Work Text:
Risadinhas de crianças se tornaram um dos sons favoritos de Andrew, especialmente quando vinham de seus filhos sentados um de cada lado seu no avião que os levaria para suas férias de fim de ano no Brasil.
Aquelas mesmas risadinhas foram ouvidas horas antes enquanto terminavam de arrumar suas malas. As crianças estavam juntas no quarto de Melanie, sussurrando e vez ou outra a risada vinha acompanhada de um “shhh”, até que Andrew resolveu ir verificar o que os filhos estavam aprontando.
— Meus amores, não acho que seja boa ideia levar o King na viagem. Ele é enorme e vai explodir a mala — seu sorriso cresceu quando as duas crianças viraram espantadas para trás, tendo sido pegas no flagra.
Neil estava no assento logo atrás e cutucava e fazia cócegas em Thomas enquanto o garotinho ria e se contorcia. Melanie observava o irmão e ria de forma um pouco mais contida, mas seus olhos transbordavam alegria. Andrew as vezes olhava para trás para que Neil parasse quando via que o filho estava quase ficando sem ar de tanto rir.
Andrew e Neil haviam se tornado pais cinco anos atrás, quando se despediram da carreira de jogadores de Exy profissionais. Eles construíram uma casa e, nas noites frias de inverno, imaginavam como seria se aquele silêncio familiar fosse substituído por risadas infantis, passos apressados e vozes chamando por atenção.
Bom, seus dois gatos já miavam por atenção, mas ambos imaginavam como estariam tão mais completos tendo gatos e crianças. O desejo cresceu, e então vieram Thomas, com três anos e uma energia que parecia inacabável, e Melanie, um pequeno milagre envolto em mantas, recém-nascida e curiosa com o mundo.
Melanie tinha cabelos tão loiros e tão longos quanto Alisson, sua tia favorita. Mas, foi ao ver as pontas coloridas de Renee que a garota decidiu que queria também suas mechas rosas e roxas e azuis e mais quantas cores existissem no mundo. Ela era uma menininha muito doce e era o tipo de pessoa que demonstrava amor com o corpo todo. Se jogava no colo de Andrew sem aviso, enlaçava seu pescoço com os braços miúdos e o apertava como se quisesse se fundir a ele.
Nos primeiros meses, isso era o bastante para o peito de Andrew se fechar e o ar lhe faltar. Ele não sabia o que fazer com tanto toque, tanto calor. Mas com o tempo, o instinto de afastar foi dando lugar a outro... O de permanecer. Então, quando Melanie o abraçava agora, Andrew só erguia a mão devagar e deixava-a repousar nas costas da menina. Era estranho, mas era bom. Ser o porto seguro de uma criança era como curar o Andrew de sete anos.
Thomas tinha a pele retinta e linda e tinha também muitos cabelos muito cacheados. Os fios se espetavam para todos os lados e foi a Matt e a Dan que o casal recorreu para ensiná-los como cuidar da juba selvagem do pequeno garoto. E isso se tornou o passatempo favorito de Neil, sentar-se com o filho entre as pernas enquanto ele tagarelava sobre seus treinos na liga infantil de Exy e Neil fazia tranças cornrows em seus cabelos.
Nicky sendo Nicky, paparicava as crianças e lhes dava doces demais, transformando as duas em furacões impossíveis de serem contidos.
Nenhum dos dois sabia o que significava ser pai, não de verdade. Suas infâncias haviam sido arrancadas deles muito cedo, e a ideia de criar e amar alguém era, no início, mais assustadora do que bonita. Mas aos poucos, com tropeços e descobertas, eles aprenderam. Eles estavam juntos nisso e criaram uma fortaleza para os filhos. Nada jamais os machucaria da forma como eles haviam sido machucados quando crianças. Domaram o instinto de se proteger demais, abriram espaço para o afeto, e aprenderam que amor também podia ser um choro por colo, um café derramado, um dente que caiu e abriu uma janelinha no sorriso doce e fácil de uma criança.
O avião decolou e a mãozinha de Melanie foi instintivamente até a mão de seu pai, Andrew. Ele apertou e olhou para a filha, abaixando até conseguir sussurrar em seu ouvido.
— Eu também tenho — ele se referiu ao medo de avião. Normalmente quando viajavam para jogos em outros estados ou países, Neil estava lá para segurar sua mão na decolagem. Agora era ele quem fornecia segurança para alguém, a garotinha ao seu lado.
Thomas olhava pela janela maravilhado, sua respiração fazendo manchas no vidro. Andrew tocou de leve as costas do filho, para avisá-lo para não se recostar muito no vidro.
— Papai, isso é muito maneiro! Olha, dá pra ver nossa casa daqui! Mel, você deixou a luz do seu quarto acesa! — Thomas brincou e continuou apontando para baixo, para todas aquelas luzinhas que sumiam conforme o avião subia.
Ser chamado de pai ainda era algo que inflava o coração de Andrew e de Neil de amor e carinho. A primeira vez foi quando Thomas teve um pesadelo e correu para a cama do casal, se atirando aos braços de ambos e Andrew quase não soube o que fazer quando ouviu aquela palavra tão pequena mas carregada de significado escorregar da boca do garoto.
— Pai, — ele dissera, a voz trêmula — um monstro enorme corria atrás de mim!
A noite seguiu com ele e Melanie deitados, meio espremidos, entre os dois adultos e naquele momento Neil e Andrew entenderam o que era se sentir como um pitbull em relação aos filhos. Nenhum monstro, fantasioso ou não, mexeria com aquelas crianças.
— Aaron acabou de chegar na casa — Neil disse, do banco de trás. Incomodava bastante o fato de que aviões não possuíam corredores com quatro assentos, de forma que Neil precisou ir separado da família.
Ah sim, Aaron! Andrew sentiu-se idiota por quase esquecer que o irmão tinha topado passar as festas de fim de ano com eles. As gêmeas de Aaron e Katelyn amavam os filhos de Andrew e Neil e era sempre uma festa quando eles se encontravam. Quatro crianças faziam mais barulho e bagunça do que se podia imaginar mas nenhum pai reclamava quando recolhiam os brinquedos espalhados pela casa. Normalmente a essa altura as crianças já se encontravam derrotadas no sofá, dormindo e emitindo aqueles roncos fofos que faziam um sorriso escapulir da boca de Andrew e Aaron.
— Ele disse que tem um cachorro na casa e que Evelyn já quer levar ele embora com eles — Neil riu e lhe passou o celular, na qual mostrava a garotinha ruiva da idade de Thomas sorrindo com um cachorro caramelo deitado no colo dela.
Evelyn e Anne eram crianças igualmente adoráveis, mas puxaram a maioria das características de Katelyn, o cabelo avermelhado e os olhos azuis. Parecia que Aaron mal estivera presente no momento em que elas foram feitas. A relação de todos eles havia melhorado consideravelmente, embora Andrew ainda se mantivesse reservado quanto a esposa de seu irmão. Aaron, depois de anos, admitiu que Neil talvez não fosse o ser humano mais irritante da Terra quando viu que as gêmeas competiam para ver quem iria montar cavalinho nos ombros do tio enquanto seus sobrinhos rolavam de rir no chão.
Aaron estava feliz por seu irmão, tão feliz que as vezes se pegava com uma sombra de um sorriso em seu consultório enquanto encarava um porta retrato com uma foto deles dois na época que ambos ainda eram Raposas. Ele se sentia orgulhoso que Andrew evoluiu, fez sua carreira e, eventualmente, sua família. Era isso o que ele merecia, uma chance de fazer o que nunca fizeram por ele.... Por eles. Suas filhas cresceram juntas, amando incondicionalmente uma a outra, algo que ele próprio sempre desejou para ele e Andrew.
O celular de Neil ainda repousava na palma de Andrew quando mais uma mensagem fez a tela brilhar. Mais uma foto de Aaron, que fez Andrew emitir um som desacreditado quando abriu a mensagem.
Kevin Day estava sentado no sofá da casa alugada deles, um copo que podia ser limonada ou uma bebida regional conhecida como caipirinha estava em sua mão e ele sorria daquele jeito Kevin Day para a câmera.
A legenda dizia "Ah, surpresa. Convidei esse babaca também. Ele precisava de um pouco de sol."
Andrew revirou os olhos, mas não estava realmente irritado com a presença de Kevin, e entregou o celular para Neil, que soltou uma risada alta demais e chamou atenção do avião inteiro.
As horas se passaram e Andrew e as duas crianças dormiram. Melanie estava encolhida no assento, a testa repousando contra a lateral do corpo de Andrew, que tinha um braço protetor sobre o corpinho da menina, e Thomas estava deitado em uma de suas pernas, um filete de baba escorria de sua boca aberta e manchava o jeans preto rasgado de Andrew.
Neil tirou uma foto de sua família e imediatamente a colocou de plano de fundo do celular. Ele jamais imaginaria que estaria vivo para ver isso, todos os seus amores juntos e uma situação tão mundana quanto tirar férias de fim de ano. Os fantasmas do passado agora eram só um sussurro que era facilmente calado quando ele agradecia aos céus por ter sobrevivido e agora pudesse finalmente viver aquelas experiências lindas.
O restante do voo fora tranquilo, eventualmente as crianças (e Andrew) acordaram e os pais trataram de alimentar seus filhos com os lanches que a companhia aérea oferecia. Melanie era a mais enjoada para comer e fez Neil retirar todos os tomates de seu lanche, este que ela só comeu até a metade e depois ficou acanhada no colo de Andrew. Thomas comeu o dele e a metade de Melanie e era todo sorrisos quando Neil deixou que ele tomasse seu celular para assistir à partida de Exy dos Troianos.
Tanto Neil quanto Andrew sabia bem de onde vinha essa admiração toda pela USC, visto que Kevin Day após se aposentar decidiu virar técnico da liga infantil na qual Thomas e Evelyn jogavam, coisa que nenhum dos dois jamais imaginou ser possível. Mas ao que tudo indicava, Kevin tinha uma personalidade reservada para lidar com crianças e era todo palavras de afirmação e polegares para cima quando seus aluninhos erravam algo ou acertavam uma jogada.
Thomas admirava Kevin tanto quanto admirava seus pais. Toda vez que ele se lembrava que aqueles adultos à sua volta eram lendas do Exy ele tinha faniquitos e tagarelava um monte sobre isso. Por vezes ele e Andrew treinavam no quintal as defesas de Thomas, que eram tão bom goleiro quanto seu pai.
Melanie e Anne era crianças mais introvertidas mas gostavam de acompanhar os irmãos nos treinos e jogos. Sentavam-se lado a lado na arquibancada com garrafas de água coloridas e lanchinhos preparados por Katelyn, observando tudo com atenção absoluta, como pequenas estudiosas do esporte. Às vezes, Kevin subia até onde elas estavam e perguntava se queriam ajudar a anotar pontuações ou segurar o cronômetro. As duas aceitavam timidamente. Kevin achava que era questão de tempo até ele ganhar a confiança de ambas.
— A base vem forte, Josten! Seus filhos carregam no sangue o seu talento e o de Andrew! Eles vão ser a realeza do Exy — Kevin sabia muito bem que não havia a mais remota possibilidade das crianças e do casal compartilharem sangue, mas eles entendiam o que ele queria dizer e estava tudo bem.
Mas nem sempre esteve tudo bem. Certo dia ocorreu à pequena Melanie que sua família era um tanto peculiar. Ela não enxergava nada de diferente neles, afinal em sua cabeça infantil essa era a base de uma família: dois adultos e uma ou mais crianças. Às vezes algum animal, como seus gatinhos. Até que sua coleguinha de sala lhe perguntou o motivo de ela ter desenhado dois homens e chamado de “papai e papai”. Ah, e por falar nisso, por que você e seu irmão têm cores de pele diferentes? Ele é mesmo seu irmão? Como você tem dois pais? Da onde você saiu?
Aquilo foi suficiente para Melanie entrar em uma crise de choro e quase vomitar.
Seus pais foram chamados na escola e, tão logo ela os viu, as perguntas começaram, meio entrecortadas e difíceis de entender por causa do choro da garotinha. Thomas também foi chamado mais cedo naquele dia e, no carro ao lado de sua irmã, segurava-lhe a mão como se ela fosse sumir.
— Meu amor — disse Neil cheio de afeto e a beira das lágrimas também, o que era desconcertante e sufocante para Andrew, ver o homem que aguentou calado torturas e anos de sofrimento quase se desfazendo porque sua filha estava mal. Mas o próprio Andrew tinha os dedos fechados com tanta força ao redor do volante que seria capaz de arrancá-lo — você e o Tom são sim nossos filhos. Família é quem te ama e te protege. Quem te faz feliz e quem brinca com você. Não fique assim, Mel, todos nós aqui te amamos muito, tá bom?
No dia seguinte, Andrew acordou seu lado letal, à muito adormecido, enquanto conversava com a diretora da escola.
A aeronave aterrissou e finalmente eles estavam no Brasil. Andrew e Neil sabiam que a época de final de ano neste país era totalmente diferente do que estavam acostumados, mas Thomas e Melanie ficaram estupefatos quando não viram neve, só um sol quente brilhando naquele céu impossivelmente azul.
Depois de pegarem suas bagagens, a família rumou para a saída. Melanie ia no colo de Neil e Thomas estava sentado em cima de uma das malas, que Andrew levava em um carrinho. Ele estava eufórico porque os Troianos haviam vencido e mandava mensagens para Kevin pelo celular de Neil falando sobre o jogo.
Andrew se segurava para não falar que Kevin estava lá também. Ele morreria antes de admitir que estava ansioso para ver a reação do filho ao vê-lo.
Aaron esperava taciturno na saída para dar carona à família para a casa que alugaram. Embora ele estivesse daquele jeito Aaron Minyard, suas roupas eram descontraídas e leves, um par de chinelos e bermuda. Ele até ousou usar uma camiseta preta com uma camisa florida por cima.
— TITIO!! — Thomas e Melanie gritaram em uníssono e correram para abraçar o tio. Parecia uma troca justa para Neil, afinal, ele sem sombra de dúvidas era o tio favorito das filhas de Aaron.
Aaron, com um esforço hercúleo, pegou as duas crianças no colo e as abraçou, dizendo “nossa, Thomas, você cresceu muito! Melanie, seu cabelo está cada vez mais colorido!”. Para a decepção das crianças, Evelyn e Anne não puderam vir buscá-los, caso contrário não haveria espaço para todos eles.
— Embora não teria sido má ideia mandar o Josten ir no teto do carro — ele disse quando o casal se aproximou. Esse era seu “Olá, Neil, tudo bem?”. Andrew retirou com calma os filhos do colo de Aaron e o abraçou meio de lado, meio sem encostar muito, mas a intenção valia mais do que o ato em si.
— Olá pra você também, Aaron. A Eve e a Anne podiam ter vindo, você ficava aqui e voltava andando e elas dariam uma volta com os tios legais — Neil disse enquanto o ajudava a colocar as malas no porta malas. Essas pequenas provocações entre eles eram apenas para não perderem o costume. Aaron revirou os olhos e entrou no carro, no assento do motorista.
Andrew estava de passageiro e Neil foi atrás com os filhos, Thomas de joelhos no banco do carro porque queria engolir o máximo de informações que esse país poderia lhe proporcionar e Melanie no colo do pai, também bastante curiosa. Neil já estivera em muitos países quando fugia de seu pai, mas jamais vira um lugar tão cheio de cor e vida como esse. As pessoas pareciam simplesmente felizes aqui, mesmo que, aparentemente, não houvesse um motivo concreto.
— Ai meu Deus, aquela montanha é enorme! — Melanie apontou com seus dedinhos e perguntou se a montanha em questão tinha um nome. Neil disse que achava que se chamava Pão de Açúcar, pensando equivocadamente que português e espanhol soavam bem parecidos.
— Nossa, sua pronúncia é um lixo, Josten — disse Aaron.
— Faça melhor, bobão.
— Pão de Açúcar, Mel — respondeu o gêmeo do mau de seu marido, com uma pronúncia deveras melhor que a de Neil, e explicou para eles que em inglês aquele nome significava algo a ver com pães doces.
O passeio até a casa de praia que os gêmeos haviam alugado foi repleto de perguntas sobre aquele país e aquela cultura. Neil explicou porque ali não nevava no final de ano e Thomas teceu comentários sobre como, em sua visão, era injusto que ali as pessoas tivessem Natal e verão ao mesmo tempo e sobre como o argumento de que na neve dava para fazer bonecos de neve era fraco, pois ele achava perfeitamente possível fazer um boneco de areia e convidaria as primas para testarem sua teoria.
– Eu gosto da neve…mas acho que eu gosto mais de praia. Combina mais com o meu cabelo de sereia, né, papai? A tia Reneé disse que era um cabelo de sereia – A pequena Melanie nunca esteve tão falante e ocorreu a Neil que talvez sua filha só precisasse de um pouco de vitamina C para começar a se abrir.
A melodia que tocava na rádio foi a trilha sonora perfeita para o momento em que a casinha se revelou para a família recém chegada. Ela era pintada de um tom de verde pastel que era agradável aos olhos. O deck de madeira era um charme e trazia consigo duas cadeiras de balanço e algumas de plástico vermelhas, bem como uma mesa igualmente de plástico vermelha. Havia um símbolo na mobília de plástico e a palavra Skol.
Katlyn estava na entrada da casa e usava um vestido que ficaria bonito em qualquer outra mulher mas que nela parecia exagerado demais, pensava Andrew. Contudo, logo calou aquela vozinha e fez o melhor que pode para simplesmente acenar com a cabeça para a esposa do irmão enquanto ela se aproximava para ajudá-los.
Apesar de sua forte aversão àquela mulher, seus filhos a adoravam e o casal amava suas sobrinhas, então ele seguia o conselho de Neil de manter a “boa vizinhança”. Ah, e falando nas gêmeas...
Quando as crianças se viram houve uma explosão de gritos e abraços e apertos e mais gritos e risadas. Os adultos se assustaram ao notarem que Tom já estava ficando mais alto que a Anne e Eve, dado que eles tinham a mesma idade.
Kevin também se juntou à recepção e recebeu Thomas de braços abertos quando o menino se lançou em seu abraço, não perdendo tempo em perguntar se ele havia visto a partida dos Troianos.
– Falando nisso, existe algum time de Exy aqui, tio Kev?
– Sim, Tom. As Onças são uma das promessas do Exy profissional para o ano que vem – a conversa foi se perdendo ao que Kevin entrava na casa, seguido pelas demais crianças.
– Quando foi que ele se tornou o flautista de Hamelin? – disse Andrew, mais uma vez sendo pego de surpresa pela habilidade oculta de Kevin Day de lidar com pequenos humanos.
Neil e Andrew se instalaram em seu quarto após arrumarem as coisas de seus filhos, que ficariam em um quarto junto das primas. A janela dava para o mar e o barulho sereno das ondas sussurrava palavras tranquilizadoras no ouvido dele. Ele só podia imaginar como seria lindo ali de noite.
Seus filhos estavam em algum lugar por perto, ele podia ouvir as vozes das crianças e os latidos de um cachorro, provavelmente o vira lata caramelo com o qual Evelyn fez amizade.
Aqueles momentos em família enchiam seu coração de felicidade e paz, mas às vezes também era bom estar a sós com Andrew. Neil ainda era pego de surpresa quando via aquele anel dourado adornando o dedo do rapaz e ficava mais surpreso ainda quando via seu próprio dedo carregando a aliança que complementava aquela. Ele era casado com aquele homem a dez anos e eles tinham filhos juntos.
– Essa sua cara de pensativo é um charme – a voz de Andrew fez os pelos em sua nuca se eriçarem. Neil sempre tinha um riso frouxo quando se tratava do loiro e não o conteve quando se virou e segurou-o pela cintura.
Eles desfrutaram de um pouco de tempo a sós, este que foi regado de beijos e carícias cheias de amor e ternura. Esse país era quente mas Neil sabia que aquele fogo que consumia seu corpo era todo por causa de Andrew e o quão real ele era sobre seu toque.
Não fizeram nenhuma loucura, porque aquele era um ambiente familiar e não havia nada que Andrew odiasse mais do que expor crianças a certos tipos de comportamentos. Deu um leve beijo na testa e nos lábios de Neil e saiu para passar protetor solar nos filhos e arrumá-los para a praia.
•••
Faltando dois dias para o Natal, a família toda, e isso envolvia Kevin, saiu para visitar um dos mais lindos cartões postais do mundo: o Cristo Redentor. Ao chegarem aos pés da imponente imagem de Cristo com os braços abertos, tão grandioso e misericordioso ao mesmo tempo, eles entenderam porquê a imagem era uma das oito maravilhas.
Contudo, Anne e Melanie ficaram meio assustadas com a altura e Andrew gentilmente ofereceu-se para ficar com as garotas. Secretamente ele também estava com um pouco de medo de subir tudo aquilo.
Os corajosos da turma subiram e Andrew foi dar uma volta com sua filha e sobrinha. Os três tomavam sorvete enquanto olhavam as vendinhas que rodeavam o lugar, cheias de imãs, chaveiros e fotos do ponto turístico.
– Acho que a tia Reneé ia gostar disso, né? Vou levar de presente pra ela! – Anne correu para o caixa segurando uma miniatura em madeira da imagem do Cristo, mas Andrew foi mais rápido e pegou o objeto de sua mão. Ele pagou e lhe entregou a sacolinha.
– Obrigada, tio…– Anne disse tímida e com as bochechas vermelhas, que poderiam muito bem ser consequência do sol que ardia em suas peles.
Andrew lhe acariciou os cachos ruivos e tomou sua mão para atravessarem a rua. Melanie estava em seu colo, parecendo mais radiante do que tudo. Andrew não era nem um pouco dramático mas morreria por todas aquelas crianças. Ele voltaria ao Brasil todo ano se isso significasse ver suas sobrinhas e filhos tão felizes assim.
Aaron o mataria se soubesse que ele deu dois sorvetes para as meninas, mas, quando toda a família se reuniu, elas estavam com mais um saquinho de picolé de abacaxi na mão. Não era o melhor do mundo e tinha gosto de artificial, mas refrescava um pouco aquele calor todo. Ele deu um para Evelyn e Thomas e ergueu uma sobrancelha para o bico de Kevin.
– Eu não ganho um sorvetinho, Drew? Você já me tratou melhor, viu… – o tom de zombaria em sua voz fez todos rirem e Andrew escondeu um riso atrás de um revirar de olhos.
Eles almoçaram lá perto e descobriram que no Brasil era comum comemorar o Natal no dia 24, na virada para o dia 25. Acharam esse fato curioso, mas agradou bastante as crianças saber que receberiam seus presentes um dia antes do esperado.
O restante do dia foi tranquilo, as crianças finalmente foram fazer o tal boneco de neve-areia e os adultos ficaram por perto, bebericando a caipirinha que Kevin comprou. Neil ainda mantinha sua falta de apetite por bebidas, mas essa era docinha e lhe agradava. Andrew e Aaron estavam a alguns anos sem bebedeira, mas acharam a bebida igualmente boa.
Katlyn tirava fotos das crianças com sua câmera e tentou fingir normalidade quando Andrew elogiou uma das fotos que ela tirou de Thomas. Até lhe pediu que mandasse todas as fotos. Aaron admirava aquela interação e ergueu o polegar quando o olhar do irmão cruzou com o seu.
No final Thomas estava certo. Era perfeitamente possível fazer um boneco de areia.
•••
A noite do dia 24 estava fresca depois de um dia inteiro de uma chuva, e só o que faltava para a família ir para a praia era Katelyn terminar de ensinar Neil a fazer um penteado em Melanie.
Todos estavam com roupas coloridas e descontraídas e adotaram o chinelo como seu melhor amigo. Até o cachorro caramelo estava presente e virava a barriga para Thomas e Aaron lhe acariciarem. A praia era uma sinfonia cativante, as ondas quebrando ao fundo, as inúmeras cigarras cantando nas árvores, o vento leve que farfalhava as folhas. Sim, Andrew poderia se acostumar com isso…
Logo estavam todos sentados em círculo jogando uno. As crianças haviam se unido contra os adultos e a partida terminou com Kevin correndo atrás de Anne para lhe fazer cócegas.
– Essa pestinha rouba muito, Aaron! Foi você que ensinou, eu tenho certeza!
Pouco tempo depois os presentes estavam sendo entregues, Thomas ganhou luvas e tênis novos para praticar Exy, mas o melhor presente foi a raquete de goleiro que Andrew e Neil lhe deram. Melanie ganhou o Lego de sakura que ela tanto queria e abraçou Neil tão forte que ele achou que talvez a filha estivesse tomando sol demais.
Andrew deu para o irmão e para Kevin o mesmo presente: um porta retrato, comprado quando estiveram no Cristo Redentor, que carregava uma foto dos três dormindo nas cadeiras de plástico da casa. A foto havia sido tirada por Neil e lhe fizera lembrar da época em que eles eram Raposas em PSU. Foi engraçado ver Aaron tentando esconder as lágrimas. Kevin lhe deu um empurrãozinho gentil e agradeceu.
Neil lhe entregou um pequeno livro cuja capa estava cheia de adesivos e desenhos. Lia-se “álbum de fotos da viagem mais legal do mundo” na capa e Andrew reconheceu a caligrafia de Neil, Thomas e Melanie misturadas. O álbum estava cheio de colagens e fotos em polaroids da máquina que Andrew havia dado de presente para Neil no Natal passado.
Ele não soube colocar em palavras o quanto o capricho e esforço que foi colocado naquele álbum lhe deixavam estupefato e simplesmente feliz. Seus filhos e Neil sabiam que ele não era o tipo de pessoa que distribuía sorrisos, então, quando viram seus lábios se curvando para cima foi suficiente para entenderem que ele amou o presente. As crianças o abraçaram e Neil lhe beijou as bochechas.
Para o marido, Andrew deu um colar de prata com um pingente de chave. A frase dita muitos anos antes ainda ecoava em sua memória. “Você me deu uma chave e chamou de casa”. O pingente tinha três datas, a do casamento deles, a do aniversário de Thomas e a de Melanie.
Ele podia ter dado esse presente antes, nos natais anteriores. Mas esse Natal pareceu perfeito pois eles estavam em outro país e, pela primeira vez para Neil, não era para fugir de ninguém. Não era para cair em mais um ciclo de violência ou para dormir com medo em um chão frio e duro.
Era simplesmente para tirar férias com sua família e amigos.
– Eu sei que você sabe que a sua casa é onde nós estivermos. Isso é só um lembrete – sussurrou, com suas testas unidas.
•••
Os dias que se passaram foram regados de passeios e muita comida. Eles descobriram todas as gostosuras que o Brasil tinha a oferecer: um salgado de frango chamado coxinha, um doce chamado brigadeiro, um refrigerante doce e refrescante chamado guaraná. Até Melanie, que era uma criança difícil de se agradar com comida, estava visivelmente feliz em comer tudo aquilo.
Todos ali já haviam estado em praias nos Estados Unidos, mas entraram em um consenso silencioso de que nenhuma delas se comparava com a beleza e poesia das praias no Brasil. Elas pareciam vivas por si só e tinham aquela atmosfera que nenhum deles sabia explicar.
O local no qual estavam hospedados aos poucos foi recebendo mais famílias e turistas para a virada de ano. Era prometido um show de fogos de artifício ali perto e todos estavam bastante eufóricos com isso.
Nesse momento eles todos se encontravam na areia, jogando futvôlei, um Frankenstein de futebol e vôlei que os brasileiros inventaram e que era mais divertido do que parecia.
Após a partida de futvôlei terminar, Neil se sentou na canga florida e observou a praia a sua volta. Haviam caixas de som que tocavam diferentes ritmos, alguns mais energéticos, outros mais calmos. Volta e meia passava um vendedor trazendo biscoitos de polvilho, pulseiras com conchas, água de coco e espetinhos de queijo.
O cachorro caramelo repousava sereno ali, como se fosse dono da praia. Neil gostava mais de gatos, mas o cachorro era bastante simpático e companheiro e merecia uns carinhos atrás das orelhas.
Andrew se acomodou no meio de suas pernas e ficou lhe acariciando o joelho com o polegar. Aaron estava ajeitando o guarda sol para todos eles e as crianças foram junto com Katelyn encontrar alguém que fazia tererê. Foi Evelyn quem descobriu isso, era algum tipo de acessório com miçangas e fios coloridos que se usava no cabelo e as meninas ficaram ansiosas para terem um.
— Não acredito nisso — a voz de Andrew lhe trouxe para o presente.
— Oi? O que foi?
— Kevin Day não perde tempo mesmo. É óbvio que ele sairia daqui com um namorado — isso chamou a atenção tanto de Neil quanto de Aaron que rapidamente olharam para onde Kevin estava.
Havia um rapaz de cachos loiros ao seu lado e sua pele era lindamente beijada pelo sol. Ele poderia facilmente ser a personificação do Sol, pensou Neil.
Kevin falava algo com o rapaz, e não parecia ter problemas com a barreira linguística. Ficava claro na linguagem corporal do loiro que ele estava interessado no que quer que Kevin falasse. Ou estava interessado em Kevin.
— Finalmente, hein? Eu já tava ficando chateado que ele era o único que ia passar o final de ano sem ninguém — Aaron se juntou ao casal e entregou um coco para Andrew.
Pouco depois, Katelyn e as crianças chegaram. Anne vinha com o celular na mão e parecia que fazia chamada de vídeo com alguém, todas as meninas se espremiam para mostrarem suas mais novas trancinhas coloridas. Até Thomas ganhou uma, personalizada para combinar com as cornrows que ele já usava.
Eram Alisson, Reneé, Dan e Matt que estavam na chamada e todos faziam ficaram surpresos com os cabelos das meninas, pedindo que lhes ensinassem a fazer as tranças imediatamente quando voltassem. O celular foi passado para os adultos que conversaram um pouco e animadamente com os amigos, desejando feliz natal e contando como estava a viagem.
Aaron mandava todo dia fotos para Nicky, que estava na Alemanha com seu marido. Dessa vez ele mandou fotos dos cabelos das crianças e, embora Neil não soubesse qual era a diferença de horas do Brasil para a Alemanha, a mensagem foi respondida quase que imediatamente com elogios.
•••
A noite do dia 31 de dezembro estava quente, mas era mais um calor que aquecia a alma do que o calor que fazia transpirar.
Todos eles estavam sentados em uma canga e observavam de forma serena quando algumas pessoas iam até a maré acender velas e jogar pétalas ao mar. Elas fazia uma espécie de saudação e prece e deixavam a vela ali acesa. Vários pontinhos brilhantes eram vistos ao longo de toda a maré.
— É uma oferenda e um agradecimento para Iemanjá. Ela é uma divindade ligada ao mar e parece que muita gente vem aqui agradecer o ano e pedir prosperidade pro ano que vem ai — Katelyn disse e sua voz soou menos irritante do que Andrew se lembrava.
Kevin e o rapaz da praia estavam por perto também. Ele se chamava Jeremias e tinha o sotaque carregado e gostoso de ouvir. Ele era um bom rapaz e fez colares de concha para as crianças, o que dizia muito sobre sua personalidade. Os gêmeos e Neil aprovaram aquele amor de verão e torciam pra que aquilo se tornasse algo mais.
Um telão enorme foi colocado na calçada da praia e, nesse momento, passava um apresentador falando os números do sorteio que era conhecido como Mega da Virada.
— O que é isso? — perguntou Thomas.
— É uma loteria — Neil explicou, puxando o filho para mais perto. — Uma vez por ano alguém fica absurdamente rico da noite pro dia.
— Tipo… comprar dez mil raquetes de Exy? — os olhos do garoto brilharam.
— Bem por ai, filho — respondeu Andrew, com uma risadinha.
— Comprei um jogo. Só pra não dizer que a gente não tentou a sorte brasileira — disse Aaron, mostrando o papel contendo vários números e segurando uma caneta.
Andrew riu, achando aquilo absurdo, mas não o repreendeu. A esse ponto ele já estava bem tolerante com as presepadas do irmão.
— Se você ganhar a gente compra a casa que estamos, papai — Disse Evelyn, sentada no colo de Aaron. Ela parecia estar falando bem sério sobre aquilo.
No telão, os números começaram a ser sorteados um a um. Cada anúncio vinha acompanhado de uma reação coletiva: suspiros, xingamentos, risadas nervosas. Um senhor mais à frente comemorou cedo demais, erguendo os braços antes de perceber que tinha errado a sequência.
Quando o último número apareceu, houve um breve silêncio, seguido por uma mistura de aplausos, gargalhadas e comentários altos sobre quem quase tinha acertado. Aaron amassou o papel e o guardou no bolso com um suspiro dramático.
— Ano que vem eu ganho — decretou.
— Claro — Neil disse. — O Brasil inteiro ganha ano que vem.
Alguns minutos depois o telão se acendeu de novo, dessa vez mostrando a contagem regressiva para o novo ano. Dez, nove, oito, sete…
Eles se colocaram de pé e rumaram para perto da água. As ondas quebravam de forma serena enquanto Neil segurava a mão de Melanie, que estava de mãos dadas com Thomas. Por fim, Thomas segurava a mão de Andrew. Aaron e a família também estavam todos de mãos dadas.
…seis, cinco, quatro…Kevin estava olhando profundamente para Jeremias, que parecia derreter em seu olhar e toque.
Os últimos números foram ditos com energia, e isso fazia Neil e Andrew se lembrarem das quadras de Exy em partidas da final das olimpíadas.
— Três, dois, UM! – a praia toda foi tomada por abraços e risadas, muitas palavras de carinho e amor. Os fogos de artifício eram realmente muito lindos e iluminavam o céu com brilhos de todas as cores.
O casal ajudou Melanie e Thomas a pularem as sete ondinhas, uma tradição regional, e pularam também. Cada onda que vinha era suposta para ser feito um pedido, mas tudo que Andrew queria estava bem ali.
O mar levou o passado, o ano virou, mas a família permaneceu ali, contemplando. O caramelo sacudiu seu corpo, espirrando água do mar para todos os lados.
Talvez era sol que me faltava, pensava ele enquanto se dava conta de que Neil nunca esteve mais radiante. As crianças nunca estiveram mais contentes e Andrew nunca esteve mais em paz.
