar das palavras duras, é possível identificar um carinho.
Jae soltou uma gargalhada.
— Sou testemunha de que vale a pena. E acho que todo mundo consegue ver como ele parece um cachorrinho abandonando o rabo pra você. Acho que a gente consegue convencê-lo também.
O resto do caminho passou rapidamente, a tensão entre eles aumentando à medida que o contorno da casa se aproximava. As milhões de palavras não ditas pesando o clima. Ele estava esperando por alguma coisa. Quando se aproximaram, os movimentos dentro da casa indicaram que todos estavam no seu interior e o carro já na garagem. Então, Labirinto lhe agarra pelo braço, puxando em direção a casa da árvore. Eles sobem e Lab a empurra bruscamente para que caia na cama desconfortável.
— Eu já entendi que você quer poder, Jae. Que você é inconsequente e tem dificuldade de pensar na equipe. Mas, o que você falhou nesse seu planejamento, é lembrar que para você completar o hexatombe, você precisa de mais cinco pessoas. É preciso que eles queiram chegar no final com você, porque tenha certeza de que não falta gente para ocupar o seu lugar — Labirinto fala, sua altura imponente o fazendo parecer engolir Jae. — Mas, não precisa se preocupar, meu bem, eu vou fazer você entender.
Ele caminha a passos lentos, os músculos tensos por trás da capa. Jae já imaginava que iria ser daquele jeito, Labirinto tinha que ter o controle de tudo. Aquela pequena pontada de medo de perdê-lo já não existia mais. Ele sobe em cima da cama, seu corpo pesando sobre o de Jae, e prende suas mãos acima de sua cabeça, o deixando imobilizado. As pernas de Jae sobem para envolver o quadril dele. Ambos prendem um no outro, utilizando mais força do que seria considerado gentil, mas que os dois entendem como se agarrar a uma tábua de salvação.
— Você é completamente maluca — ele fala pausadamente, passando a língua pela lateral do queixo de Jae. — Para sua sorte, eu sou ainda mais.
Jae ri e Labirinto abre um sorriso malicioso. A euforia é tão forte que é quase palpável no ar. Amanhã eles podem morrer, Jae nem mesmo sabe como seu próprio time vai agir com ela. Mesmo assim, nada disso importa. Apenas a pressão dos corpos e o cheiro de sangue compartilhados preenchem os dois assassinos.
— A gente se merece, Lab.
